Sinais de abuso sexual cometido contra menores de idade costumam ser emitidos pelas próprias vítimas, como se, inconscientemente, estivessem gritando por socorro. O problema é que quem pode ajudar normalmente não sabe entender os recados e o ciclo de violência segue.
Por mais duro que seja esse tema, é um alívio ver a sociedade amadurecendo a ponto de trazer essa discussão para a semana das crianças. Recebi vários informativos a respeito disso nos últimos dias e resolvi entrar na corrente de divulgação. Afinal, de que adianta forrar as redes sociais de fotos de quando éramos crianças, enviar mensagens bonitinhas de brinquedos e doces e até presentear os pequenos de nossos círculos de convivência se não pudermos contribuir para garantir a todas as crianças proteção e um desenvolvimento saudável?
Sim, está no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e também na Constituição brasileira que todos somos responsáveis, até mesmo quem não tem filho e vive livre, leve e solto achando que não tem qualquer responsabilidade pelas novas gerações. O artigo 227 da Constituição de 1988, que inspirou os artigos 4° e 5° do ECA, assegura a proteção integral à criança e ao adolescente por toda a sociedade, além da família e do Estado.
"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
Constituição Federal de 1988, artigo 227
O que cada um de nós pode fazer? Primeiro, deixar de achar que esse assunto não nos diz respeito, por termos certeza de que na nossa família não há a menor possibilidade de algo assim acontecer. Segundo, informar-se para conhecer a realidade, inclusive os sinais emitidos pelas vítimas. Terceiro, estar atento e tomar uma atitude ao menor indício de que alguma criança ou adolescente esteja sofrendo violência.
Quando se fala de violência doméstica não quer dizer, necessariamente, que o agressor seja alguém que more na mesma casa. Na imensa maioria das vezes, porém, é alguém do círculo de convivência da vítima: avô, tio, primo, padrinho, um amigo dos pais, um vizinho, alguém da igreja; quando não o próprio pai, padrasto ou namorado da mãe.
E não adianta vir com paus e pedras dizendo que estou acusando apenas os homens pelos crimes sexuais contra menores de idade. Faço questão de deixar clara minha admiração por todos os homens de bem, conscientes e responsáveis: pais, irmãos, tios, avôs, primos, padrinhos, professores e amigos, que não só respeitam como protegem as meninas, mas os registros de mulheres que cometem tais abusos são insignificantes para as estatísticas.
Voltando aos abusadores... É justamente por serem quase sempre do círculo de convivência da família que é difícil para a criança externar a dor e denunciar a violência que está sofrendo. O abusador tem a confiança dos demais adultos e normalmente ameaça a criança dizendo que, se ela falar, ninguém vai acreditar no que diz e ela será punida (ainda mais violentada) por ser mentirosa.
Vítima de um massacre psicológico, além da violência física, a criança se retrai. É aí que surgem os primeiros sinais de abuso sexual.
Sinais de abuso sexual emitidos pelas vítimas
Mudança repentina no comportamento de uma criança pode ser um primeiro sinal de abuso sexual. Mesmo que ela se cale por medo ou ameaça, o corpo fala, assim como o olhar e as atitudes. Até quem já entrou na adolescência costuma ter medo e vergonha de falar quando sofre violência, mas, assim como as crianças, emite sinais.
O olhar triste, por exemplo, é um alerta. Crianças têm uma alegria natural, uma vivacidade que contagia. Mesmo as tímidas, quando estão brincando se soltam, sorriem. É claro que nem toda criança com olhar triste está sofrendo violência física, muitas vezes ela pode estar doente, com fome, de birra ou chateada por algo que aconteceu. Mas olhar triste recorrentemente é motivo para preocupação.
Choro repentino também pode indicar que há alguma lembrança dolorosa vindo à tona. A criança lembra da violência que sofreu e não consegue se controlar, simplesmente chora. Há crianças que choram dormindo ou acordam chorando ou gritando, não por causa de um pesadelo, mas de forma frequente.
Na linguagem aparecem palavras novas, termos chulos, coisas que podem ter sido ditas pelo abusador. Timidez que não existia é algo preocupante. Crianças que eram extrovertidas, falantes e de uma hora para a outra se fecham no seu próprio mundo e deixam de interagir com os outros, podem estar na verdade querendo gritar de raiva, angústia e medo.
