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Banco Tamanduá, assinado por Maiawari Mehinako.
Banco Tamanduá, assinado por Maiawari Mehinako.| Foto: Divulgação

Escrevi há certo tempo sobre a importância do certificado de origem. Vinhos e até mesmo o chapéu do Panamá são mais valorizados com o selo de sua origem. Um atestado de autenticidade, de não ser “fake”. Trago nessa coluna a reflexão sobre o nosso certificado de origem. Realçando que quando falamos de nossa origem há uma grande força da ancestralidade que nos rege.

Quando pensamos sobre as raízes do solo que pisamos, o solo no qual nascemos é ainda mais forte. O solo que todo brasileiro pisa, ou melhor, usufrui, têm suas raízes marcadas pela ancestralidade indígena e negra. Já expressei o Brasil de diversas maneiras: peças criadas a partir de matérias-primas locais, como a chaise Macunaíma, feita a partir do látex de seringueira e madeira certificada, em 2002.

Posteriormente, no trabalho conjunto com artesãs, que resultou em meu sofá Primavera (feito com comunidade de “fuxiqueiras”) e no sofá Antropófago (feito com comunidades que executam a técnica do “nozinho”), ambos trabalhos de 2008.

Já em 2012, apresentei uma coleção denominada “Brasilidade Industrial”, na qual apresentei peças criadas com diversas novas matérias-primas ecossustentáveis, tais como a Cadeira Esqueleto e sua injeção feita a partir de resíduos de semente de frutos brasileiros.

Viajando Brasil afora, resolvi mostrar a beleza dos diversos Brasi(s), e aí vieram coleções como a Cariri, Jalapão, Noronha e Bahia… Coleções nas quais os produtos não eram mais os protagonistas, mas sim complementares ao expressar as regiões por meio de suas artesanias, histórias, fauna e flora locais.

Há certo tempo, em uma de minhas andanças e palestras Brasil afora, tive a oportunidade de dialogar com uma indígena. A mesma, provocadora e gentil, apontou “Esta é minha terra, vocês são os invasores”… frase que me levou à reflexão, a leituras e ao divã.

Mais recentemente, ao fazer uma apresentação em terras mineiras, fui confrontado por uma antropóloga local que docemente me falou: “Muito lindo seu trabalho, mas você precisa considerar o povo negro e indígena em seu pensamento”. E lá fui eu novamente ao divã.Voltei a reler leituras básicas e necessárias – que, a meu ver, deveriam ser as primeiras indicadas na formação de cada criativo: “Casa-Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, e “Povo Brasileiro”, do antropólogo Darcy Ribeiro.

Fui há pouco ao FIUP, primeiro encontro indígena, oportunidade de confirmar que assim como não há um Brasil, mas diversos “Brasis”, não há “o” indígena, mas sim “os” indígenas. Diversas etnias com tipologia física, espiritualidade, fazeres diversos entre si. Uma cultura muito rica, leve, com a qual temos muito a aprender. Fiz uma imersão em uma tribo, os Menihakis do Alto Xingu; lá pude ver as belezas da iconografia indígena, nas quais um simples desenho é repleto de significados e porta histórias milenares.

Acabo de voltar de uma participação na Flipelô (evento de literatura internacional, que ocorre no Pelourinho), onde fui convidado a uma roda de conversa junto a designer negra Goya Lopes, que desenvolve um trabalho autoral, inspirado em suas raízes negras. Tive a oportunidade de novamente vivenciar uma experiência energizante. A missa na Igreja da Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Uma missa com rituais católicos, com cânticos da Umbanda, santos negros e brancos, e aberta a todo e qualquer visitante, independentemente de credos, cor de pele.

E chego, enfim, a uma conclusão: é necessário que nossas manifestações artísticas tenham pesquisas e referências na ancestralidade do solo que habitamos. É necessário que procuremos expressar a história do solo que habitamos e que as instituições de ensino tragam como disciplina obrigatória um estudo antropológico de quem somos nós. E quem somos nós? O Brasil que tem ainda hoje 1 milhão de indígenas provenientes de 305 diferentes etnias (em 1550 havia 3 milhões de indígenas provenientes de 1000 diferentes etnias). O Brasil que é o segundo país mais negro do mundo, e que recebeu 4,8 milhões de negros no decorrer de 300 anos de escravidão. O Brasil, nossas ancestralidades, necessariamente passam pela cultura afro e indígena. Respeitá-las e entendê-las será um grande passo para que tenhamos uma criação genuinamente brasileira e, dessa forma, em nossas ruas não encontremos mais réplicas de pobres touros nova iorquinos, mas, sim, tatus-bolas e tamanduás.

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