Seguimos analisando pontos do anteprojeto do novo Código Civil. Nossa atenção se volta ao capítulo dos “direitos da personalidade”, parte essencial do cuidado com tudo aquilo que nos torna dignos – afinal, todo o ordenamento jurídico precisa se conformar com o fundamento estampado no artigo 1.º, III, da Constituição, o chamado metaprincípio da dignidade da pessoa humana.
O artigo 17 do Código Civil atual diz o seguinte: “O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória”.
O nome é o primeiro modo pelo qual somos dados a conhecer outrem. Característica inerente do ser humano, forma de individualizar-se (mesmo que todos convivamos com homônimos) e se destacar naquilo que nos torna únicos. É assim, inclusive, com o próprio Nome de Deus, que o define: “Eu Sou o que Sou”, disse a Moisés no Sinai (Ex 3,14).
Qualquer intenção de preservar a dignidade humana a partir dos direitos de personalidade são sempre louváveis. E, creio, este é o desejo do legislador ordinário brasileiro. Porém, como necessário aperfeiçoamento, também precisamos destacar erros. E, no anteprojeto do novo Código Civil, há dois equívocos neste artigo.
A redação proposta para o artigo 17 é a seguinte:
“Art. 17. Toda pessoa tem direito ao reconhecimento e à preservação de sua identidade pessoal, composta pelo conjunto de atributos, características, comportamentos e escolhas que a distingam das demais.
§ 1º Além do nome, imagem, voz, integridade psicofísica, compõem também a identidade pessoal os aspectos que envolvam orientação ou expressão de gênero, sexual, religiosa, cultural e outros aspectos que lhe sejam inerentes.
§ 2º É ilícito o uso, a apropriação ou a divulgação não autorizada dos elementos de identidade da pessoa, bem como das peculiaridades capazes de identificá-la, ainda que sem se referir a seu nome, imagem ou voz.” (grifos nossos)
Embora atualmente exista um consenso ativista sobre o gênero ser uma construção social, sabemos que não há um consenso científico definitivo a esse respeito. Essa falta de unanimidade científica já é um indicativo de que a implementação de uma lei tão importante pode gerar insegurança.
O respeito é um princípio fundamental que deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de suas condições próprias – sejam inatas, sejam adquiridas, sejam adotadas.
No entanto, é importante considerar um elemento a mais no caldo que vai formar esta sopa: a visão de sexualidade baseada na teologia ortodoxa, compartilhada pela maioria esmagadora da população brasileira, especialmente a cristã, não se alterará. A Bíblia continua a ser a bússola moral para muitos, e isso deve ser levado em conta nas discussões sobre políticas públicas e mudanças legislativas.
A redação proposta para o novo artigo 17 do Código Civil, que inclui termos vagos sobre identidade e expressão de gênero, certamente trará insegurança jurídica, quando não perseguição à expressão diversa. Termos como “orientação ou expressão de gênero, sexual, religiosa, cultural e outros aspectos que lhe sejam inerentes” são amplos, vagos e carecem de uma definição clara, o que pode abrir espaço para interpretações variadas e conflitantes. Essa indefinição pode complicar ainda mais a já acirrada polarização política no Brasil.
Além disso, a tentativa de positivar a ideologia de gênero no ordenamento civilista, substituindo termos biológicos como “homem” e “mulher” por “pessoa” nos artigos do Código Civil, pode ter implicações significativas. Os direitos das mulheres, historicamente garantidos em razão de sua condição biológica, poderão ser estendidos a pessoas que biologicamente são homens, mas se identificam como mulheres. Isso já está sendo observado em competições esportivas femininas, onde transexuais têm sobressaído devido às diferenças físicas inerentes, e há uma enorme discussão mundial a respeito.
A inclusão da ideologia de gênero no Código Civil também impactará diretamente nas pregações e no proselitismo religioso. A ideologia de gênero propõe anular a divisão natural entre homem e mulher, opor-se à natureza do indivíduo, destruir a noção de família tradicional e incentivar a educação sexual nas escolas sem o consentimento dos pais, entre outras questões. Esses pontos são profundamente controversos e se chocam com as convicções de muitas comunidades religiosas.
A consideração da maioria cristã na sociedade brasileira e a necessidade de uma discussão mais aprofundada e menos polarizada sobre a questão de gênero são essenciais. As mudanças legislativas devem ser feitas com cautela, respeitando as diversas visões e evitando a criação de inseguranças jurídicas e sociais. A fluidez de gênero não pode ser tratada como um fato consumado, pois ainda há muito debate e incerteza no campo científico e, no campo religioso, é moral e teologicamente inaceitável para uma maioria de 80% das religiões professadas pela população brasileira.
O IBDR segue empenhado em seu trabalho crítico, conduzido pela comissão especialmente formada para essa análise. O destaque comentano aqui foi oferecido por Gabriela Neckel, do Grupo 1, liderado por Zenóbio Fonseca, com revisão do diretor técnico do IBDR, Warton Hertz de Oliveira.
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