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É tanta discussão sobre isolamento social que a confusão na cabeça das pessoas já está instalada. Tem gente em pânico, achando que se sair de casa vai necessariamente se contaminar, como se o vírus viesse numa nuvem radioativa. Outros ignoram por completo o perigo, expondo-se ao risco do contágio sem necessidade.

Depois de ler inúmeros artigos e dois levantamentos recentes decidi trazer para a coluna alguns elementos para nos ajudar na reflexão. Trago também a orientação médica, de um geriatra, que li dias atrás e julgo ser da maior importância, especialmente para quem já passou dos 60 ou tem pais, avós, amigos mais velhos com quem se preocupa. Falo dela adiante. Primeiro acho prudente refletir sobre o que se sabe até agora da eficiência de isolar-se em casa.

Eu já falei aqui mesmo nesse espaço que isolamento total não existe, porque como pessoas continuam ficando doentes e precisam de médico e de remédios, é impossível impedir que elas saiam de casa para ir à farmácia, a uma consulta ou ao hospital mesmo. E a gente precisa se alimentar, então, a menos que tenha acesso a serviço de compras online e entregas em casa e possa pagar por ele, alguém da família precisa ir ao supermercado de vez em quando.

Isso sem falar em todos os trabalhadores essenciais, que saem de casa todo dia (colocando sua saúde em risco para nos atender quando precisamos) e naqueles que contam com a própria sorte e precisam ir às ruas atrás do pão de cada dia. Então isolamento total não existe e sim, uma recomendação para ficarmos em casa o máximo possível.

O tal do lockdown, que já foi decretado em alguns lugares, é o isolamento social que o país inteiro está fazendo, e que praticamente o mundo todo fez em algum momento, com a diferença de ter um controle rigoroso. Em vez de recomendação é ordem. Só trabalhadores essenciais têm autorização para sair e se forem parados por um policial precisam provar que estão indo trabalhar.

Também são autorizados a furar o lockdown doentes, para ir a consultas médicas ou à farmácia; e uma única pessoa por família, para fazer compras de supermercado quando necessário e respeitando todas as outras orientações de distanciamento físico, uso de máscaras e cuidados com a desinfecção das mãos.

O problema é que além dos questionamentos sobre a liberdade de ir e vir, já surgiram contestações à eficiência dessa estratégia de isolar as pessoas em casa. Semanas atrás o governador de Nova York surpreendeu o mundo (e ele próprio estava surpreso) com a informação, comprovada em pesquisa, de que a maior parte dos que contraíram o vírus no Estado de Nova York, 84% dos infectados, disseram que estavam em quarentena, não saíram do lugar onde moram, casa ou asilo. Significa que alguém que mora junto e em algum momento saiu, contaminou-se. E, talvez até por não ter sintomas, não tenha tido os cuidados necessários, por isso passou o vírus para outras pessoas dentro de casa.

Agora foi divulgado um estudo do governo espanhol, feito com 60 mil pessoas, demonstrando algo igualmente surpreendente: que os trabalhadores essenciais, que estão na rua desde o início da pandemia, foram menos infectados do que aqueles que ficaram em casa. Isso não quer dizer que o isolamento social, bem feito, não funcione. Mas são informações que vão surgindo e que a gente deve considerar antes de pensar em retomar alguma rotina fora de casa.

Estudo do governo espanhol sobre contaminação em casa

Esta semana entrevistei um médico do Rio de Janeiro que analisou esse estudo sobre a eficiência do isolamento social, feito pelo governo da Espanha. Raphael Câmara é ginecologista e epidemiologista, conselheiro do Cremerj e representante do Rio no Conselho Federal de Medicina (CFM). Questionei se os trabalhadores essenciais espanhóis estariam sendo menos contaminados do que os que ficam em casa justamente por estarem mais cientes dos riscos e, assim, sendo mais cuidadosos na hora da exposição ao contágio - ao contrário daqueles confinados, que, quando precisam sair, talvez se contaminem por algum descuido.

A resposta dele? “Você pode levantar várias hipóteses, mas tem um dado que não há como refutar: os trabalhadores essenciais se infectaram menos. O fato é esse, não tem como se discutir o fato.”

Aqui no Brasil já há questionamentos ao lockdown também, decretado depois que o vírus já estava em circulação. Em São Luís, onde as pessoas foram obrigadas a ficar em casa sob pena de multa e até prisão, em uma semana o número de casos confirmados e de mortes aumentou em 65%, segundo a imprensa local. Isso com menos gente circulando, ou seja, mais gente em casa. Existe a possibilidade de pessoas que já estavam contaminadas e sem sintomas terem sido o fator de disseminação do vírus para a própria família, a partir do momento em que passaram a ficar o tempo todo junto.

