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Jonas Moreno, presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB de Pernambuco.
Jonas Moreno, presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB de Pernambuco.| Foto: Albari Rosa/Arquivo Gazeta do Povo

Seguimos nosso giro sobre “diálogos democráticos” durante estes tempos difíceis. Na semana passada tivemos o desprazer de relatar uma situação com peculiaridades tristes e perigosas, a partir da postura do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr, e sua frase “as igrejas querem abrir pra faturar”. No dia 19 de maio editou um novo decreto municipal, “permitindo” a abertura de templos para celebrações presenciais com o máximo de 30 pessoas. Governo Marchezan, um governo “para o povo”.

Já no estado do Pernambuco, tivemos uma notícia um tanto diferente da postura do governador Paulo Câmara. Primeiramente, também num sentido de governar “para o povo”, aquele estado, que optou por um aumento do lockdown e restrições da movimentação de pessoas de maneira mais severa, não havia inserido salvaguardas que permitissem, por exemplo, que ministros de confissão religiosa pudessem se deslocar para o atendimento espiritual e celebração de missas/ cultos/ rituais online nos templos. Haveria uma forte violação constitucional ao que temos escrito por aqui há semanas. Liberdade religiosa, matriz das liberdades individuais, base da democracia liberal.

Diferentemente do que, com tristeza, observamos na capital gaúcha, onde a noção do social democrata é de que a casta política tem a iluminação para escolher e interferir na vida das pessoas a ponto de ter a petulância de “permitir” ou “proibir” a celebração religiosa, vimos postura coerente com a democracia por parte do governador pernambucano. E se resume em uma palavra fundamental sua mudança de atitude: diálogo.

Sim, a sociedade civil organizada, não apenas da comunidade religiosa, através de suas lideranças, mas também contando com o apoio de instituições privadas que tratam do tema, sob a liderança serena e eficaz da seccional da OAB/PE, pela Comissão de Direito e Liberdade Religiosa, fizeram-se ouvidos pelo poder público. E, juntos, construíram pontes para que se restabelecesse a ordem constitucional no tocante à liberdade religiosa.

Entrevistamos o presidente da CDLR da OAB/PE, o advogado Jonas Moreno, que nos relatou a articulação feita e os resultados obtidos na proteção do exercício da fé no espaço público dentro do contexto da pandemia e, inclusive, da restrição de liberdades pela imposição da quarentena.

Como tem sido o posicionamento das autoridades quanto às organizações religiosas desde o início da pandemia?

Em Pernambuco desde o início da pandemia houve uma tentativa de diálogo mais efetiva entre muitas organizações religiosas e, principalmente, o governo federal que, inicialmente, estava tomando as medidas oficiais e estabelecendo as normas e procedimentos a serem adotados.

A partir do momento que se observou a falta de harmonia plena entre o Estado de Pernambuco e a União, as organizações religiosas mantiveram um contato direto com o Governo do Estado a fim de que as atividades religiosas pudessem ter a sua continuidade com limites necessariamente e pontualmente negociados tento em vista a indiscutível importância da continuação dos atendimentos individualizados aos membros, realização das celebrações religiosas e a sempre efetiva obra de ação social.

A Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/PE formulou, no início da pandemia, orientações que, em seguida, foram utilizadas em Cartilha elaborada sob a direção da Dra. Ingrid Zanella, vice-presidente da OAB/PE estabelecendo os aspectos jurídicos do Direito a Liberdade Religiosa que deveriam ser observados durante a Pandemia tanto pelas autoridades públicas constituídas como pelas organizações religiosas.

Como a sociedade civil tem se organizado na busca de reafirmação das liberdades civis em meio às restrições impostas?

Estamos passando por um momento único, inesperado, que jamais tínhamos enfrentado, que levou alguns Municípios e Estados a decretarem quarentenas rígidas e até um lockdown pleno, onde poucas atividades, consideradas essenciais, puderam ter continuidade e com controles rígidos.

Quando suprimimos as liberdades civis, a sociedade normalmente se manifesta e como estamos em um país dividido claramente por ideologias, a reação da sociedade civil também obedece a mesma proporção.

Vale salientar, lamentavelmente, que muitas liberdades civis já vêm sendo tolhidas em algumas comunidades que talvez afastem uma real percepção do que tem acontecido na atualidade, falo das comunidades que tem, por exemplo, o direito de ir e vir tolhido por toques de recolher impostos por facções criminosas. Enfim, temos vários “Brasis” no Brasil.

