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Miguel no quarto do hospital. Nasceu tão grande, que quase nenhuma roupa que levei à maternidade coube nele.

Miguel no quarto do hospital. Nasceu tão grande, que quase nenhuma roupa que levei à maternidade coube nele.

 “(…) Arcanjo Miguel à frente, Arcanjo Miguel atrás

Arcanjo Miguel acima e abaixo

Arcanjo Miguel a toda volta

São Miguel, São Miguel, São Miguel

Eu sou aqui o seu amor protetor”

 

 “Depois que meu filho nasceu, em 2012, essa oração não sai mais da minha boca apenas como um burburinho de fé, desejoso de otimismo e um certo crer no impossível. Ela ganhou a literalidade que só quem vive o aqui e o agora poderia entender o que digo. E, sendo mãe solteira, preciso descobrir todos os dias – não sei vocês, mas eu não nasci sabendo o “fazer sentir” – como dizer ao meu filho que, apesar de todas as ausências e sacrifícios que vivemos, o amo mais do que sei expressar e que protegê-lo, agora, é a principal missão dos meus dias.

Eu o fermentei na barriga por dez meses deliciosos. Infelizmente, gestar nem sempre acontece de forma tão prazerosa como foi pra mim. Eu tive sorte. Engordei 16 kgs e, juro, nunca me senti tão bonita, amada e apaixonada pela vida. Nas 42 semanas em que ele esteve dentro de mim, esforcei-me muito para estar preparada para recebê-lo, mas, confesso, quando aconteceu, às 11h 45 do dia nove de novembro, a sensação que se apoderou de mim era a de que eu tinha estudado para biologia quando a prova era de literatura. Eu me perguntava: será que só eu me sinto tão incapaz como mãe? Faz parte do ofício duvidar.

Carreguei o Miguel em mim até o tempo limite. Ao completar 42 semanas, a gestação obrigatoriamente chega ao fim. E, acho que por medo do que não posso controlar e prever, decidi fazer a cesárea. Foi repentino e não tive tempo de pedir ao meu corpo e ao meu emocional para aceitarem o desafio comigo. Eu queria muito ter parto normal, mas não deu. Sinceramente? Não me arrependo. Não era a hora de arriscar ou ser teimosa. Só que esse “de emergência” me desestruturou um pouco. Dois dias antes do parto, a obstetra que nos acompanhava – e que não se preocupou muito em ser nossa cúmplice – pediu que, a partir daquele momento, eu fosse ao hospital de dois em dois dias para monitorar a evolução do quadro e em jejum, caso fosse necessário fazer algum exame.

Como o combinado, apareci no consultório às 7h da manhã, no dia 9. Fiz a última ecografia lá mesmo. Era sexta-feira. Estava tudo bem com meu filho e comigo – e assim estivemos durante toda a gestação. Mas fui intimada: “ou fazemos a cesárea hoje ou não vou mais responder pelo seu caso”. Eu imaginava que o parto seria logo, é claro, mas não imediatamente. Eu estava sozinha com ela e outra médica na sala e, coagida, aceitei. Perguntei quando poderíamos marcar. “Se quiser chamar alguém, faça agora. Em trinta minutos, você entrará na sala de cirurgia”. Eu tive que resolver dez meses de espera, de projeções e expectativas em menos de meia hora. Isso me machucou.

Liguei para o pai do meu filho, para minha irmã, para os meus pais e amigos. A única pessoa que chegou a tempo de me ver antes da cirurgia foi o pai do Miguel. Que alívio ver um rosto conhecido e querido naquele momento. O Lê foi um grande suporte e aguentou mais do que eu poderia imaginar. Entrei na sala de cirurgia para me trocar e receber a anestesia. Fiquei deitada de braços abertos, enquanto os médicos instalaram uma cortina na altura do meu tronco. Depois, pai do Miguel entrou na sala, já vestido de verde (ou era azul?), e fez carinho na minha cabeça. Nunca vou poder agradecê-lo por ter sido pai naquele momento e em tantos outros.

Foi ele quem fez todo o meu medo passar. Tentei guardar comigo cada sensação daquele momento, mas a anestesia era deliciosa e eu fiquei um pouco embrigada. Lembro de quicar na mesa. Quicar mesmo. Foi muito rápido. De repente, um aviso: “se prepara que ele vai nascer”. E meu filho gritou. Berrou tão alto que nossos familiares e amigos conseguiram escutar pra lá da sala de cirurgia, na sala de espera. Foi tão alto que o pediatra tentou explicar: “mamãe, a gente gosta quando a criança chora, tá? Não tem nenhum problema nisso”

Eu chorei junto com ele. Tremia. O pai do Miguel o pegou nos braços e foi ajudar o pediatra nas primeiras intervenções, que até hoje não sei bem quais foram. Depois, os médicos o trouxeram até a mim para que eu visse o rostinho dele. Eu fiquei muito surpresa porque ele já estava com os olhos abertos. Duas jabuticabas doces que eu nunca vou cansar de amar. Meu bicho nasceu com 53,5 cm e 4.180 kg. Fui para o quarto com o Miguel deitado ao meu lado na maca. Sendo amamentado. E o pai dele sentado do outro. Eu não me lembro de ter sentido tanta dor e tanto amor na minha vida.

Os primeiros meses foram muito difíceis. Eu me sentia absolutamente despreparada para o cargo. Ele era tão frágil e importante, que eu pensei que nunca seria capaz de fazê-lo se sentir protegido. Essa sensação me perseguiu por um ano, quando fui surpreendida por seus primeiros passos. Quando entendi que ele, apesar de ter vindo ao mundo por mim, viveria por si mesmo. Só me resta orar. Voa, voa, voa, andorinha.”

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