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O fundador do fórum de Davos, Klaus Schwab, falará no Cyber Polygon em junho
O fundador do fórum de Davos, Klaus Schwab, falará no Cyber Polygon em junho| Foto: AFP

Quando os povos da antiga Grécia encontravam-se diante de importantes decisões, não raro consultavam o Oráculo de Delfos, uma das instituições mais poderosas dos tempos antigos. Romanos e egípcios também se dirigiam ao local, onde as pitonisas, mediadoras entre deuses e homens, revelavam a vontade e as instruções de Apolo. As narrativas contam que, no intuito de descobrir qual seria o ponto central do mundo, Zeus teria liberado duas águias nas extremidades da Terra, viajando em direções opostas. O ponto de encontro foi exatamente na cidade de Delfos, que passou a ser considerada o omphalos (umbigo) do mundo, e local de comunicação com o além. Após séculos de enorme importância, no ano 361 d.C. ocorreu o “último oráculo”, quando o imperador Juliano tentou, em vão, restaurar o culto às divindades pagãs em meio a uma cultura cada vez mais cristianizada.

Nos dias atuais, entretanto, outra cidade parece estar construindo para si a reputação de “segundo umbigo do mundo”, fonte de profecias para toda a humanidade. Estou me referindo a Genebra, na Suíça, residência da antiga Liga das Nações, precursora da ONU, e sede do Fórum Econômico Mundial, que está ganhado atenção com suas predições apocalípticas.

Em 2016, o FEM gerou polêmica ao liberar um vídeo em suas redes sociais que trazia oito previsões sobre o mundo em 2030, entre elas: “Você não possuirá nada. E será feliz. O que quiser, irá alugar e será entregue por um drone” (tradução livre a partir do inglês). A deputada dinamarquesa Ida Auken, autora do documento, defendeu-se das críticas afirmando que não se tratava de um plano ou desejo, mas apenas de um cenário hipotético cujo objetivo seria mostrar para onde a humanidade está caminhando, tendo em vista os rumos do desenvolvimento tecnológico.

Um pouco antes, em março de 2015, Bill Gates proferiu uma importante palestra no TED Talks, alertando para o risco de uma pandemia. Em outubro de 2019, a Universidade John Hopkins, em parceria com o Fórum Econômico Mundial e a Fundação Bill e Melinda Gates, realizou uma reunião chamada “Event 201”, um exercício sobre o que aconteceria se um vírus mortal se espalhasse pelo mundo. Todos sabem o que sobreviria poucos meses depois.

Após análises tão precisas, torna-se prudente olhar com atenção o que instituições desse porte têm alertado sobre o futuro próximo. Talvez, neste caso, uma reflexão sobre o Apostador de Pascal seja de grande pertinência. A Aposta de Pascal foi um experimento mental desenvolvido pelo filósofo e matemático francês Blaise Pascal, segundo a qual é mais benéfico supor a existência de Deus, e viver segundo tal crença, do que o contrário. Ele separa a estrutura argumentativa da seguinte forma: se acreditar em Deus e estiver certo, terei um ganho infinito; se acreditar em Deus e estiver errado, terei uma perda finita; se não acreditar em Deus e estiver certo, terei um ganho finito; se não acreditar em Deus e estiver errado, terei uma perda infinita. A ideia pode parecer simples, mas representou um experimento inovador na área da teoria das probabilidades, tendo se consolidado como um dos primeiros exemplos de aplicação prática da teoria da decisão, além de funcionar como uma espécie de precursora tanto do existencialismo como do pragmatismo. Portanto, não seria insensato dizer que, baseado em Pascal, é benéfico olharmos as projeções desses grandes think tanks com muita cautela.

Na esteira das próximas “previsões”, o Fórum Econômico Mundial está organizando, para julho deste ano, a segunda edição de um exercício chamado Cyber Polygon (“Polígono Cibernético”), com o fim de preparar o mundo para uma crise que, segundo o fundador Klaus Schwab, pode ser muito pior do que aquela que se espalhou pelo mundo no ano passado: uma pandemia cibernética. Especialistas associados ao projeto explicam que um ataque digital com características semelhantes às do Covid-19 se espalharia mais rápido e mais longe do que qualquer vírus biológico. Isso porque sua taxa de reprodução poderia ser até 10 vezes maior do que a experimentada com o coronavírus. Por esta razão, Schwab defende que os prejuízos gerados por um evento dessa natureza seriam ainda maiores se comparados àqueles advindos da atual crise sanitária.

Entre os alvos potenciais de um eventual ataque cibernético estão, entre outros, os sistemas financeiros globais, as cadeias de suprimento e as redes de energia elétrica. Na Ucrânia, por exemplo, aconteceu, pela primeira vez, um blecaute causado por hackers. No dia 23 de dezembro de 2015, o oeste ucraniano foi atingido por um apagão que deixou cerca de 230 mil pessoas sem eletricidade por um período de até seis horas. Apesar da dificuldade de apontar com certeza a origem dos ataques, oficiais ucranianos culparam os russos pelo apagão. Em comunicado oficial, o presidente da Ucrânia à época, Petro Poroshenko, afirmou que o blecaute seria parte de uma estratégia de "guerra cibernética" capitaneada pelo governo de Moscou.

Caso se concretizem, as estimativas do FEM poderiam abrir margem para uma reestruturação de todo o sistema econômico internacional, muito semelhante ao que o próprio Klaus Schwab tem chamado de Great Reset (ou “Grande Redefinição”). Não podemos prever exatamente o que acontecerá no futuro próximo, mas a sugestão de Pascal talvez nunca tenha sido tão útil. Diante dos oráculos de Genebra, fico com a sugestão do Apostador: sai mais barato crer, e se preparar, do que duvidar.

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