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Canja de galinha e cachaça são clássicos da farmacologia brasileira.
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Assustados com a própria sombra, aos desorientados resta recorrer ao remédio que atravessa os séculos sem qualquer contraindicação: cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém. A frase, das mais sábias da medicina, deveria ser empregada antes de qualquer discussão acerca de paliativos, tratamentos e futuras vacinas para atravessar a pandemia. Não só na área médica e científica, principalmente no infectado ambiente político uma boa canja de galinha temperada com bastante cautela seria um santo remédio para a saúde pública.

Muito antes do Tecpar (Instituto de Tecnologia do Paraná), se aparelhar para receber tecnologia russa na produção de vacinas para a Covid-19, o Paraná recebeu um médico especializado em canja de galinha. Jean-Maurice Faivre chegou ao Brasil em 1826, ano em que concluiu o curso de medicina em Paris. Naquela paisagem exuberante do Rio de Janeiro, o médico de alta qualidade profissional se deparou com um país arcaico, com a saúde pública dominada por curandeiros. Mesmo com o propósito de atender a população sem condições de pagar por uma consulta, Dr. Faivre passou a atender a corte e, com sua erudição, conquistou a confiança e estima de D. Thereza Christina e de D. Pedro II.

Foi através desta amizade que Jean Maurice Faivre, fundador da Academia Nacional de Medicina, ganhou do Império as terras da Colônia Thereza, berço do socialismo utópico à beira do Rio Ivaí, na região de Guarapuava. Nome de rua em Curitiba, atrás da Reitoria da Universidade Federal do Paraná, Doutor Faivre construiu sua própria Pasárgada, uma nova sociedade longe daquele insensato mundo, com um sistema econômico e social baseado na solidariedade.

Assim como hoje, o Brasil passava por um dos períodos mais conturbados de sua história, com uma classe política assemelhada ao curandeirismo. Naquelas condições precárias, Dr. Faivre receitou ao casal imperial o remédio mais acessível da época: caldo de galinha e cautela. Por não fazer mal a ninguém, D. Pedro II e a imperatriz Thereza Christina passaram a tomar no jantar a receita de origem asiática que só chegou no Brasil depois de passar por muitos testes em Portugal. Canja tem origem na língua malaiala “kanji”, da Costa do Malabar, na Índia. Significa arroz com água. O lenitivo que acabou se tornando a única refeição de D. Pedro II em seus últimos dias de vida.

Para se tornar brasileirinha autêntica, a tradicional receita ministrada por Dr. Faivre aceitou a cachaça, como não podia deixar de ser. Historiadores só não explicam se foi graças ao dedo de cachaça, mas desde o Império a canja de galinha se tornou o prato principal nas noites de boemia.

No livro “A bailarina da morte – A gripe espanhola no Brasil”, de Lilia Moritz Schwarcz e Heloísa Starling, recém-lançado pela Companhia das Letras, são contadas várias histórias de muitos remédios improvisados para debelar a pandemia de 1918/1920. Um desses remédios milagrosos surgiu em São Paulo e se espalhou pelo país. Com a mistura de aguardente, limão e mel, nascia a caipirinha. Se não funcionou para tratar o corpo, ficou para alegrar o espírito.

Enquanto se discute a cloroquina e os hereges da vacina não forem convertidos, a saúde pública deveria acatar a receita do Dr. Faivre: cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Com alguns dedos de cachaça para a caipirinha, melhor ainda.

Na selva urbana, DANTE MENDONÇA é um caçador de histórias. Um contador de histórias, como prefere ser conhecido.

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