Cotidiano de Antigamente

Por Paulo José da Costa*

Conheça a história de Agostinho Bernardo da Veiga, o cronista fotográfico

Por Paulo José da Costa*
16/08/2021 10:10
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Mergulhar em imagens de um autêntico amador, aquela pessoa que, manejando uma câmera fotográfica, saía por toda parte registrando os acontecimentos para guardar com zelo no álbum de família, é sempre um terreno prazeroso de descobertas. Possivelmente, esses cronistas fotográficos, muitas vezes anônimos, não atinavam que suas lembranças, pacientemente colecionadas, iriam servir nas décadas futuras de subsídio para estudos em todas as áreas, até em teses acadêmicas sobre arquitetura, transportes, urbanismo, sociologia, história.
Agostinho Bernardo da Veiga, cujos álbuns não me canso de manusear, é um deles. Vejamos algumas de suas experiências de vida transformadas em imagens e que hoje perpetuo para sempre neste artigo. Seus álbuns são repletos de registros preciosos, pois ele teve ligações com inúmeras entidades paranaenses, como as Escolas de Agronomia, de Odontologia, a Sociedade Thalia, o Clube Athletico Paranaense, paro por aqui para não cansar o leitor.
Transporte na Ilha do Mel, 1942
Transporte na Ilha do Mel, 1942
Comecemos pela Ilha do Mel, nosso recanto litorâneo mais belo. Lá, as famílias da elite curitibana, a partir do início do século 20, aprenderam a desfrutar de encantos, paisagens, aromas, sabores, passando temporadas e construindo habitações.
Na foto que abre esse texto, está Agostinho, com diversos membros da família Bettega, além de Lolita Leão e o filho Ivinho. Observem os trajes, os desenhos de pinhões estilizados, puro movimento paranista em roupas de banho. João Turin, que desenhou roupas no estilo, teria influenciado os Bettega, ou foi algo espontâneo, desenhado pelos nossos retratados? A estudar…
Ilha do Mel, gruta das Encantadas, 1942
Ilha do Mel, gruta das Encantadas, 1942
Na segunda imagem, duas décadas depois, em 1942, vemos uma carroça que fazia o transporte dos moradores, o que hoje não é mais permitido. Na seguinte, um grupo de visitantes na gruta das Encantadas, em julho de 1942, pleno inverno, donde os capotes e agasalhos.
A legenda escrita no registro seguinte diz “o sobrado mais baixo do mundo – Paranaguá, junho de 1924”, uma prova do quanto eles são preciosos para o estudo das transformações urbanas, da vida cotidiana.
"O sobrado mais baixo do mundo", em Paranaguá, junho de 1929
"O sobrado mais baixo do mundo", em Paranaguá, junho de 1929
Dando um salto para Curitiba, dois momentos importantes e históricos de um dos mais importantes clubes sociais da cidade, a Sociedade Thalia.
Agostinho Bernardo da Veiga foi presidente do clube na gestão 1938 a 1943, quando entregou aos associados uma nova sede, na rua Comendador Araújo, ali em frente à Igreja Presbiteriana. A imagem ao lado mostra o corte da fita inaugural, em 10 de dezembro de 1942, pela Sra. Antonieta Domenica Chiabotti, carinhosamente conhecida como Anita Ribas, segunda esposa do grande interventor Manoel Ribas, a quem o Paraná deve um salto de progresso, e que também aparece na foto (o quarto a partir da direita). O cavalheiro ao lado da Dona Anita é o presidente do clube, o nosso Agostinho.
Corte da fita inaugural da sede da Sociedade Thalia, dezembro de 1942
Corte da fita inaugural da sede da Sociedade Thalia, dezembro de 1942
Primeira dança no salão da nova sede da Sociedade Thalia, na data de 10/12/1942
Primeira dança no salão da nova sede da Sociedade Thalia, na data de 10/12/1942
A outra imagem é da primeira dança no salão da nova sede do Thalia, no dia 10 de dezembro de 1942, onde, com alguma imaginação, se consegue até ouvir a música de Glenn Miller, "Moonlight Serenade" e os casais em deliciosos remoinhos, vestidos esvoaçantes, numa elegância de encher os olhos. Bons tempos aqui no Brasil, pois o resto do mundo estava em guerra, juventude morrendo em batalhas, cidades em escombros.
Senhorinhas no chafariz da Praça Osório, Janeiro de 1929
Senhorinhas no chafariz da Praça Osório, Janeiro de 1929
A foto acima é a nossa Praça Osório, numa época em que o sol conseguia chegar à grama dos jardins. Hoje, o exagero das árvores não podadas impede o astro-rei de chegar nos que visitam o logradouro. Praça é para se ter o sol em meio aos edifícios, ainda mais numa cidade de clima invernoso.
Em 1929, contudo, um grupo de lindas senhorinhas podia se espalhar sob as bênçãos da luz solar para uma fotografia, tendo como moldura o chafariz. Ao fundo, se vê o famoso relógio em sua posição original. Já lá se vão 92 anos. Vejam como era bonito, o chafariz, com o cisne ao centro e as seis sereias. Essa estatuária veio da França, mandada trazer por Carlos Cavalcanti, fruto do contrato de empréstimo feito pelo governo estadual ao Banque Privée de Paris, em 1912, que obrigava a aquisição de obras de arte francesas para embelezamento das cidades paranaenses.
Ainda nessa bela foto vemos a fonte como era antes da infeliz reforma de 1962. Aí os mais antigos lembrarão dos banhos nas quartas-feiras de cinzas, quando blocos de foliões, principalmente vindos do Clube Thalia, vinham se despedir do rei Momo em banhos regados a champanha, lança-perfume, confete e serpentina.
Também lembrarão dos trotes estudantis e, mais recentemente, dos banhos da gurizada nos dias de calor. Pelo jeito alguém não gostava de ver as crianças se divertindo na “sua” praça, pois para evitar esses banhos é que se colocou aquela medonha cerca metálica ao redor do monumento, destruindo para sempre qualquer lembrança mais idílica do passado. A imagem serve como consolo e, quiçá, para algum prefeito iluminado restituir à cidade o chafariz em seu estado original.
Torneio de Tiro Dr. Afrânio Costa, Clube Athlético Paranaense, na data de 28/02/1928
Torneio de Tiro Dr. Afrânio Costa, Clube Athlético Paranaense, na data de 28/02/1928
Nosso último registro (acima) mostra um momento do Torneio de Tiro Dr. Afrânio Costa, do Clube Atlético Paranaense, realizado em 28 de fevereiro de 1928. Afrânio foi o primeiro ganhador de medalha olímpica brasileiro, em Antuérpia (1920), e a foto nos mostra o campeão demonstrando sua maestria no tiro anos mais tarde, aqui no Paraná.
Curitiba foi um centro nesse esporte desde os tempos dos alemães e seus clubes no século 19. Alemão membro de clube é um pleonasmo, porque eles tinham clubes para tudo: aqui no acervo tenho papéis de clubes de canto, ciclismo, flautistas, assobiadores (acreditem!) e de tiro, sendo esse fundado em 1886. Mais tarde surgiu o Tiro Rio Branco, do João Gualberto, organização paramilitar que foi ao Rio de Janeiro honrar Curitiba em competições nacionais, trazendo medalhas e elevando o nome da cidade no mundo desse esporte. Mas tanto os clubes de alemães quanto o Tiro Rio Branco são histórias que contaremos futuramente.
*Paulo José da Costa nasceu em 1950 em Ponta Grossa, é comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.