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A bolsa Louis Vuitton do Senado
| Foto: Felipe Lima

De Belo Horizonte, o jornalista e velho amigo Valério Fabris nos pergunta na rede social: “Quando, neste país, nos libertaremos da maldita era dos extremos?”. Para situar melhor os extremos na atual configuração, Fabris buscou o dramaturgo Nelson Rodrigues para completar a inquirição: “Como são parecidos os radicais da esquerda e da direita! Dirá alguém que as intenções são dessemelhantes. Não. Mil vezes não. Um canalha é exatamente igual a outro canalha”.

Em resposta ao estimado jornalista dos bons tempos da mídia impressa, com destacada passagem pela Veja e Gazeta Mercantil, me cabe complementar a questão ideológica: o poder corrompe e todo político é corrupto?

Qualquer generalização é burra. Mas, Valério Fabris há de concordar, as constantes notícias que nos chegam aqui na vala comum nos levam a crer que sim. Mesmo assim, existem exceções? Elas existem, segundo Henry Kissinger, porém “90% dos políticos dão aos 10% restantes uma péssima reputação”. Kissinger sabia o que dizia, sendo uma velha águia que conhecia como poucos os canalhas do primeiro ao quinto mundo.

A escritora Marta Gellhorn conta que, das tantas guerras que cobriu (começando pela Guerra Civil Espanhola), aprendeu uma lição acerca da realidade política: “Era uma lição importante para mim porque eu decidi que tinha aprendido a mesma coisa repetidamente por tempo suficiente: a realidade política e a moralidade política não tinham nada a ver uma com a outra. A política deve ser mesmo uma profissão horrível, considerando os terríveis covardes morais em que a maioria dos políticos se transforma assim que arruma um emprego. É inútil jogar a culpa nos líderes em uma democracia, já que fomos nós que os colocamos ali, para começo de conversa, e, uma vez lá, eles estão sujeitos à lei: o poder corrompe. Mas não vejo necessidade de idolatrar como herói nenhum deles”.

Na política não temos nenhum herói a quem reverenciar, seja ele de direita ou de esquerda?

No livro A face da guerra, a primeira escritora a cobrir uma guerra nos revela também a verdadeira face dos líderes políticos, que é a mesma em qualquer pocilga do planeta: “Nenhuma estatística mostra de maneira mais clara os erros na conduta do governo como este: o mundo gastou US$ 36 mil por ano por soldado e US$ 1,1 mil por ano por estudante. Os dados são de 1986, as estatísticas mais recentes, e notou-se um grande aumento em relação a 1984, quando se pagavam US$ 29 mil por ano por soldado. Podemos ter certeza absoluta de que o preço é mais alto agora e o contraste, igualmente obsceno”.

Voltando à guerra nossa de cada dia, na política não temos nenhum herói a quem reverenciar, seja ele de direita ou de esquerda? Mesmo duvidando que temos algum herói, não devemos idolatrar a bravura de nenhum deles?

De certa forma, herói foi o costureiro Clodovil. Para confirmar a regra de que as aparências enganam, o estilista do andar de cima morreu pobre. Como parlamentar, não tinha onde cair morto e passava por dificuldades financeiras. Do salário de R$ 16,5 mil, em sua época, recebia R$ 7 mil líquidos por conta de pagamento de empréstimo consignado em folha de pagamento. Segundo a advogada do modista, “ele nunca foi um deputado de tramoia, pode falar dele o que quiser, menos isso”.

Uma história de vida puxa a outra e, aqui no Paraná, existiu um político que, se não foi um herói, teve o seu momento de bravura: o ex-senador Enéas Faria morreu pobre, aos 63 anos. Oriundo do MDB Velho de Guerra, foi vereador, deputado estadual, deputado federal, seguiu para o Senado na vaga de José Richa. Formado em Direito e Filosofia, Enéas foi ainda secretário do Senado.

Aqui no Paraná, existiu um político que, se não foi um herói, teve o seu momento de bravura: o ex-senador Enéas Faria

Para atualizar a biografia de Enéas Faria, a edificante história que poucos conhecem: suplente do senador, certo dia o empresário José Carlos de Carvalho (o Carvalhinho) pegou carona no avião do Banco Bamerindus e voou a Brasília com o firme propósito de se tornar senador com uma bolsa de dólares. E não era uma bolsa qualquer, era uma legítima Louis Vuitton comprada em Paris.

Com aquele seu jeito espevitado, o elétrico Carvalhinho entrou no gabinete de Enéas Faria como um fio desencapado: “Enéas, abra essa bolsa!” Enéas abriu a legítima Vuitton e, num gesto automático, precisou limpar os óculos para ver se estava enxergando direito.

“Duzentos mil dólares, Enéas! Duzentos mil dólares para você se licenciar e eu me tornar senador. É o meu sonho! Você está quebrado, Enéas. Essa bolsa vai ajeitar a tua vida”.

Enéas teve o seu dia de herói. O senador do Paraná ajeitou os óculos e respondeu: “Carvalhinho, estou quebrado, mas se depender de mim, você nunca será senador!”

A bolsa Louis Vuitton voltou como veio.

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