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Escolha de reitores nas universidades públicas federais é algo que sempre dá margem a muitos questionamentos, mas ninguém imaginaria um ministro do STF voltando atrás no próprio entendimento diante da mesma lei e simplesmente ignorando o que está escrito nela para limitar a atuação do Presidente da República. Foi o que fez Edson Fachin.

Enquanto todo mundo se revoltava, com razão, por causa da decisão absurda do ministro Marco Aurélio Mello de mandar soltar um traficante perigoso, passou praticamente despercebido o voto, também absurdo, do ministro Edson Fachin a favor de uma ação de inconstitucionalidade da lei que há 25 anos rege a forma de escolha de reitores em universidades públicas federais.

A ação, impetrada pelo PV, questiona o processo de escolha de reitores pelo Presidente da República a partir de uma lista tríplice indicada por um Conselho da própria universidade, algo que está previsto em lei desde 1995 e que partido nenhum ousou contestar durante os anos FHC, Lula e Dilma/Temer.

O voto do ministro Fachin foi absurdo sob dois aspectos: não só porque ignora a lei, mas também porque é diferente de seu próprio parecer em julgamento anterior sobre o mesmo tema, quando o presidente era outro e o Judiciário não costumava limitar o poder do Executivo como vem ocorrendo agora.

Opinião: Fachin errou em decisão sobre lista tríplice para reitores

O que diz a lei

Muita gente acha, erroneamente, que a escolha de reitores nas universidades federais é feita por eleição direta. A confusão existe, porque em ano de troca de comando nas reitorias sempre há candidatos, campanha e várias universidades fazem até votação entre alunos, professores e funcionários para a escolha do favorito.

Isso, porém, é apenas uma "consulta pública". Acontece para que o Conselho Universitário, responsável pela formação da lista tríplice, sinta a temperatura, veja quem são os preferidos e depois defina os três possíveis nomes para assumir a Reitoria.

O Conselho Universitário, que é (ou deveria ser) formado por representantes de toda a comunidade universitária, tem autonomia para realizar a consulta pública ou decidir por conta própria, em reunião só entre seus membros, os nomes para a lista tríplice. É o Conselho, inclusive, que indica a ordem dos candidatos na lista para tentar influenciar o Presidente da República, mas a decisão final é do chefe do Executivo.

Nem sempre a opção do presidente é pelo primeiro da lista, afinal ele também faz sua consulta. É um processo político: o presidente conversa com o Ministro da Educação, com deputados e senadores do estado onde fica a universidade, que, por sua vez, trazem informações dos representantes de sindicatos de professores e diretórios estudantis. Sabendo, portanto, quem são os preferidos da comunidade universitária e por que, e analisando o perfil e o currículo de cada um, o presidente decide quem vai assumir o cargo.

É por isso que se fala tanto em aparelhamento das universidades. Reitor é como ministro do STF, normalmente segue a mesma linha de pensamento do presidente que o indicou. Como um único partido político, o PT, ficou no poder por 14 anos, o pensamento de Esquerda se espalhou também para as universidades federais através dos reitores indicados por Lula e Dilma.

De Norte a Sul várias gerações de estudantes viram no comando das universidades públicas gente alinhada ao petismo, disseminando o pensamento de Esquerda entre os futuros profissionais do Brasil. É a regra do jogo. A população escolhe o presidente, o presidente escolhe os reitores e eles ditam os rumos da Educação Superior.

Nesses anos todos houve uma ou outra contestação judicial por parte de candidatos perdedores, que tinham sido incluídos na lista tríplice, mas não seguiam necessariamente a linha dura do PT e acabavam preteridos. E é aí que entra o posicionamento anterior do ministro Fachin sobre o tema.

Os dois pesos e duas medidas de Fachin

Durante os governos do PT, o ministro Edson Fachin concordava com o que estava na lei 9.192/1995. Agora que o Brasil está sob nova direção, ele quer forçar o presidente a escolher, obrigatoriamente, o primeiro nome da lista tríplice.

A Lei 9.192 modificou uma lei anterior, de 1968 (Lei 5.540), que previa uma lista de seis nomes de professores para que o Presidente da República pudesse ter mais opções de escolha. Desde 1995, então, vale a regra da lista tríplice. A lei é clara, no artigo 16, inciso I.

