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Era do Burnout: startups de “saúde mental” impulsionadas na pandemia

Beatriz Bevilaqua

Beatriz Bevilaqua

Jornalista e Comunicadora de Startups. Formada pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), foi condecorada em 2013 pelo Prêmio Sangue Novo no Jornalismo Paranaense, em Curitiba, pelo Sindijor PR e, em 2019 E 2021, como Melhor Profissional de Imprensa do Brasil pelo Startup Awards, maior premiação do ecossistema de startups da América Latina. Instagram @beatrizbevilaqua.

Healthtechs

Era do Burnout: startups de “saúde mental” são impulsionadas na pandemia

16/03/2022 20:32
Muito antes da pandemia, as pesquisas já apontavam um aumento expressivo da depressão, ansiedade e taxas de suicídio em todo o mundo. Com a crise sanitária e o isolamento social, os casos se agravaram ainda mais - escritórios fechados, demissões em massa, home office permanente, jornadas de trabalho ainda maiores - com pessoas sem saberem ao certo como separar a vida pessoal da profissional e sem poderem sair de casa. Um cenário aterrorizante e cheio de incertezas bem diante de todas as nossas telas.
Neste segundo texto da série sobre as healthtechs, trazemos dados sobre a saúde mental dos brasileiros durante a pandemia e algumas soluções tecnológicas que fizeram a diferença neste período e ganharam protagonismo no ecossistema de inovação e startups brasileiro.

Século XXI e a Sociedade do Cansaço

No livro “Sociedade do Cansaço”, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han traz claramente uma crítica ao modelo que vivemos de cobrança excessiva pela alta performance, intolerância ao erro e positividade tóxica. Com isso, os psicólogos perceberam um aumento da procura e queixas relacionadas ao trabalho – liderança, estresse, desgaste e, claro, o famoso burnout.
Dados do Zenklub - healthtech que conecta psicólogos e pacientes por vídeo, áudio ou texto - apontam que o número de consultas online cresceu 151% no 1º semestre de 2021 ante o mesmo período do ano passado, saltando para 50 mil sessões realizadas por mês. Já as sessões de terapia citando o tema burnout tiveram um aumento de 1397% quando comparamos o 1º semestre de 2020 com o 1º semestre de 2021.
A pandemia acelerou dois formatos de trabalho que já estavam em processo de crescimento no Brasil: o home office e o trabalho híbrido, em que o funcionário divide seu expediente entre o modelo presencial e à distância. Essa confusão de papéis prolonga o expediente e, consequentemente, o estresse, além de encurtar os horários de descanso e lazer. “É necessário aliviar o estresse, e o home office dificulta o intervalo de descanso e alívio, potencializando a exaustão tanto física quanto emocional”, explicou Rui Brandão, CEO da Zenklub.
Rui Brandão, CEO da Zenklub.
Rui Brandão, CEO da Zenklub.
A OMS incluiu o Burnout na nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11), em vigor desde 1º de janeiro de 2022. Para Rui Brandão, hoje o mercado começa a entender que saúde mental impacta diretamente no negócio, não só quando falamos de perda financeira com o adoecimento, mas também sobre performance, afinal, pessoas saudáveis, com propósito claro e ativamente desempenhando seu papel, formam equipes que trazem resultados positivos para o negócio.
“Houve um tempo em que colocar uma piscina de bolinhas ou fliperama no escritório era proporcionar bem-estar para o colaborador. Hoje, em um mundo corporativo híbrido, é preciso muito mais. É preciso olhar individualmente para ter ganhos coletivos”, contextualizou.
De acordo com dados da International Stress Management Association (ISMA-BR), o Brasil é o segundo país com o maior número de pessoas afetadas pela Síndrome de Burnout. Em 2022, o Zenklub tem como perspectiva colaborar com a mudança do cenário de Burnout no país, ajudando empresas e colaboradores a reduzir os níveis de exaustão e esgotamento profissional.
A empresa recebeu uma rodada de investimento no valor de R$ 16,5 milhões da Índico Capital Partners em 2020 e uma de R$ 45 milhões da K Tarpon, GK Ventures e Indico Capital Partners em 2021. Em número de clientes foi um crescimento de 272%, chegando a mais de 300 empresas atendidas, entre elas Ambev, Cyrela, Renault, Qualicorp, Tecnisa, Loggi, XP, Safra e Raia Drogasil.