O que foi feito em termos de diálogo com o governador para promover um ambiente de liberdade com responsabilidade? Quem foram os atores?

Desde o Primeiro momento a Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/PE elaborou orientações tanto para as autoridades como para as organizações religiosas onde ficou claramente demonstrado que o Direito à Liberdade Religiosa é uma garantia Constitucional e que as únicas exceções previstas constitucionalmente onde há a possibilidade de não serem plenamente observadas, são em caso de decretação de estado de sítio ou estado de defesa.

O CDLR demonstrou as autoridades e líderes religiosos que as Organizações Religiosas possuem um tratamento diferenciado dado pelo Ar 5º, VI da Constituição Federal, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Todavia, diante da emergência em saúde pública de importância nacional (ESPIN) [Portaria MS nº 188, de 3/02/2020] e a possibilidade de evitar a propagação da infecção através de isolamento social, as Organizações Religiosas atenderam a recomendação para suspender temporariamente as suas atividades.

A CDLR participou de reunião ainda no mês de abril com vários líderes e inclusive parlamentares dando continuidade ao diálogo com o Governo do Estado elaborando uma séria de sugestões e procedimentos para serem adotados quando do início das medidas de flexibilização do isolamento social pelo Estado, sabendo inclusive que poderiam variar de acordo com os efeitos da Pandemia em cada Região.

Quando da decisão do governador do Estado, de estabelecer normas mais rígidas, e, vendo que o direito à liberdade religiosa não estava contemplado no decreto, a Comissão de Direito e Liberdade da OAB/PE manteve contato e posteriormente reunião para esclarecer os ajustes no Decreto, com o Governador do Estado, em conjunto com líderes religiosos e Parlamentares do Município, Estado e Câmara Federal, contando também com a colaboração indispensável de membros da própria CDLR da OAB/PE que participam efetivamente de organizações civis diversas como o Dr. Aroldo Cavalcante, presidente da América Latina da J. Reuben Clark Law Society, o Dr. Eduardo Azevedo representante da Associação Nacional de Juristas Evangélicos, bem como o diálogo intenso com o Instituto Brasileiro de Direito e Religião que tem como presidente de honra o importante jurista Dr. Ives Gandra da Silva Martins, através do Dr. Jean Marques Regina, 2º Vice Presidente de Relação Internacionais.

Por fim o governo do Estado de Pernambuco, voltou atrás e reconheceu a necessidade de resguardar a realização das cerimônias online, liberando o deslocamento do líder religioso e demais participantes que auxiliem nas celebrações, bem como as obras sociais e atendimentos individualizados.

Vale salientar a importância do diálogo com as autoridades constituídas, mas a CDLR mantém o seu entendimento de que as garantias constitucionais não podem ser afastadas por normas infraconstitucionais.

Como se entende que Igreja e Estado devem colaborar no combate ao COVID-19 sem que haja desrespeito ao princípio da laicidade, à liberdade religiosa e ao direito à saude.

A principal ferramenta é o diálogo. As organizações religiosas entendem que possuem um tratamento diferenciado dado pelo Ar 5º, VI da Constituição Federal, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

São instituições que constitucionalmente atuam em colaboração com o interesse público (Art. 19º, I da Constituição Federal), sendo inclusive reconhecidas como atividades essenciais pelo Decreto Federal nº 10.292, de 25 de março de 2020.

Todavia, diante da emergência em saúde pública de importância nacional (ESPIN) [Portaria MS nº 188, de 3/02/2020] e a possibilidade de evitar a propagação da infecção através de isolamento social, as Organizações Religiosas devem dialogar com o poder público e estabelecer procedimentos para atividades e ações presencias que poderão variar de acordo com os efeitos da Pandemia em cada Região.

A qual conclusão chegamos? Que, realmente, precisamos aprender que, numa democracia, não se governa “para o povo”. A democracia é o próprio “governo do povo”. Seus representantes não são nossos pais ou tutores, são nossos mandatários, procuradores, servidores. A vontade do povo se expressa nas urnas para estabelecer quem, legitimamente, pode exercer uma autoridade que é nossa de fato e de direito. Ou aprendemos isto, ou vamos ter um péssimo “novo normal”. Lembremos: “quarentena” é quando se restringem os movimentos de pessoas doentes; quando se restringem os movimentos de pessoas saudáveis, a palavra certa é “tirania”.

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