Opinião

Cinquenta anos de histórias: uma noite no Teatro Paiol

28/01/2022 19:00
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Dia 27 de dezembro de 2021, ao completar 50 anos, o Teatro do Paiol merecia ganhar um luxuoso álbum de retratos – assim como conhecemos a luxuosa obra do arquiteto Abrão Assad – com pelo menos 50 histórias contadas por 50 pessoas atuantes dentro ou fora daquele palco de arena que já foi um paiol de pólvora.
Dentre eles me incluo, como cenógrafo, ator, diretor e até de bilheteiro, pois nos anos de chumbo da censura era função do bilheteiro reconhecer os agentes da Polícia Federal infiltrados na plateia. Também atuei no Teatro Paiol ajudando a organizar o primeiro Salão de Humor do Paraná (provavelmente do Brasil), reunindo em Curitiba cartunistas de todo o país.
São muitas as histórias que eu teria para contar do Teatro Paiol, ponto de partida de Jaime Lerner no início da Revolução Urbana de Curitiba. Nomeado prefeito em março de 1971, e mesmo com a troca de governador em novembro, no dia 27 de dezembro de 1971 Jaime Lerner viu Vinícius de Moraes benzer o Teatro do Paiol em sua inauguração com algumas gotas de uísque.
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida” e assim o poeta batizou aquele palco circular com alquimia diminutiva, bem ao gosto dele: copinho longo, com gelinho até a borda e uisquinho até fazer boiar os cubinhos.
Além de Toquinho, a lista de parceiros de Vinícius obrigatoriamente deve começar com Tom Jobim. O que quase ninguém sabe é que por pouco Dalton Trevisan não entrou na lista. Na noite de inauguração do Teatro Paiol, o poeta telefonou para a casa do contista, convidando-o para o jantar na casa do advogado Eduardo Rocha Virmond. O poetinha fazia questão da presença do "vampiro de Curitiba" na “bebemoração” que iria varar a madrugada, para poucos convidados.
Assim que chegou na residência de Virmond, Vinícius levou um susto ao ver Gebran Sabbag ao piano:
— Quem é esse maravilhoso pianista?
— Gebran Sabbag!
— Não era ele que agora há pouco estava recolhendo os microfones lá no teatro?
Vinícius se aproximou do piano e, um tanto incrédulo, perguntou ao próprio pianista:
— Você não estava até agora no Teatro do Paiol cuidando da iluminação, do som e dos microfones?
Mal sabia ele que Gebran – irmão do ex-prefeito de Curitiba Omar Sabbag – também era o homem dos sete instrumentos da prefeitura. Um dos maiores conhecedores de jazz em Curitiba, Gebran Sabbag dividia seu tempo com o Departamento de Relações Públicas e Promoções (DRPP) – cuidando de som e iluminação em todas as unidades da prefeitura – e como técnico em eletrônica, fazendo reparos em amplificadores, teclados, sintetizadores e demais parafernálias eletrônicas na oficina de sua casa.
Foi uma paixão à primeira vista. Entre um uísque e outro num banquinho anexo ao piano, de vez em quando Vinícius de Moraes chamava o dono da casa:
— Virmond, o Dalton Trevisan já veio?
No quinto uísque, ou lá pelo meio da garrafa, Vinícius se impacientou:
— Telefona para casa do Dalton! Ele não pode deixar de vir, precisamos trocar umas palavras.
— Sinto muito, Vinícius: se bem conheço o Dalton, ele não viria nem mesmo se aqui estivesse o Carlos Drummond de Andrade cantando tango.
O garçom passou com mais algumas garrafas de uísque, o piano de Gebran Sabbag já tinha se enturmado com o violão e a voz de Marília Medalha, quando o anfitrião veio com a notícia óbvia:
— O Dalton não vem mesmo! Ele está ao telefone, o que eu digo?
— Diz pro Dalton ir pra PQP!