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Foto: Jonathan Campos/Arquivo Gazeta do Povo
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Pela primeira vez desde a deflagração da Operação Carne Fraca, o engenheiro agrônomo Daniel Gonçalves Filho não optou pelo silêncio ao ser perguntado pelo juiz federal Marcos Josegrei da Silva sobre as denúncias envolvendo propina de empresários de frigoríficos para servidores públicos, no âmbito da Superintendência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no Paraná.

Daniel esteve por quase dez anos como superintendente do Mapa no Paraná, em Curitiba, e passou a ser obrigado a delatar tudo que sabe sobre os supostos crimes apontados pelo Ministério Público Federal (MPF), depois de ter seu acordo de colaboração premiada homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em dezembro último.

Na sexta-feira (16), por cerca de duas horas, Daniel prestou depoimento na 14ª Vara Federal de Curitiba, dentro de uma das sete ações penais derivadas da Carne Fraca (ele é réu em quatro delas). Ele iniciou falando que há corrupção em todas as superintendências do Mapa no País e implicou políticos (embora não tenha citado nomes, devido ao foro especial das autoridades, no STF).

“Eu estou aqui para cooperar, reconhecer meus crimes, meus erros, dizer que o Mapa tem bons profissionais, pessoas competentes, mas tem muita patologia, não só no Paraná, mas em todo Brasil. Envolve servidor público, empresário, político. Corrupção sistêmica”, disse ele. “Cito aqui o anexo 24 do acordo de colaboração premiada do Wesley Batista: ele afirma que a JBS pagava de R$ 1 mil a R$ 20 mil a todos os fiscais que trabalhavam nas plantas. E não são poucas plantas”, lembrou Daniel.

Londrina

Mas os relatos que mais interessavam ao processo específico eram aqueles envolvendo a unidade do Mapa em Londrina, segunda maior cidade do Paraná. O réu Juarez José Santana, ex-chefe da Unidade Técnica Regional de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (UTRA) de Londrina, é acusado pelo MPF na ação penal de comandar seu próprio esquema de propina na região. Daniel corroborou a narrativa do MPF, durante seu depoimento: “Eu recebia todo mês R$ 8.500,00 do Juarez José Santana”.

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Apesar dos constantes repasses, Daniel confirma que não se entendia com Juarez e que já tinha tentado até tirá-lo do posto de comando em Londrina, mas fracassou. “Ele tinha uma bancada federal própria, que segurava ele no cargo. Eu não tinha força para mexer. Eu tinha que tocar o barco”, revelou ele.

O delator se refere a apoio político, especialmente de deputados federais da bancada do Paraná. Na unidade do Mapa em Londrina, completou Daniel, a interferência política existia ao menos desde José Janene (o ex-deputado federal do Paraná, morto em 2010, e pivô de escândalos como o “Mensalão” e o “Petrolão”).

Daniel também falou de outro réu, Roberto Brasiliano da Silva, que já tinha trabalhado com José Janene e que, depois, “herdando a força” do político falecido, continuou atuando no Mapa de Londrina, como uma espécie de “braço-direito” do Juarez José Santana, mesmo sem ter cargo público na unidade.

Tanto Juarez quanto Roberto negaram à Justiça Federal terem cometido crimes.

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Políticos

Durante o depoimento, Daniel também falou da sua relação com políticos, mas sem citar nomes, e sem dar detalhes. “O sistema nacional de nomeação de um superintendente sempre foi político. O superintendente que não é político não fica. Superintendente, para ficar, tem que pagar. Tem que pagar deputado. E da onde sai isso? Ele tem que ter algum relacionamento com o empresariado”, afirmou ele.

Ao juiz federal, Daniel também explicou que o orçamento da pasta era pequeno e que não havia desvio de recurso público, em processos licitatórios, por exemplo. “O senhor não vai achar, na minha gestão, desvio de um centavo de recurso público. Não é essa a prática. Mas relação com o empresariado eu tinha. Eu tinha que fazer caixa para pagar deputado mensalmente e em época de campanha. Em todos os estados é assim”, narrou ele.

Daniel foi indicado à superintendência do Mapa no Paraná pela bancada do PMDB do estado em Brasília. Com 35 anos de serviço público, ele ocupou a cadeira máxima do Mapa no Paraná em três períodos: entre 1992 e 1996; entre 2007 e 2014; e entre 2015 e 2016.

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Prisões

O ex-superintendente no Paraná ficou preso no ano passado, entre março e dezembro, e agora, por causa da delação, cumpre prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica. Ele ainda vai prestar ao menos mais três depoimentos na 14ª Vara Federal de Curitiba, para colaborar em outros processos da Carne Fraca.

Na sexta-feira (16), outra delatora, a médica veterinária Maria do Rocio Nascimento, também prestou depoimento no mesmo processo. Ela é acusada pelo MPF de integrar a organização criminosa, como uma espécie de “braço-direito” de Daniel. Ela ficou praticamente um ano presa. Foi liberada para cumprir prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, ainda na sexta-feira.

Ao fazer o acordo de colaboração premiada, Maria do Rocio Nascimento também se comprometeu a pagar R$ 850 mil (em dez parcelas de R$ 85 mil, entre 2018 e 2027). Daniel pagará R$ 2 milhões (em cinco parcelas de R$ 400 mil, entre 2018 e 2022).

A primeira fase da Operação Carne Fraca foi deflagrada em 17 de março de 2017. Desde então, outras duas fases já foram realizadas: a Operação Antídoto, em maio do ano passado, e que mirava a superintendência do Mapa em Goiás; e a Operação Trapaça, no último dia 5, focada na empresa BRF.

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