Cotidiano de Antigamente

Paulo José da Costa

Reminiscências do Primeiro Centenário da Pátria – 1922

Paulo José da Costa
23/09/2022 10:21
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Desfile das escolas. | Acervo de Paulo José da Costa

Quem deu os primeiros passos para a organização das comemorações do centenário da independência do Brasil em Curitiba foram os acadêmicos de medicina. Foi como um rastilho de pólvora. Em poucos dias a cidade se movimentava para os festejos e quinze dias antes do 7 de setembro já havia todo um cronograma acertado e ficamos sabendo pelos jornais da época que o litoral e cidades do interior, como Ponta Grossa, também se engalanaram para as festas. Em Curitiba houve chuvarada por dois dias e assim as festividades se prolongaram até o dia 12 de setembro, comandadas pelo prefeito Moreira Garcez e o governador Munhoz da Rocha.
Decretados feriados e férias escolares e de funcionários, além de adiantamento de salários, tudo para que em nada mais se pensasse a não ser na festa cívica. Houve missas campais, salvas de tiros de canhão, cânticos pelas igrejas evangélicas na praça municipal, inauguração da avenida 7 de setembro, passeatas das sociedades dos imigrantes, bailes e mais bailes comemorativos nos clubes, parada militar e desfile das escolas, além de uma demonstração de ginástica por alunos no campo do Internacional F.C.
Demonstração de ginástica no Campo do Internacional.
Demonstração de ginástica no Campo do Internacional.
Os maestros Leo Kessler e Raul Menssing conduziram concertos no Theatro Guayra, com salas lotadas, imagine se não. Houve uma queima de fogos estrondosa e uma “marche aux flambeaux”, à meia-noite,  isto é, uma marcha com fogos conduzida pelas ruas centrais, sem falar no corso de automóveis. O passeio público foi embandeirado para uma linda “festa veneziana” e, como disse a Gazeta do Povo, “ruas inteiras ostentaram ornamentações em todo o seu percurso, denotando o entusiasmo de seus moradores... as casas commerciaes das principaes ruas ... apresentavam suas exposições e mostruários requintadamente organizados numa concorrência de arte e de gosto que attrahia a atenção de toda a gente...
Ainda me atendo à narrativa da Gazeta do Povo do dia oito de setembro, “...antes da meia-noite a rua XV estava repleta. Curityba em vigília esperava nella a hora que annunciaria o dia 7. As saccadas regorgitavam. As calçadas eram intransitáveis. E viam-se ahi as familias mais representativas do sociedade curitybana, associadas ao entusiasmo geral. A praça Santos Andrade estava igualmente tomada pelo povo, que de perto queria assistir as commemorações que os acadêmicos haviam marcado para a meia-noite. Esta foi annunciada no meio de um verdadeiro delírio do povo.  Enquanto os acadêmicos salvavam a hora com morteiros, as fábricas e as locomotivas da Estrada apitavam.Os automóveis faziam soar as suas sirenas, e em muitos delles queimavam-se fogos de artifício...”
O Padre Ildefonso Xavier Ferreira, o curitibano que em 1822 aclamou Sua Majestade na plateia da Casa da Ópera em São Paulo, gritando por três vezes vivas ao primeiro Rei do Brasil, foi homenageado com uma herma na praça Santos Andrade, que devido às chuvas, só foi inaugurada no dia 12.
Inauguração da herma do<br>Pe. Ildelfonso.
Inauguração da herma do<br>Pe. Ildelfonso.
Os jornais mais importantes lançaram números especiais, sendo o da Gazeta do Povo enorme (37 x 54 cm) , com 88 páginas e artigos de seus principais historiadores (Rocha Pombo, Ermelino de Leão), muita poesia dos paranaenses Emiliano Pernetta, Rodrigo Junior,  Emilio de Menezes, Fernando Amaro, etc.  Os artigos desse número especial encheram os olhos dos curitibanos da época com cinco páginas de arte, a cargo de Laertes Munhoz, mais quatro sobre a colonização do Estado, com direito a muitas fotografias das colônias. A universidade ganhou três páginas repletas de informações, e a nossa literatura uma grande pesquisa. Os progressos da mulher curitibana também ganharam espaço, com destaque para Júlia da Costa. Enfim um exemplar que demonstrou o orgulho paranaense pelo seu progresso nas ciências, artes e indústria.
O jornal A República não ficou atrás e lançou um volume em tamanho revista com quase 300 páginas. O historiador que cuidou desse exemplar foi Romário Martins. A edição contemplava artigos sobre os municípios do litoral e do interior do Estado, além de uma copiosa seçao de anúncios.
Missa Campal.
Missa Campal.
Capa da edição especial de A República.
Capa da edição especial de A República.
Não há como deixarmos de comparar essa verdadeira alegria cívica ocorrida há cem anos com o que teremos em 2022 (escrevo este artigo quinze dias antes de sete de setembro). Mas pelo que temos como sinalização nos parece muito pouco, talvez em função das eleições que se avizinham. Que as comemorações sejam então dentro de nossos corações, e que as palavras de Samuel César, na primeira página da edição de A República de 7 de setembro de 1922, ecoem por todos os cantos e sejam lembradas na alvorada de nosso terceiro século como nação:
Plateia na comemoração no Campo<br>do Internacional.
Plateia na comemoração no Campo<br>do Internacional.
“...e porque fomos bons, porque fomos fortes, generosos, trabalhadores e justos, neste grande dia do Centenario podemos pedir a Deus que faça a nossa terra e a nossa gente grandes no futuro como as fez grandes no passado; que afaste do  Brasil a peste, a guerra e a fome para que a felicidade seja perene e constante em todos os lares. Na aurora do II século de vida de liberdade, orgulhosos do passado, fortes da nossa consciência de povo livre, confiantes no futuro, bemdigamos os grandes homens que por nós combateram e por nós viveram e por nós morreram, bemdigamo-los com reverência e com enthusiasmo; bemdigamos a terra boa que nos alimenta e nos engrandece. E que as vozes de todos os que têm a ventura de ser brasileiros se ergam numa só e grande e forte voz no mesmo saudar solemne e magnifico, que vale por um compromisso de trabalho e  de honra, que vale por um juramento. Salve Pátria."