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A ex-presidente interina da Bolívia Jeanine Áñez é assistida por policiais ao voltar para a cadeia após ser atendida em um hospital
A ex-presidente interina da Bolívia Jeanine Áñez é assistida por policiais ao voltar para a cadeia após ser atendida em um hospital| Foto: EFE/Stringer

O presidente Jair Bolsonaro compartilhou neste sábado (21), no Twitter, a notícia de que Jeanine Añez, ex-presidente interina da Bolívia, foi denunciada por genocídio por procuradores de seu país. Bolsonaro não fez comentários sobre a informação, mas sabe-se o seu governo pensa a respeito. Em essência, trata-se de uma posição correta.

O governo Bolsonaro considera as acusações contra Jeanine Añez "descabidas" e vê com preocupação os acontecimentos na Bolívia, com riscos para a "plena vigência do Estado de direito e a convivência democrática". Essas foram as palavras usadas por Bolsonaro em discurso em encontro virtual com presidentes de países sulamericanos três dias depois de Añez ser presa na Bolívia, no dia 13 de março.

No mesmo dia, o Itamaraty divulgou uma nota a respeito da prisão de Jeanine Añez, acusada de ter comandado um golpe de Estado em 2019. Diz a nota: "Cumpre recordar que o Governo brasileiro apoiou a formação do Governo da Presidente Jeanine Áñez, a qual foi empossada em caráter provisório após a renúncia do então Presidente Evo Morales, motivada pela reação popular à tentativa de fraude eleitoral detectada pelas missões de observação da OEA e da UE. A posse da Presidente Áñez se deu de maneira constitucional, reconhecida pelas instituições bolivianas e em conformidade com o Artigo 1 do Protocolo de Ushuaia. Recorde-se, também, que o governo da Presidente Jeanine Áñez convocou e realizou eleições livres e transferiu pacificamente o poder ao Presidente Luis Arce."

A nota da chancelaria brasileira está correta, e vale acrescentar alguns detalhes. Morales já havia dado um autogolpe alguns anos antes ao desrespeitar o resultado de um referendo e obter da justiça eleitoral o "direito" de se candidatar a um quarto mandato consecutivo na presidência. Em 2019, tratou de empastelar o resultado do primeiro turno das eleições, evitando a realização de uma segunda rodada no pleito e declarando-se vitorioso. Alguns analistas dizem que não há indícios "estatísticos" de fraude, ignorando porém outras evidências fortes compiladas pela Organização de Estados Americanos (OEA), como a destruição de atas eleitorais e falsificação de assinaturas.

O fato é que as suspeitas de fraude motivaram intensos e violentos protestos contra Evo Morales, que acabou por renunciar e fugir do país. Toda a linha sucessória ao cargo renunciou. Criou-se um limbo jurídico que foi ocupado pela segunda vice-presidente do Senado, Jeanine Añez, proclamada presidente interina.

As condições obviamente atípicas que fizeram com que ela assumisse a presidência renderam-lhe acusações de golpista e de impostora, mas o fato é que Añez não procurou se apegar ao cargo e garantiu a realização de eleições justas no ano seguinte, entregando o poder ao vencedor, o esquerdista Luis Arce, aliado de Evo Morales.

Por isso é tão evidente que a prisão de Jeanine Añez e a agora denúncia contra ela por genocídio são medidas de revanchismo político. Mais do que isso, fazem parte de uma estratégia de encarcerar adversários políticos para preparar a volta de Evo Morales ao poder, nas próximas eleições.

A denúncia por genocídio é, no mínimo, um tremendo exagero, calculada para manter Añez presa por mais de uma década. A alegação é que dois protestos favoráveis a Morales em 2019 foram reprimidos com violência e resultaram em 20 mortos.

No sábado (21), Añez teria cortado os braços na prisão, em aparente tentativa de suicídio após a divulgação da denúncia contra ela.

Para o Parlamento Europeu, em resolução aprovada em abril, Jeanine Añez e outros bolivianos são "presos políticos". Assim deveriam também ser tratados pelo governo brasileiro.

No campo diplomático, apesar de ter manifestado "preocupação" com a situação de Añez, o governo brasileiro tem sido comedido nas críticas ao país vizinho.

As referências feitas por Bolsonaro ao caso têm outro objetivo, que nada têm a ver com política externa. Quando cita a prisão de Jeanine Añez, Bolsonaro o faz para dar uma amostra do que acontece quando um líder político é vítima de acusações injustas de golpismos ou "atos antidemocráticos". Bolsonaro tenta fazer crer que ele é injustiçado como Añez.

Mas a situação de Jeanine Añez não se compara com o que acontece atualmente no Brasil. É uma falsa equivalência. Añez assumiu o poder em meio a um contexto de caos político que não foi provocado por ela e fez uma transição pacífica para o vencedor das eleições seguintes. Está sendo punida por ser considerada uma ameaça a um projeto autoritário.

Bolsonaro, por sua vez, detém o poder por ter sido legitimamente eleito, mas, diante da possibilidade de não conseguir se reeleger, tenta incentivar o caos para ser visto em algum momento como a única opção de estabilidade e assim se perpetuar no poder indevidamente. Nesse sentido, Bolsonaro está mais para Morales do que para Añez.

Por isso, o que falta a Bolsonaro em suas críticas ao tratamento que a Bolívia está dando a Jeanine Añez é o mínimo de credibilidade.

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