Cotidiano de antigamente

Paulo José da Costa*

Cinco postais, cinco histórias

Paulo José da Costa*
08/04/2022 20:06
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Cartão enviado por De Bona para Freyesleben, em 12 de outubro de 1929.

Arrisco dizer que um cartão postal ou uma fotografia pode mudar a história. Quem os coleciona às vezes não atina para o valor documental desses pequenos papéis retangulares arquivados em álbuns de família e muitas vezes jogados fora por herdeiros descuidados. A eles, sempre digo: antes de rasgar e colocar no lixo os papéis guardados por um antepassado, passe para alguém da família que se interesse ou lembre daqueles abnegados que solitariamente e sem nenhum apoio cuidam da memória dos antigos.
Nesse caminho, quero mostrar alguns exemplares de meu acervo, que atingiu a marca de mais de oito mil cartões postais de grandes fotógrafos do Paraná, como Wischral, Foggiatto, Linzmeyer, Armin Henkel, Groff, mas também de amadores e anônimos, que sempre estamos em busca de pistas para identificar.
O primeiro é de Arthur Wischral (1894-1982), conhecido por suas imagens da Serra do Mar e sua ferrovia, mas também por documentar a transformação urbana de Curitiba. Arthur registrou inúmeros momentos históricos, e um deles, quando tinha 17 anos apenas, foi a formação da Guarda Civil de Curitiba. Isso foi antes de ir para a Alemanha se aperfeiçoar e onde permaneceu em Würzburg trabalhando como aprendiz da arte fotográfica no período da Primeira Guerra Mundial (1914-1919).
Do grande lote de 15 imagens desse evento, selecionei uma, tirada na Praça Zacarias em 25/11/1911, em que aparece a primeira formação da Guarda e se destacam, sentados, o seu comandante Dario Fagundes Gaertner (centro), o fiscal Generoso Nascimento (esquerda) e o fiscal Pedro Lago Marques (direita). A Guarda foi extinta nos anos 1960.
Guarda municipal, em 25 de novembro de 1911, registada por Arthur Wischral.
Guarda municipal, em 25 de novembro de 1911, registada por Arthur Wischral.
João Baptista Groff (1897-1970) tinha um olhar especial para captar o bulício das ruas, o vai e vem de automóveis e bondes, mas resolvi escolher uma vista da rua José Bonifácio (antiga rua Fechada), que normalmente vemos fotografada no sentido inverso, desde a praça Tiradentes e em direção ao Largo da Ordem (cartão 2)
Essa imagem não foi colorida por computador e sim pelo próprio artista, à época (sim, havia fotos coloridas, como mostraremos futuramente em outro artigo), e captura de modo quase cinematográfico o movimento dos imigrantes com suas carroças a vender frutas e verduras, registro de uma Curitiba que sumiu e que nos enche de saudades de um tempo que não vivemos mais.
Rua José Bonifácio, no final da década de 1920, por João Baptista Groff.
Rua José Bonifácio, no final da década de 1920, por João Baptista Groff.

A importância das mensagens nos postais

Existem postais com chamuscados de acidentes de aviões, com colecionadores ávidos. Mas o que escolhi (cartão 3) é menos dramático, mas não menos importante: em 12 de dezembro de 1929, Theodoro de Bona enviou para seu amigo Curt Freyesleben, de Veneza, Itália, um cartão em que diz:
 “ … a vida aqui está cada vez mais pesada, mas não importa, o futuro é dos fortes e por isso é preciso não perder a coragem. Doutro lado do cartão está um quadro do Sorolla J. Bastida que mede 3 metros por 2,5… este quadro não é ruim mas o auctor faz apparecer mais a habilidade do que a arte…”  
Cartão enviado por<br>De Bona para Freyesleben, em 12 de outubro de 1929.
Cartão enviado por<br>De Bona para Freyesleben, em 12 de outubro de 1929.
De Bona estava em Veneza estudando com dois mestres italianos com bolsa do estado do Paraná e da Prefeitura de Morretes (que tempos fantásticos aqueles!) e retornaria apenas em 1934, com enorme bagagem artística que incluía prêmio em concurso de Roma e diversos quadros seus incorporados aos acervos da galeria de Veneza e a prefeitura da mesma cidade.
Vejam a importância de uma mensagem num simples cartão postal ao revelar as preocupações da vida de um grande pintor paranaense em terra estrangeira, bem como algo de suas tendências estéticas. É onde o postal entra no campo da fonte primária de história.
O quarto cartão que escolhi para o leitor é de 1905 e é um documento etnográfico enviado por um admirador de uma senhora Palmyra Seiler, residente à rua José Bonifácio em Curitiba. O carimbo é de Bela Vista de Palmas e tem a data de 27 de março de 1905. Diz o tal admirador, cujo nome não desvendamos:
“Palmyra, embora no meio dos índios nunca a esquecerei. Saudações do admirador transviado por estas paragens.” E escreve de punho a legenda importante: “Índios caigangs. Bella Vista de`Palmas, Paraná.”
Índios Kaingangs, de Bella Vista de Palmas, no Paraná, em 1905.
Índios Kaingangs, de Bella Vista de Palmas, no Paraná, em 1905.
Nossa viagem pelas imagens do passado termina com um registro editado na França na primeira década do século 20, em Miguel Calmon, uma colônia de eslavos na região onde hoje é o município de Ivaí, no Paraná. Possivelmente, são ucranianos e impressiona a alegria demonstrada nas feições de muitos deles. O único ser vivo que parece não gostar e vira o rosto para o fotógrafo é o cachorrinho, bem à direita na imagem (cartão 5). Ou estava interessado em outra coisa, vai lá saber.
Colônia Miguel Calmon, 1910.
Colônia Miguel Calmon, 1910.
Até a próxima!
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*Paulo José da Costa é de Ponta Grossa, comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.