Isso também acontece bastante com adolescentes vítimas de violência. Acontece inclusive o contrário: adolescentes, ou mesmo crianças, que eram tímidos, do nada, começam a se soltar. Desinibição excessiva e repentina é mais um alerta de que algo de errado pode estar acontecendo.
Aqui, aliás, cabe uma observação bem importante que eu já mencionei em vídeos anteriores: a erotização precoce. Muita gente acha engraçadinho meninas com roupas decotadas, usando salto, fazendo poses ou dançando coreografias sensuais, mas isso é algo que deve chamar a atenção de todo adulto, não por ser bonito, e sim por não ser apropriado para a idade.
A atitude pode ser sinal de que aquela criança está sendo estimulada por alguém a seduzir com a promessa de que vai agradar, como se aquilo fosse algo bom e até natural. E, sem ter o discernimento para entender que não tem idade para aquele tipo de comportamento, acaba se vulgarizando e tornando-se um alvo ainda mais fácil de pedófilos.
No sentido contrário, especialmente entre adolescentes que sofrem violência sexual, há uma perda da vaidade, refletida no descuido com a forma de se vestir, no cuidado com o cabelo e até com a própria higiene. Isso também acontece com crianças, mas, segundo promotores de justiça que defendem direitos da infância e juventude, é mais comum em adolescentes.
Violência gera violência
Há um aspecto ainda mais grave relacionado a essa aparente vontade de se punir que começa com a falta de higiene e de vaidade. Psicólogos e médicos psiquiatras já perceberam que muitos menores vítimas de violência ficam com uma raiva reprimida e uma vergonha tão grande que se tornam, eles próprios, violentos. E violentos consigo mesmos, inclusive.
Há casos em que adolescentes se cortam com lâmina descartável e, para esconder a automutilação, começam a usar só roupas de mangas compridas. Desconfie dos que sempre se agasalham, mesmo em dias quentes. Entre meninas e meninos que sofrem abuso sexual há relatos também assustadores de que arrancam os próprios cabelos e roem unhas de forma compulsiva.
Outra informação que quase não se ouve, mas que pode estar associada à violência que a criança vem sofrendo, é o comportamento perverso, especialmente com animais. E aqui não se fala de possíveis "molecagens", como tentar atirar pedras em pássaros, o que precisa ser reprimido, mas até certo ponto pode ser enquadrado como algo da natureza infantil.
A crueldade é muito maior: crianças e adolescentes que praticam uma maldade extrema, violência física mesmo contra animais, e que não sentem a menor pena quando veem um bichinho sofrendo. A causa disso precisa ser investigada.
Alguns desses sinais só podem ser percebidos por pessoas que convivem com a vítima, que conhecem bem o comportamento dela desde pequena, como perceber que uma criança alegre passou a ter um olhar triste ou uma adolescente que era muito vaidosa deixou de se cuidar.
E nem sempre é fácil lidar com a situação, porque pode dar briga na família o simples fato de mencionar que percebeu algo errado na atitude da criança ou do adolescente. Mas há várias formas de contornar isso, como tentar acolher a criança para ver se ela se solta e conta algo e, se o indício for forte o suficiente, até denunciar para o Conselho Tutelar para que um assistente social visite a família e tente entender o que se passa.
Como disse no começo do texto, para fazermos nosso papel de protetores da infância e da juventude, como sociedade, e tomarmos uma atitude diante de qualquer suspeita de que um menor de idade sofre abuso sexual, é importante conhecermos os sinais.
Como dizem os médicos, os psicólogos, os promotores de justiça, até a polícia, a gente só enxerga o que está preparado para ver. Daí a importância de saber identificar esses sinais de alerta emitidos por vítimas de violência.
Quem acha normal uma criança erotizada não vai entender que, além de ela estar tendo acesso a algum conteúdo erótico ou pornográfico, pode já ter sido vítima de abusos. Se os adultos não percebem os sinais que a criança emite, ela vai continuar sofrendo abusos. E é duro pensar que o futuro dela depende dessa identificação de comportamentos suspeitos.
Fique atento a esses sinais que são, na verdade, pedidos de socorro. E ajude a divulgar compartilhando esse artigo. Se tiver alguma outra informação, alguma dica de como lidar com isso, alguma história para contar, deixe um comentário.
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