Brasil, o país mais ansioso do mundo

Um estudo recente da UERJ aponta para um crescimento superior a 80% nos quadros de ansiedade e depressão no país. O Brasil, que já era considerado o país mais ansioso do mundo, hoje possui mais de 14% da sua população diagnosticada com algum transtorno de ansiedade. Sem contar os inúmeros casos de luto, que geraram prejuízos emocionais nas famílias de mais de 600 mil pessoas. Tatiana Pimenta, CEO da Vittude - healthtech de terapia online - explica que diante do adoecimento crescente, as empresas passaram a buscar soluções escaláveis de acolhimento emocional para seus colaboradores.
Tatiana Pimenta, CEO da Vittude.
Tatiana Pimenta, CEO da Vittude.
“Saúde mental e bem-estar passaram a ser temas estratégicos para líderes de RH e saúde corporativa. Nesse sentido, com certeza a tecnologia foi um diferencial para conseguir atender as demandas de empresas que possuíam operações nas mais diferentes localidades do nosso país”, explicou.
Um dado do DATASUS aponta que cerca de 50% dos municípios brasileiros não possuem psicólogos, e a única forma de atender pessoas dessas regiões é por meio de tecnologia, com soluções como a terapia online e a telemedicina.
Segundo a fundadora da Vittude, a terapia online passou a ser um dos benefícios mais requisitados pelos colaboradores das empresas, sendo destaque em várias pesquisas importantes como a da Willis Towers Watson. “Toda essa mudança de comportamento estratégico das empresas contribuiu para um crescimento da nossa receita em mais de 8x neste período de quase 24 meses. Até março de 2020 tínhamos 7 clientes corporativos, de médio porte. Hoje são 153, entre elas Banco do Brasil, Grupo Boticário, Saint-Gobain, Sky, Telhanorte Tumelero, Lojas Marisa, entre outros”, disse Tatiana.
A Vittude acaba de receber este mês um aporte de R$35 milhões para expandir ainda mais a sua atuação e impulsionar a vertical B2B.

Problemas do Sono e Depressão

Levantamento realizado recentemente pelo Instituto de Pesquisas Cananéia (IPeC), a pedido da Pfizer Brasil, apontou que a tristeza foi relatada por 42% dos pesquisados, seguida pela insônia e irritação por 38%, a angústia ou medo por 36%, e crises de choro por 21% como causadores ou agravantes destas condições.
Um outro estudo realizado pela healthtech brasileira Vigilantes do Sono - programa digital para as pessoas melhorarem o sono e curarem a insônia - com 21 empresas e que reuniu 42 mil brasileiros em todo país, identificou que pessoas com problemas de sono têm 284% maior probabilidade de ter depressão e 180% maior probabilidade de ter ansiedade.
A Vigilantes fechou uma parceria com o Grupo Fleury em 2021 para apoiar os seus colaboradores. Cerca de 97% dos funcionários do grupo Fleury participaram de um levantamento realizado pela empresa, sendo que 40% decidiram ingressar no programa de melhoria do sono. Para as pessoas que engajaram no programa, houve uma redução de 40% no índice de insônia, 53% de redução no índice de ansiedade e 60% de redução no índice de depressão.
Os fundadores da Vigilantes: Guilherme Hashioka, Lucas Baraças e Laura Castro.
Os fundadores da Vigilantes: Guilherme Hashioka, Lucas Baraças e Laura Castro.
Segundo Lucas Baraças, CEO da Vigilantes do Sono, a demanda por este tipo de solução cresceu exponencialmente. Nos últimos 12 meses, a healthtech viu um aumento em mais de 100% no número de pacientes atendidos (aproximadamente 40 mil), mais de 1 mil profissionais de saúde começaram a usar a plataforma com seus pacientes (aumento de 900% em relação ao ano anterior) e houve um aumento no faturamento em 3.000% em relação ao ano anterior.
Neste mesmo período da pandemia, a empresa foi incubada no Hospital Albert Einstein e ganhou o prêmio de melhor startup de saúde pelo programa Inovativa, contando com parcerias com Gympass, Porto Seguro, Grupo Boticário, Azul, entre outros.
Segundo Lucas Baraças, CEO da Vigilantes do Sono, dificuldades com a saúde mental não são uma "moda" da pandemia, mas cada vez mais vemos que este é um tema que veio para ficar e que deve ser tratado com cuidado. “Felizmente estamos vendo alguns players do mercado buscando juntar forças para tentar oferecer soluções cada vez mais acessíveis e assertivas para a população. Empresas têm buscado oferecer benefícios com tele-terapias, operadoras de saúde têm feito ações de promoção de saúde e autocuidado com saúde mental”, disse.

