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Estética e ética
| Foto: Divulgação MASP

Esse último ano, premidos pela pandemia, estivemos todos em isolamento, fechados dentro de nós ou de nossas famílias. A sensação que talvez tenha tomado conta de todos nós é a de que estivemos suspensos num limbo, olhando para trás. Dá-nos a impressão de que nos anestesiamos para sobreviver. Nossos sentidos pararam para perceber, talvez novos sentidos.

Interessante notar que a palavra estética tem sua origem na palavra grega aisthesis, que significa “apreensão pelos sentidos”, uma forma de conhecer (apreender) o mundo através dos cinco sentidos (visão, audição, paladar, olfato e tato); por outro lado, a palavra anestesia, é oriunda da mesma raiz grega, e significa privar as pessoas dos sentidos.

A pandemia nos privou de estar em contato com as artes em geral e assim nos conduziu a um estado de catatonia, ou seja, os sentidos paralisados. O fato é que no último ano estivemos privados desse contato com a arte, num estado de anestesia.

Mas nada dura para sempre e, aos poucos, as cidades vão aprendendo a conviver com a pandemia. Museus e salas de exposição encontram formas de se abrir ao mundo e voltar a dialogar com as pessoas e vamos retornando a um “novo normal”.

Que surpresa tive ao perceber que São Paulo tem oferecido muitas opções seguras de apresentar a arte em diferentes espaços. Nas últimas semanas venho me deleitando com a possibilidade do retorno às necessárias, saudáveis e energéticas visitas a museus e afins.

Fui visitar a exposição “Degas” no Masp; a exposição “Embalagens Designs Contemporâneos do Japão”, na Japan House; a retrospectiva de “OSGEMEOS: Segredos”, na Pinacoteca de SP; e, por fim, a exposição de Beatriz Milhases, no Itaú Cultural.

O que vi em cada uma? Com Degas, para além da beleza das bailarinas, reaprendi a questão das eternas e históricas exclusões sociais. A bailarina que tanto simboliza beleza, delicadeza; também simboliza a opressão feminina: os modelos que pousaram a Degas o fizeram para sobreviver nos estudos de balé. Os Gêmeos me reconectaram com a arte da rua. Já o encanto de Beatriz Milhazes estava na sua universalidade.

Esse reencontro com a arte me remete ao pensamento de como ela é necessária para preencher nossas vidas. Para nos trazer ânimo perante as adversidades, e alimentar-nos sobre a utopia de um futuro possível.

Bem disse o poeta Ferreira Gullar: “a arte existe porque a vida não basta!” Nossa humanidade clama por algo que a transcenda e a arte é um caminho perfeito: nos faz transcender pela interação com o universo simbólico e histórico. Para (e)levar nosso espírito ao “estado de arte”.

O que percebi foi que a privação temporária dos sentidos nos fez renovar nosso olhar para o que temos à nossa volta. Assim, realço que nada é perdido. Sabendo viver e interpretar, tudo é renovado. Tivemos e vimos a oportunidade de construir a nossa “Estética da Existência”, definição a qual teve seu apogeu na antiguidade greco-romana e foi revisitada pelo filósofo Foucault. Em síntese, um alinhamento com o “pensamento comum” do desconectar para reconectar; tão em voga nos dias atuais.

Esse pensamento está diretamente relacionado com a criação de um estilo próprio, através da prática de técnicas de cuidado de si. Ou seja, a constituição de si mesmo como o artesão da beleza de sua própria vida.

A estética da existência nos ensina que tudo que é vivido pode ser renovador para aquele que vive a situação como experiência, como diálogo. Afinal, há silêncios e suspensões de vida que significam mais que muitas palavras e ações vividas apenas superficialmente.

Nessa coluna que permeia sempre o tema filosofia & design, trago a necessária reflexão sobre a valorização de uma nova estética, que transcenda a beleza externa e valorize a interna. Uma nova estética na qual o diálogo com a ética seja um imperativo.

E o que seria um produto ético? Produtos que valorizem a singularidade e deixem espaço para as tangentes com a pluralidade. Confuso? Simplificando, produtos criados, feitos, desenhados, que traduzam o melhor de mim para o “nós”, o coletivo. Produtos que surjam com valores e propósitos: que não poluam, que tragam o crédito a todos os envolvidos em sua escala produtiva, que representem a cultura na qual foram criados. E que, obviamente, sejam sustentáveis em todas as escalas. Socialmente correto, ecologicamente correto.

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