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Ambientalista na Alemanha Oriental
Ativista passeia de bicicleta com máscara de gás para protestar contra a poluição na Alemanha Oriental| Foto: (Arquivo/Divulgação)

Prevê-se para este ano o fechamento da maior safra de soja da história do Brasil. Se não fosse pela falta de chuva no ciclo 2019/2020 no Rio Grande do Sul, a colheita teria sido 4% maior. Ainda assim, o Brasil superou este ano os Estados Unidos, tornando-se o maior produtor mundial do grão. O recorde não foi atingido com a derrubada de árvores na Amazônia, como por vezes se noticia na imprensa internacional, mas com tecnologia, aumento de produtividade e condições climáticas favoráveis na maior parte do país. O que impede, então, o Brasil de ser não apenas um campeão agrícola, mas também um campeão da preservação ambiental? Resposta: a visão equivocada do governo de Jair Bolsonaro de que ambientalismo é coisa de comunista.

Ainda que a causa ambientalista tenha sido absorvida pela esquerda nas últimas décadas, na realidade ela nasceu como uma causa legitimamente "burguesa". Rachel Carson, autora do clássico "Primavera Silenciosa", publicado em 1962 e considerado o marco do movimento ambientalista moderno, não era comunista. Ao contrário, ela era influenciada por uma tradição conservacionista já antiga nos Estados Unidos e que encontrou no presidente Theodore Roosevelt (1901-1909), do Partido Republicano, um de seus expoentes. Em sua denúncia dos pesticidas, Rachel Carson não se opunha à atividade produtiva; ao contrário, ela via no investimento em tecnologia a saída para uma agricultura que não causasse danos à natureza e às pessoas.

Grupos de esquerda encontraram na obra de Rachel Carson argumentos para criticar a ganância de grandes indústrias. Mas os mesmos princípios também serviram para desafiar as ditaduras comunistas do Leste Europeu.

No período da Guerra Fria, ainda que no discurso os regimes socialistas atribuíam ao Ocidente capitalista a pecha de destruidor do meio ambiente, a realidade é que eram eles os verdadeiros inimigos da natureza. Pouco se fala sobre isso, mas o movimento por direitos civis nas repúblicas satélites da União Soviética nasceu do ativismo ambiental, que contribuiu de maneira decisiva para derrubar o comunismo.

O acidente nuclear na usina de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986 foi um marco nesse sentido pois escancarou a ineficiência do Estado e o descaso dos líderes comunistas com a saúde da população. Mas a dissidência política de fundo ambiental no bloco soviético é anterior a isso.

Na Alemanha Oriental, por exemplo, já na década de 70 havia um movimento clandestino de caráter ecológico, que se reunia em igrejas luteranas para discutir questões ambientais, imprimir folhetos e organizar protestos silenciosos, como a realização de mutirões para plantar árvores ou singelos passeios de bicicleta com ativistas usando máscaras de gás.

Em seu livro "Nenhum sinal de ditadura?: Mitos e Fatos sobre a RDA" (no original em alemão, "Von Diktatur keine Spur?: Mythen und Fakten über die DDR", publicado em 2009 pela editora Olzog), o jornalista Armin Fuhrer demonstra o quanto esses protestos dos ecologistas incomodavam o regime da Alemanha Oriental (que atendia por República Democrática Alemã, RDA). "Desde 1982, cidadãos da RDA que reunissem e/ou divulgassem dados ambientais eram perseguidos preventivamente como criminosos", escreve Fuhrer.

Do ponto de vista do governo comunista, era inadmissível questionar as credenciais ambientais do regime. Afinal, segundo a ideologia vigente, a devastação do meio ambiente era "uma expressão da sede por lucro do capitalismo, enquanto no socialismo os interesses do setor produtivo e da sociedade eram considerados idênticos", observa Fuhrer. Acusar o Estado socialista de promover a destruição do meio ambiente era o mesmo que acusá-lo de agir como as nações capitalistas, portanto.

Os fatos, no entanto, mostram que o comunismo era pior para o meio ambiente do que o capitalismo — pelo menos quando se compara a Alemanha Ocidental, capitalista, com a Alemanha Oriental, comunista. Segundo Fuhrer, o lado comunista da Alemanha emitia dez vezes mais dióxido de carbono do que o lado capitalista.

No inverno, uma fumaça preta cobria Berlim. Ela vinha do lado oriental e era o resultado da queima de carvão para o aquecimento das residências, enquanto no lado ocidental a calefação era feita com gás encanado, mais ecológico e seguro. Apenas 2% dos rios e 1% dos lagos da Alemanha Oriental não eram contaminados por produtos químicos despejados pela indústria, totalmente estatal. Como esperar que o Estado punisse a si próprio por sujar a natureza?

Os grandes protestos de 1989 que resultaram na Queda do Muro de Berlim, no final daquele ano, começaram em Leipzig, uma cidade da Alemanha Oriental, com algumas dezenas de ambientalistas que se reuniam toda segunda-feira para se manifestar contra a poluição do rio Pleisse pela indústria química local. A cada semana, os protestos de rua aumentavam e as reivindicações eram ampliadas: entre elas, liberdade de expressão e o direito de viajar livremente para outros países. Até que, em outubro de 1989, 120.000 pessoas, o que representava um em cada quatro habitantes de Leipzig, lotaram as ruas em uma manifestação que a polícia local não teve coragem de reprimir.

Algumas semanas depois, pressionado pelas ruas e abandonado por Moscou (cuja liderança, sob Mikhail Gorbachev, já não demonstrava a intenção de reprimir o povo como havia feito em Praga, em 1968), o governo da Alemanha Oriental anunciou a intenção de permitir aos cidadãos viajarem para outros países. Correu o boato de que a autorização estava valendo imediatamente e os moradores de Berlim oriental aglomeraram-se nos postos de controle exigindo passagem livre para o outro lado do Muro.

Os guardas, confusos com as ordens desencontradas, deram passagem. Seguiu-se, então, noite adentro a grande festa do reencontro entre moradores do leste e do oeste de Berlim, regada a sidra e cerveja e animada pelo som das picaretas usadas para arrancar nacos do Muro que dividiu a cidade alemã por 28 anos.

Da mesma forma que ajudou a derrubar o comunismo três décadas atrás, o ambientalismo é, atualmente, um elemento indissociável do capitalismo mais moderno. Quando grandes empresários e representantes de fundos de investimento reúnem-se com integrantes do governo brasileiro para pedir uma política consistente de defesa da Amazônia e de combate ao desmatamento e às queimadas, que estão batendo novos recordes este ano, o fazem não por terem sido contaminados pelo "vírus do marxismo" (para usar uma expressão do chanceler Ernesto Araújo), mas porque o negacionismo ambiental é ruim para os negócios.

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro e seu entorno não se convencerem de que a preservação do meio ambiente não é ideologia de esquerda e tampouco um entrave à atividade econômica, o Brasil estará mais próximo da mentalidade ambiental da Alemanha comunista do que do capitalismo moderno que eles dizem representar.

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