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Autismo: O dito, pelo não dito
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Semana passada nós tivemos a publicação de um trecho da entrevista que realizei com Berenice Piana, a autora da Lei do Autismo. Naquela publicação, o assunto fora “acompanhante especializado”, tema de muita preocupação das mães de crianças com autismo.  Não tenho como deixar de agradecer o imenso carinho dos leitores que surgiu dessa publicação. Foram tantas e tantas mensagens… Por vezes (muitas vezes), traziam histórias tristes, sobre uma inclusão ainda não realizada, mas sempre escritas por mães vívidas de esperanças e preparadas para a luta por uma sociedade melhor, mais inclusiva.

Em meio a um número inacreditável de mensagens maravilhosas, todavia, surgiram duas publicações no Facebook, ligadas à entrevista e imbuídas, a meu ver, de uma agressividade direcionada à Berenice, destoante das demais mensagens. Parecia coisa de “haters”, o que, sob este ponto de vista, não é algo preocupante. Afinal, ser unanimidade é utopia e, não importa o que se faça, sempre haverá alguém para criticar – e com certeza Berenice Piana demonstra experiência de vida para saber disso.

Mas… Há algo que me preocupa, quanto ao desserviço que essas duas publicações no Facebook podem trazer: as mensagens trazem interpretação equivocada (de pontos que considero estarem bastante claros na entrevista) e também se utilizam de linguagem bastante pejorativa quanto à entrevistada. Assim, alguém que, por desaviso, venha a ler os referidos comentários/publicações dessas pessoas, sem ler a entrevista, acabará mais desinformado que informado.

Em uma dessas duas publicações no Facebook, uma pessoa acusa Berenice Piana de mentir quando se refere ao Decreto de Regulamentação da Lei dos Autistas, argumentando que Berenice falou que o CONAD substituiu o “acompanhante especializado” pelo CAPS. O problema é que Berenice nunca falou isso.

Na entrevista, Berenice é bastante clara em dizer que, pela Lei do Autismo (nº 12.764) e também por haver Decreto regulamentando-a (nº 8.368/2014) é que acompanhante especializado não poderia ser estagiário. Berenice também fala sobre sua insatisfação quanto ao específico trecho do Decreto nº 8.368/2014 que remete ao CAPS (centro de atenção psicossocial do SUS), no item c, do §(parágrafo)1º, do art. 2º. Mas são duas coisas completamente diferentes!

A insatisfação colocada refere-se ao seguinte trecho do decreto: “ao Ministério da Saúde Compete” (…)“c- a qualificação e o fortalecimento da rede de atenção psicossocial e da rede de cuidados de saúde da pessoa com deficiência no atendimento das pessoas com o transtorno do espectro autista, que envolva diagnóstico diferencial, estimulação precoce, habilitação, reabilitação e outros procedimentos definidos pelo projeto terapêutico singular”. Ou seja, o que Berenice não concorda é centros de atenção psicossocial no atendimento terapêutico de autistas. E o que isso tem a ver com a questão de acompanhante especializado? Nada! A parte do decreto que fala sobre acompanhante especializado nem sequer é esta, é outra (o art. 4ª do referido Decreto).

Ou seja, o que a Berenice falou, em resumo: acompanhante especializado tem que ser especializado, não deve ser estagiário, pois esse não é o objetivo da lei; não concorda que o atendimento de crianças autistas seja feito pelos centros de atenção psicossocial (e, realmente, isso está longe do ideal). Não houve, e nem Berenice disse ter havido, “substituição de acompanhante especializado pelo CAPS”, e sequer faria sentido (juridicamente falando) o referido Decreto vir substituir texto de Lei Federal ao qual se destina a normatizar. Por isso, é tão perigoso falar sobre alguém, sem ler/ouvir com calma o que essa pessoa disse. Inclusive, há no Diário de Autista a disponibilização (simultânea à publicação da matéria aqui tratada) de um áudio da entrevista, justamente para que seja escutado o “tom” usado em cada palavra e não gerar dúvidas ou interpretações equivocadas.

Vejamos o perigo dessa situação, ok?! Supondo que uma mãe leia só o comentário/publicação dessa pessoa que acusa Berenice de mentir, sem ler a entrevista do Diário de Autista, esta mãe poderia deduzir o seguinte: “se Berenice falou que foi substituído acompanhante especializado e ela luta pelo autismo, é porque foi ué?!”. E se assim essa mãe deduzir, vai deixar de lutar pelo direito de seu filho ao acompanhante especializado, por acreditar que Berenice disse algo que não disse! Complicado não é?!

