Dante Mendonça

O primeiro lockdown a cidade nunca esquece

12/04/2021 14:28
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Em 1912, com modernas metralhadoras e aviões nunca antes usados para fins bélicos na América Latina, a Guerra do Contestado foi uma preliminar para a Primeira Guerra Mundial. De 1914 a 1918, a carnificina europeia não interferiu tanto no cotidiano de Curitiba quanto na Segunda Grande Guerra Mundial.
De 1939 a 1945, Curitiba tinha em torno de 140 mil habitantes e abrigava milhares de imigrantes divididos pelo idioma. Os que falavam alemão, italiano e japonês de um lado, os demais idiomas de outro. Depois do dia 19 de março de 1942, quando dez mil pessoas se reuniram na Praça Osório para invadir e depredar estabelecimentos comerciais pertencentes a imigrantes que escreviam e falavam línguas inimigas, o dia-a-dia da cidade não foi mais o mesmo. O governo de Getúlio Vargas — que até então mantinha um namoro com Hitler — obrigou o uso da língua portuguesa em todas as escolas e qualquer idioma estrangeiro em lugar público tornara-se perigoso.
Bônus de guerra, também chamados de obrigações de guerra, foram títulos ao portador da dívida pública que o governo emitiu para cobrir despesas com a Segurança Nacional. Rendiam 6% ao ano, uma mixaria. Mas para o governo servia para cobrir as despesas da Comissão de Defesa Passiva (CDP), responsável pela organização de exercícios de blecaute e construção de abrigos contra explosivos e gases.
Não era pouco o medo de Curitiba ser bombardeada pessoalmente por Hitler. Era tanto que o povo foi treinado para se defender de ataques aéreos, combate a focos de incêndio, efeitos de bombas incendiárias e assim o temor acabou resultando numa campanha em favor da construção de um grande abrigo antiaéreo para a população.
Com o povo obrigatoriamente excluído das ruas e sem qualquer espécie de aglomerações, eram dramáticos os seguidos exercícios de blecaute, que podiam ser totais ou parciais, com duração média de duas horas. No parcial, a iluminação pública era apagada, permanecendo acesas as casas particulares. Nesse caso, os moradores recebiam orientações minuciosas para impedir que a luz escoasse para o exterior das casas. Os condutores de veículos eram obrigados a cobrir os faróis com pano ou tinta preta e recomendava-se aos pedestres, para evitar acidentes, que trajassem roupas brancas à noite; e a Casa de Saúde São Vicente testou com sucesso a possibilidade de fazer uma intervenção cirúrgica “no escurinho”.
O início e o término dos exercícios de blecaute total - que hoje seriam chamados de “lockdown” -, eram marcados pelos sinais de alarme das sirenes, sinos de igreja e apitos de fábrica. Dava o toque de sirene e os aviões levantavam voo do Bacacheri. As pessoas então tinham que se trancar em casa, apagar as luzes e fechar as janelas. Se estivessem na rua, que procurassem um abrigo.
Nem Londres viu coisa igual na Segunda Guerra: os aviões subiam e subiam roncando muito, apavorando Curitiba, carregados com sacos de areia para jogar em cima das casas que mantivessem alguma luz acesa. Uma lamparina que fosse seria um alvo. Pelo que se tem registro, entre mortos e feridos escaparam todos, porque os artilheiros voluntários da Comissão de Defesa Passiva (CDP) que jogavam sacos de areia dos aviões eram péssimos na pontaria.