Apneia do Sono ou Depressão

Um outro distúrbio do sono pouco conhecido é a apneia do sono. Estima-se que 1 bilhão de pessoas tenham esta condição no mundo, e ela muitas vezes é confundida com depressão e até pode gerar um adoecimento mental.
“Isso acontece pois a pessoa que tem apneia do sono tem problemas respiratórios durante a noite que faz com que esta pessoa, mesmo ficando muito tempo na cama, acorda cansada e sem vontade de levantar. O diagnóstico desta condição pode levar mais de 10 anos em muitos casos, e estamos desenvolvendo uma forma de diagnosticar esta condição apenas com o uso do celular - é um projeto inédito a nível mundial e tem o potencial de ajudar milhares de pessoas”, explicou Lucas Baraças.
Além de ajudar as pessoas com apneia do sono, o projeto abre portas para ajudar empresas a terem maior produtividade e redução de acidentes dos colaboradores, planos de saúde podem cuidar de forma pró-ativa de seus segurados e laboratórios podem otimizar os exames de diagnósticos desta solução.
Segundo o CEO da Vigilantes do Sono, estas tecnologias desenvolvidas via inteligência artificial também abrem portas para o trabalho de reconhecimento de ansiedade e depressão de forma subjetiva via dispositivo celular, uma linha de pesquisa promissora e com potencial de impacto enorme.

Game que promete revolucionar o estilo de vida

Uma healthtech que se propõe a melhorar a qualidade de vida do usuário de maneira integrada é a Radarfit - que usa a gamificação como atrativo. A empresa fundada por três mulheres (Jade Utsch, Jennifer de Faria e Tatiany Duarte) cresceu 1.600% durante a pandemia e está presente em mais de 20 países. Os gamers criam seu avatar em 3D e têm acesso a treinos personalizados para serem feitos em casa ou ao ar livre com uso de inteligência artificial. No aplicativo, ao realizar os desafios, os usuários conquistam medalhas e acumulam moedas para trocar por prêmios reais.
Segundo uma pesquisa realizada pela própria empresa, a raiz da dificuldade em ter uma vida saudável vem da falta de recompensa imediata gerando falta de motivação (25% dos entrevistados), falta de disciplina (33% dos entrevistados) e “desculpas” que não tem tempo pra ter uma vida saudável (29% das pessoas).
As fundadoras da RadarFit.
As fundadoras da RadarFit.
Para Jade Utsch, CEO da Radarfit, ao mesmo tempo que uma parte da população se tornou mais sedentária e obesa, outra buscou uma vida mais saudável. Para a empreendedora, o metaverso deve ganhar força, mas ainda precisará de muitas atualizações e está muito distante da realidade brasileira. “Queremos trazer esta tecnologia ainda este ano de forma democrática e acessível dentro do universo fitness com a realidade aumentada, que é o mais próximo que temos do metaverso e o ´fitcoin´ que será a nossa criptomoeda”, disse. O aplicativo deve passar em breve por novas atualizações e acrescentar mais opções voltadas também à saúde mental.
Está claro que a pandemia trouxe grandes desafios sociais, econômicos e psicológicos para todos nós, por outro lado hoje vemos uma maior preocupação com a saúde mental e o autocuidado. As feridas deste período ainda não cicatrizaram, mas agora é responsabilidade de cada um de nós aprendermos a ser melhores e buscarmos a melhor versão de nós mesmos. A tecnologia não é nossa inimiga e pode ser uma grande aliada. O mais importante é sabermos usá-la a nosso favor.

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