Como tudo isso é questionável e há muitos interesses políticos por traz dessa discussão, prefiro dar mais atenção para as orientações médicas sobre as atitudes que devemos ter quando sair de casa, porque mais cedo ou mais tarde todos teremos que sair. Por isso trago para a coluna o texto que um geriatra aqui de Curitiba publicou em seu próprio blog.

Carta de um geriatra a idosos sobre isolamento respiratório

Carlos Sperandio escreveu em seu blog especificamente para os pacientes idosos, do grupo de risco, mas o que ele diz vale também para todos nós, que convivemos com algum idoso ou que saímos de casa de vez em quando. Palavras do Dr. Sperandio para os idosos:

"Muito se tem falado do necessário isolamento social a que vocês estão sendo submetidos. Ele é necessário? Sim! Ele é compulsório? Não! Ele é recomendado? Sim! Preciso ficar todo o tempo trancado? Não! Posso combinar de receber visitas de meus filhos e netos na minha casa? Sim, desde que se tenha muita inteligência no respeito às boas práticas do isolamento respiratório. Ou seja, é necessário ter conhecimento pleno do risco e saber controlar o medo. Se você não consegue nem um nem outro, a mensagem acaba aqui, seja feliz com as reuniões de família via zoom."

Carlos Sperandio, geriatra, no blog carlossperandio.com

O médico se popõe a destrinchar o que são as boas práticas, lembrando que todas as pessoas têm direito constitucional de ir e vir, a não ser que estejam condenados pela justiça. O texto continua:

“A doença só se transmite por contato respiratório de pessoa a pessoa, ou de secreção de pessoa contaminada com sistema respiratório da outra. Se sabemos que é dessa forma o contágio, cabe a todos na sociedade, sobretudo os grupos de risco e os que estão em contato com eles, que usem de todos os artifícios possíveis para evitar a transmissibilidade."

Como exemplo o geriatra cita que um aposentado, de 75 anos, que tinha o hábito de caminhar todos os dias por recomendação médica, porque isso melhora a função cardiorrespiratória e a saúde em geral, deve continuar caminhando. Mas é preciso que entenda que cabe a ele evitar exposição ao risco de entrar em contato com o vírus.

Isso se aplica também às idas ao supermercado (que os idosos devem evitar, mas nós, filhos, netos, vizinhos, devemos fazer por eles, também com cuidados extremos). As dicas do Dr. Carlos Sperandio são para escolher horários com menor movimento, ir de máscara (o que aqui no Paraná, por exemplo, já é obrigatório), levar álcool em gel e passar nas mãos sempre que precisar tocar o rosto...

Eu já chego no mercado passando álcool nas mãos e no pegador do carrinho. E lá no setor de hortifruti, quando vou pegar nas frutas e legumes que outras pessoas podem ter tocado, uso o saquinho plástico como luva. Obviamente lavo tudo assim que chego em caso, depois de deixar os sapatos do lado de fora e já de roupa trocada. A gente não pode afrouxar nesses cuidados.

O médico também lembra que quem precisa de uma consulta deve se consultar, mas agendar horário e evitar aglomerações, sempre usando máscara, álcool 70 nas mãos e evitando tocar o rosto. E sobre visitas, faz uma recomendação muito especial.

“Quer visitar seus netos? Agende horário, vá de carro e não de ônibus, use máscara, não dê beijos e abraços, não fique a menos de 1,5 metro deles, use álcool 70 sempre que precisar tocar o rosto e seja feliz.”

Outro alerta do geriatra: "Estamos começando a pagar um preço social muito alto em termos de consequências emocionais para os idosos", pelo medo do contágio. Ele lembra que só tememos o que não conhecemos e por isso faz questão de apresentar o que já se sabe sobre o SARS-CoV-2, que ficou conhecido como coronavírus. Volto às palavras do geriatra no texto do blog.

“Ele [o vírus] só te incomoda se você o cumprimentar. Por isso, mantenha distância dele que ele não te afeta! Precisamos ser inteligentes. Estamos apanhando de goleada de algo que só se propaga com nosso erro. Não erremos!"

O texto finaliza com a lembrança de que essas orientações não são um passe livre eterno, por isso o recado: “Vá, faça sua caminhada e volte. Vá, veja sua família e volte. Seja inteligente. Pode sair de vez em quando, evitando o contágio, mas não seja abusado de se achar o meninote invencível.” E essa recomendação vale também para os mais jovens, os meninotes que se acham invencíveis.

Na minha última coluna eu relembrei a mania nacional de desrespeitar regras e citei casos (todo mundo conhece algum) de gente que já está promovendo festinhas, encontros de amigos, churrascos, só porque todos estão em quarentena há semanas e supostamente não foram contaminados. Nós não somos invencíveis. Há lugares no Brasil que estão, claramente, no pico da pandemia. Outros ainda correm o risco de chegar ao ponto de saturação dos hospitais por excessos de pessoas doentes ao mesmo tempo. Ainda não é hora de voltar à vida que tínhamos antes, do jeito que era antes.

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