Opinião

Está na hora de falarmos sobre processo criativo

28/03/2022 14:50
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Acompanho há 20 anos a luta do design nacional para encontrar sua própria identidade. Não por acaso, alguns nomes foram eternizados durante esse processo. Sérgio Rodrigues, Michel Arnoult e Irmãos Campana são alguns deles, que contribuíram de forma inestimável pelo encontro com nosso próprio DNA.
No decorrer desses 20 anos, observei a crescente em tal busca, porém também observei muitas aberrações. No período pré-internet, não foi uma única, mas diversas as vezes em que me deparava em solo nacional com ambientações ou produtos que reproduziam ipsis litteris algum projeto apresentado nos eventos referências mundiais, sobretudo o Salone del Mobile di Milano.
O intuito desse artigo não é apontar o dedo a nenhum desses plagiadores de outrora, mas sim orientar uma nova geração de designers que se forma e que adentra o mercado com tamanha responsabilidade sobre os ombros. Sinto-me na obrigação de fazê-lo como figura independente no meio do design.
Claramente existe o inconsciente coletivo, um patrimônio de todos que globaliza o mundo e seus conhecimentos há milênios. De acordo com o pensador Jung, o inconsciente coletivo é uma camada íntima de nosso psique, valores e simbologias que herdamos desde nossos antepassados. Para Jung, você é o que você aprende ao longo da vida e também o que herdou de seus ancestrais, ou seja, a partir de valores e modelos sociais herdados da vivência da espécie humana na Terra.
Sou devoto do pensamento do pesquisador Victor Papanek sobre o tema design. Para ele, não criamos “do nada”, mas a partir de insights que a vida, a natureza generosamente “doa” para nós.
Desta forma, o motivo de tal coluna não é falar sobre os danos da cópia no sentido monetário. “O design é uma ferramenta potencialmente revolucionária”, é uma de minhas frases de cabeceira, e foi assim definido pelo sociólogo italiano Domenico di Masi.
Para tanto, é necessário um comprometimento entre o criador e a criatura. Quais valores estão intrínsecos nos produtos que você cria? Qual seu próprio DNA? Por que aquele produto deve existir?
Seja em minhas criações pessoais, assim como criações para a grande indústria, procuro trazer simbologias que venham da intersecção de meus valores + valores da empresa produtora + análise do contexto em que vivemos hoje.
Desta forma, com a junção de tais valores, procuro uma criação única, com alma e com pensamento crítico e emocional. Já disse certa vez que o inimigo de cada criativo é o Google. Uma ótima ferramenta para pesquisas em geral, mas não para a criação.
Uma das novas criações de Pedro Franco para a Portinari, a linha Tempo valoriza o desgaste pelo tempo, a imperfeição, e lembra a terra rachada e a técnica japonesa de unir cerâmicas por meio de uma liga de metais.
Uma das novas criações de Pedro Franco para a Portinari, a linha Tempo valoriza o desgaste pelo tempo, a imperfeição, e lembra a terra rachada e a técnica japonesa de unir cerâmicas por meio de uma liga de metais.
Se busco “sofá reclinável”, por exemplo, imediatamente aparecem 839 mil resultados. Ou seja, o processo criativo verdadeiro deve ser baseado em experiências vividas, experimentadas.
Acredito que uma matéria obrigatória nas faculdades criativas deveria ser a Filosofia. Para que temas como ética e estética fossem inerentes a todo e qualquer criativo. A ética, em acordo com a filosofia, diz, em resumo, que é eticamente correto aquilo que respeita os valores da honestidade, integridade e lealdade. Já a estética é definida na filosofia como uma forma de conhecer (apreender) o mundo através dos cinco sentidos (visão, audição, paladar, olfato e tato). Em minha humilde opinião, cada vez mais, o futuro do design passa pela intersecção dos dois valores acima: ética + estética. Essa é uma premissa para o bom desenvolver do design brasileiro.
Para que tais valores existam é necessário um comprometimento que vá muito além do interesse por lucros e vendagens expressivas. Obviamente, no mundo capital em que vivemos, no trabalho com a indústria, é fundamental o sucesso comercial, mas a ordem dos fatores altera o produto. O designer precisa de um comprometimento com suas criações. A internet eterniza cada um de nossos passos e a pergunta a se fazer a cada instante é: Terei orgulho dessa criação? Terei orgulho dessa trajetória? Contribui para o meio do design? Qual o compromisso do seu design?