• Carregando...
Fotos e cartas contam histórias de Curitiba de antigamente
| Foto:

Há coisa de trinta anos, passando por um antiquário da 13 de maio, aqui em Curitiba, vi um álbum de recordações de viagem esquecido dentro de um guarda-roupas antigo. Comprei na hora.  Era uma viagem de um casal norte- -americano, recém-casado, para o Rio Grande do Sul, onde ele assumiria um cargo numa empresa fumageira. Eles documentaram tudo, desde a despedida da família até a chegada, os anúncios nupciais em jornais na Filadélfia, as diversões no navio, tudo com fotos e outras lembranças curiosas. Da passagem pelo Rio, guardaram os programas de cinema, fotos dos passeios, até a chegada ao destino, onde a família gerou dois meninos. O álbum termina com uma carta solta, de uma antiga servidora na casa, chorosa, com saudade das crianças que vira crescer. Como esse álbum veio parar em Curitiba? O que aconteceu com o casal e seus filhos?  Essas perguntas e seus segredos são alguns dos motivos por que me interesso em guardar essas histórias de família. Cada álbum que consigo tem segredos, histórias, revelações. E minha casa vai se tornando a casa dos segredos e dos guardados de gente esquecida no tempo.

Quando jovem, eu já guardava as fotos antigas, cartas e documentos da família em Ponta Grossa, dos Bach, dos Guzzoni, dos Guimarães Villela, e de meu avô português, Armando Costa. Mas sempre me limitei aos meus, nunca guardei nada dos outros. Aquele álbum do casal americano foi um divisor de águas. E, por força da profissão, passei a perguntar, sondar, procurar, adquirir e a receber em doação centenas e centenas de lotes de famílias que eu visitava – e continuo visitando – formando em trinta anos um acervo formidável de memórias do cotidiano de cidades paranaenses e catarinenses.

Hoje perdi a conta... talvez 600, 700 mil registros em postais, fotografias, documentos, cartas, diários. Um imenso cipoal onde as histórias se encontram e reencontram nas centenas de caixas de plástico, cuidadosamente organizadas, separadas por assuntos, universidade, aviação, escolas, artistas, clubes alemães, clube curitibano, guerra do contestado, revolução federalista, a lista não tem fim. E as famílias, Hauer, Seleme, Munhoz da Rocha, Tenius, Carneiro, Bittencourt, Mueller, Schlemm, Raschendorfer, centenas delas... Tive momentos lindos como aquele em que um senhor que eu não conhecia me trouxe em doação diversas caixas de sapato repletas de postais curitibanos, desde os primórdios, 1890, 1900, e que se tornou o núcleo de cartofilia do acervo. Tudo sendo publicado aos poucos em meu blog, e na comunidade Antigamente em Curitiba, do Facebook. Acredito que a única maneira de perpetuar esses bens culturais é divulgando, repartindo. Mas tive momentos muito tristes também, quando cheguei tarde, os acervos dos falecidos tinham virado cinzas ou simplesmente sido rasgados e jogados no lixo. Acontece muito...

Escolhi algumas poucas histórias de vida escondidas em minhas caixas mágicas de memórias: a primeira é do menino judeu polonês que veio com nove anos para Curitiba, em 1922, e que vinte anos mais tarde escreveu suas lembranças de vida em mais de 500 páginas de caprichadas linhas manuscritas. Ele começa sua história na Polônia, narrando tristezas que não terminam quando chega a Curitiba após longa viagem. Ali, ele conta as dificuldades escolares, as perseguições, os bons e maus professores, as aventuras pela cidade. No fim, seus amores, suas alegrias, a formatura na universidade. Tudo em português perfeito e caligrafia impecável.  Na foto, o trecho em que ele conta as histórias com os bondes curitibanos. O volume eu encontrei em meio ao entulho de uma demolição na Av. Marechal Floriano, em meio a outros livros sujos de caliça... Pura sorte o achado.

O álbum da família Cremer, da floricultura de mesmo nome que ficava na Rua XV, é um primor. Contém fatos do cotidiano da cidade e sua vizinhança, desde a chácara superflorida até os casarões de que o Sr. Cremer cuidava do ajardinamento. As festas em clubes, os passeios, o calçamento da Rua das Flores, um incêndio dramático exatamente em frente à floricultura, visita ao hidroporto de Paranaguá, tudo foi registrado sob as lentes da câmara do jardineiro travestido de fotógrafo Cremer. A foto mostra o incêndio, em 1930, na Rua XV.

Só os mais antigos poderão se lembrar do argentino José Peón (1889- 1972), figura simpática de artista que adotou Curitiba de coração e aqui se destacou como gravador, autor de medalhas icônicas na história da numismática, ou mais especificamente da medalhística. Também se destacou na confecção das placas de bronze que ornavam nossas estátuas em praças e em bancos e repartições, hoje raras de encontrar, surrupiadas que foram pelos bandidos dilapidadores dos tesouros de bronze nos cemitérios e logradouros. Pois Peón era também fantástico fotógrafo, apaixonado pelos nossos pinheiros. Fico feliz em poder homenageá-lo, pois tinha enorme sensibilidade.

Alberto Oliveira é um fotógrafo de quem não encontrei informações. Tenho dele uma série de fotografias tiradas em 1906, de Curitiba e do litoral, além de diversos cartões postais da mesma época. Não sei se era paranaense ou de algum outro estado, mas as imagens falam por si só: ele era bom no que fazia. A fotografia que escolhi mostra a antiga rua da Liberdade, hoje Barão do Rio Branco, em 1906.

Do mestre Arthur Wischral (1894-1982), uma das suas mais belas imagens de que tenho orgulho de possuir no acervo. Constante do álbum de viagem ao litoral do Paraná, feita em 1927, em companhia de Hugo Hegenberg, que escreveu os poéticos textos, a fotografia mostra a praia de Cayubá, como se escrevia à época, lindamente deserta, o morro ao fundo.

Bertholdo Brenner era filho do fotógrafo Carlos Brenner, que adquiriu o Estudio Weiss. Então, naturalmente Bertholdo se encaminhou para a fotografia, ainda que de forma amadora. No álbum que incorporei ao acervo há uns cinco anos, constam brincadeiras de estúdio como montagens, as viagens, vida militar, mas, principalmente, uma belíssima série de cartões postais com vistas de Curitiba, os quais acredito serem únicos já que foram feitos para o prazer do fotógrafo, não para sua venda. Dele, escolhi uma vista do Passeio Público, em torno de 1928, com a universidade ao fundo e o belo lago em primeiro plano.

Paulo José da Costa nasceu em 1950 em Ponta Grossa, é comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]