Eu sei que muitas vezes ficamos indignados com algo que lemos e queremos nos manifestar. E acho ótimo! É positivo, abre margem para debate. Mas é MUITO importante reler para ver se o que nos indignou na verdade não foi uma intepretação equivocada de nossa parte. Entendem? Não estou acusando a pessoa que postou isso de má-fé, pois não sei suas motivações. Talvez tenha sido um dia ruim, e ela precisava descontar em alguém. Talvez seja miopia grau sete e estivesse sem óculos na hora ler o texto. Eu não sei. Mas o que sei é que é importante esclarecer o que foi dito e o que não foi dito, pois isso é um assunto sério, e fala sobre direitos que envolvem futuro de crianças. Então, se eu puder pedir algo, é: sempre, antes de emitir juízo de valor sobre o que certo alguém disse sobre autismo (seja esse juízo de valor positivo ou negativo), checar a fonte e reler o objeto de seu comentário em caso de dúvida.

E eu sei que Berenice tem muitos fãs, e os tem por que os mereceu. Particularmente, não me direi fã dela, pois, para escrever textos aqui, eu me obrigo a afastar qualquer idolatria, para que não ofusque meu raciocínio com idealizações. Eu não sou realmente fã de ninguém que luta ou fala sobre o autismo, porque, pelo menos enquanto escrever sobre o tema, eu não posso me colocar em posição que prejudique a minha avaliação realística sobre o que determinada pessoa fala. Ruy Barbosa já dizia que não devemos trocar a realidade pelo ídolo. Mas eu admiro Berenice, isso sim. Bastante! E quando a elogio é baseado em evidências, que ela ou sua história me trouxeram. Até hoje, ela só me deu provas positivas de caráter, eficiência e participação na luta pelo autismo. Então, sim, eu a admiro.

Mas eu não estou aqui escrevendo este texto por admirá-la, e sim porque precisamos estar unidos. E para estar unidos, precisamos ser coesos e coerentes. Não podemos sair falando que alguém disse o que não disse, não podemos sair dizendo que pessoas cometeram atos eticamente condenáveis sem a menor prova sobre isso. Se alguém faz coisas admiráveis, vamos admirá-las, até que provem o contrário. E fato é que, apesar de tanta desonestidade nos noticiários, ainda há casos onde nunca se prova o contrário além de uma intenção justa, um posicionamento firme e um caráter sólido. Eu realmente acredito que Berenice é um desses casos. Gente, eu sei que parece loucura, mas eu acho que realmente existem pessoas do bem! E quero morrer acreditando nisso! Escrevo este texto para que não corra o risco de ninguém ficar desinformado, e acabar, sem ler a entrevista, acreditando que foram ditas coisas que não foram.

Para fortalecer essa luta por esta união Berenice passou a fazer parte da REUNIDA. E se você está se perguntando “que raios é a reunida” hora de pegar caderno e lápis, pois ao ouvir falar na luta pelos direitos de crianças autista vai escutar constantemente esse nome. REUNIDA é um movimento criado por Ronaldo Cruz, Vieira Ribeiro, Claudia Moraes, Fatima de Kwant e Bruna Priscila. REUNIDA quer dizer Rede Unificada Nacional e Internacional de Autismo. É um movimento lindo, porque conecta pessoas com os mesmo ideais. Quem me conhece sabe que eu sou ligada no 220. Mas eles juntos… Uia, é difícil acompanhar tanta energia! E é essa energia e essa união uma das minhas apostas para a mudança de nosso cenário brasileiro sobre Autismo.

Bom… Eu adoro escrever para vocês, e discorreria mais paginas e paginas sobre isto ou aquilo, mas estou exausta e ficarei REUNIDA com meu travesseiro, vencida pela LEI da natureza em um sono que DECRETA a necessidade de parar por hoje. E após esse horrível e brega jogo de palavras com temas do texto, passo a minha despedida.

Mais uma vez, meu imenso agradecimento por todas as mensagens carinhosas, todos os desabafos, todas as incríveis trocas de experiências que leitores têm feito dia após dia comigo. Eu me fortaleço ao lado de pais que, como eu, vivem essa experiência. Fico tocada com o carinho.

Um grande abraço.

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