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globalismo
Soldado ucraniano na Praça da Independência, em Kiev| Foto: Roman Pilipey/EFE

No jogo de interesses globais, governos estrangeiros frequentemente têm preferências por este ou aquele candidato em eleições de outros países. Geralmente, são preferências inconfessáveis. Outras vezes, nem tanto. Por exemplo, em tuíte publicado esta semana, o ex-embaixador da China no Brasil, Yang Wanming (que viveu às turras com o bolsonarismo), escreveu que "na próxima primavera" brasileira, "daremos belas risadas quando 'as flores da montanha estiver (sic) em plena floração'". Trata-se de uma referência irônica a uma possível derrota de Jair Bolsonaro nas eleições a serem realizadas no segundo semestre deste ano, que justificaria comemorações por parte do diplomata chinês. A China prefere Lula como presidente, está claro. E o presidente Vladimir Putin? Quem é o candidato de Putin no Brasil?

O maior teste para descobrir quem poderia ser o candidato de Putin já está sendo feito: os posicionamentos de Lula e Bolsonaro diante da invasão da Ucrânia pela Rússia. Ambos pegaram leve com Putin, buscando justificar o ato de agressão contra um país soberano e de violação das leis internacionais.

"É inadmissível que um país se julgue no direito de instalar bases militares em torno de outro país. E é absolutamente inadmissível que um país reaja invadindo outro país", escreveu Lula no Twitter, fazendo coro ao argumento de que a culpa pela guerra na Ucrânia é da Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos Estados Unidos. Como já escrevi aqui, essa é uma visão torpe da realidade, que ignora a vontade do povo ucraniano e o histórico recente de interferências políticas e militares da Rússia no país vizinho.

Já o presidente Jair Bolsonaro, depois de visitar Putin em Moscou e dizer que era "solidário" à Rússia, que naquele momento cercava a Ucrânia com tropas, seguiu buscando justificativas para uma pretensa neutralidade em relação ao conflito.

Digo "pretensa neutralidade" porque, apesar da postura oficial do Brasil na ONU, de se opor tanto à invasão da Ucrânia contra a Rússia quanto às sanções impostas pelo Ocidente em retaliação à guerra, as declarações de Bolsonaro apontam em sentido contrário. Toda a vez que o presidente abre a boca para falar do conflito, ele encontra um jeito de demonstrar seu apoio e sua admiração a Putin e de apresentar justificativas para a guerra.

Putin teria vetado uma resolução no Conselho de Segurança da ONU que colocaria a soberania da Amazônia sob ameaça, disse Bolsonaro em sua live de quinta-feira. A afirmação é falsa. A tal resolução não discutia a Amazônia. Tentava, isso sim, estabelecer uma nexo causal estapafúrdio entre mudanças climáticas e risco de ações terroristas, e por isso foi rechaçada.

Bolsonaro também afirmou, em entrevista, que "não tem o que conversar" com o presidente da Ucrânia, Volodomir Zelensky, depois de ter criticado o povo ucraniano por ter confiado o destino do país a um comediante, repetindo um dos argumentos centrais usados pelo aparato de propaganda russa para desmoralizar o governante ucraniano, que está liderando a resistência à invasão ordenada por Moscou.

Curiosamente, certos blogueiros de esquerda brasileiros, cujo esporte preferido é atacar Bolsonaro por qualquer coisa, até por aquilo que ele não merece ser atacado, adotaram a mesma linha de críticas a Zelensky, classificando-o como "irresponsável e inapto".

Diante da condescendência tanto de Lula quanto de Bolsonaro com a guerra na Ucrânia, qual seria o candidato de Putin no Brasil? Quem será o preferido do Kremlin nas eleições presidenciais?

Pode-se argumentar que, neste caso, para Putin tanto faz.

Bolsonaro ficou muito bem impressionado com a recepção que teve na Rússia e acha que o ditador russo representa a defesa dos valores conservadores que tanto preza. O presidente brasileiro até distribuiu no WhatsApp um texto anônimo em que se afirma que "só existem a Rússia, a China e a Liga Árabe capazes de enfrentar a NOM (Nova Ordem Mundial). O Brasil está no radar da NOM e de toda a esquerda." Essa tal Nova Ordem Mundial seria uma conspiração para impor valores progressistas no mundo, a partir da Europa.

E Lula estaria no papo dos russos por causa da própria visão de mundo petista, que sempre procurou privilegiar, quando no poder, as relações com as potências emergentes e com o chamado Sul Global, supostamente "reequilibrando" uma política externa antes muito focada na proximidade com a Europa e os Estados Unidos.

Ou seja, Lula ou Bolsonaro, qualquer um dos dois poderia ser o candidato de Putin.

No entanto, justamente por ter uma base ideológica mais arraigada, ancorada no anti-imperialismo americano e no terceiro-mundismo, a postura de Lula e outros petistas diante do governo russo tende a ser mais consistente e duradoura.

Já a posição de Bolsonaro em relação a Putin é potencialmente instável. Sustenta-se em argumentos improvisados de última hora, como a necessidade de garantir a importação de fertilizantes russos, ou puramente fantasiosos, como a ideia de que o russo é uma liderança conservadora que faz frente ao avanço das pautas identitárias e progressistas no Ocidente.

Tanto o discurso anti-imperialista de Lula quanto a retórica pró-conservadora de Bolsonaro são úteis a Putin, mesmo que o autocrata russo seja ele próprio imperialista e mesmo que única coisa que ele realmente se importe em conservar seja o próprio poder.

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