“O Reitor e o Vice-Reitor de universidade federal serão nomeados pelo Presidente da República e escolhidos entre professores dos dois níveis mais elevados da carreira ou que possuam título de doutor, cujos nomes figurem em listas tríplices organizadas pelo respectivo colegiado máximo, ou outro colegiado que o englobe, instituído especificamente para este fim, sendo a votação uninominal”.

Lei 9.192/1995, artigo 16, inciso I

Ou seja, a lei diz que a escolha de reitores pelo presidente se dará a partir de um dos nomes entre os indicados. A palavra "entre" não está ali por acaso. Significa que um, entre aqueles nomes, deve ser o escolhido. Ao dar seu parecer como relator da ação impetrada pelo Partido Verde (ADI 6565), porém, Edson Fachin posicionou-se contra o que diz a lei.

No voto o ministro disse que “a nomeação de Reitores e Vice-Reitores precisa atender aos seguintes requisitos: (I) ater-se aos nomes que figuram na lista tríplice; (II) respeitar integralmente o procedimento e a forma da organização da lista pela instituição universitária; e que a escolha (III) recaia sobre o docente indicado em primeiro lugar na lista”.

É de se perguntar qual parte da lei o ministro não entendeu! Como pode alguém que não consegue ler o que está escrito numa lei fazer parte da mais alta corte judicial do país, a última instância de Justiça? Se esse voto fizesse algum sentido, qual a razão da lista tríplice? Por que uma lei exigiria que o Conselho Universitário se desse ao trabalho de indicar três nomes se apenas o primeiro pudesse ser escolhido?

A incoerência do ministro Edson Fachin não é apenas a de ir contra o que está previsto em lei. Nessa decisão recente ele foi contra seu próprio entendimento anterior. Em 2016, chegou ao STF um mandado de segurança (31.771/DF) impetrado por um professor da Universidade Federal do Mato Grosso, que concorria ao cargo de Reitor, estava na lista tríplice, mas perdeu para a então reitora, que foi reconduzida ao cargo para um segundo mandato por escolha da presidente Dilma Rousseff.

No voto o ministro Edson Fachin, que também era relator da matéria, disse que “o ato de nomeação ou recondução de um Reitor de uma universidade é prerrogativa do (a) Presidente da República, revestida dos critérios de conveniência e oportunidade. Dentre os que figuram na lista tríplice, porque já atendem aos requisitos da lei, não há hierarquia e o (a) Presidente pode escolher livremente o nomeado”.

Se naquela época ele achava que não havia hierarquia e o presidente podia escolher livremente o nomeado dentre os nomes da lista tríplice, por que agora mudou de opinião? Por que quer agora obrigar o presidente Bolsonaro a escolher o primeiro nome da lista? Será que é porque os primeiros nomes das listas tríplices ainda são de professores ligados à Esquerda, mas os demais não, necessariamente?

Disputas ideológicas

É importante lembrar que essa ação impetrada pelo PV, que originou o estranho voto do ministro Fachin, faz parte de uma guerra que se trava dentro das universidades para tentar impedir uma mudança no pensamento ainda dominante, esquerdista, contra o qual lutavam o ex-ministro Abraham Weintraub e o próprio presidente Bolsonaro também.

Os dois chegaram, inclusive, a tentar suspender a formação das listas tríplices para escolha de reitores durante a pandemia, porque sabiam que, com as aulas suspensas, a comunidade de alunos, professores e funcionários não seria sequer consultada, diminuindo a chance de candidatos conservadores estarem entre os indicados.

Bolsonaro e Weintraub queriam fazer indicações provisórias para substituir aqueles que estivessem com o mandato vencendo, mas o Congresso não votou a medida provisória que implantaria isso e ela perdeu validade. Pelo que vemos agora, a guerra continua.

No Judiciário, ela ainda não terminou. O voto do ministro Fachin foi só o primeiro. Os demais ministros estão votando no plenário virtual e devem se manifestar até o dia 19 de outubro. Nesta sexta (16) há um empate: 3 a 3.

Por incrível que pareça a tese de Fachin já convenceu os ministros Celso de Mello e Carmem Lúcia, que votaram com o relator, obrigando o presidente a escolher o primeiro nome da lista tríplice. Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes e Dias Toffolli divergiram. Vamos ver se mais alguém vai se colocar contra o que diz a lei e votar com Fachin ou se os que divergem dele e a sociedade, preocupada com o aparelhamento das universidades, serão vencedores.

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