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Brasil Venezuela Biden
O presidente Jair Bolsonaro em discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, em 2019| Foto: Alan Santos/PR

"O perigo é o Brasil se tornar a Venezuela." Esse mantra, que ajudou a eleger Jair Bolsonaro em 2018, segue sendo repetido em manifestações de apoio ao presidente a cada vez que surgem bons motivos para fazer críticas ao seu governo. Bolsonaro tem seus problemas, mas é o único capaz de evitar a volta do PT ao poder e, com ela, o risco de o Brasil se tornar a Venezuela, dizem aqueles que se deixaram hipnotizar pelo mantra do perigo venezuelano.

Ninguém que queira o bem para o Brasil quer que nos transformemos em uma Venezuela. O regime chavista é um desastre sob todos os aspectos — todos — e também é verdade que o PT foi e continua sendo conivente com a escalada autoritária de Hugo Chávez e de sucessor e atual ditador do país, Nicolás Maduro.

A ideia de que Bolsonaro é o único capaz de evitar a venezuelanização do Brasil, contudo, é bem mais controversa. Em pelo menos um aspecto, o Brasil de Bolsonaro se parece cada vez mais com a Venezuela de Maduro: na imagem que projetam para o mundo.

A Venezuela chavista é um pária da comunidade internacional. Cerca de 50 nações não reconhecem Maduro como presidente legítimo. O desmonte político e econômico pelo qual o país passou nas últimas duas décadas, chamado pomposamente de "revolução bolivariana" ou "socialismo do século XXI", apenas empobreceu a população de um dos territórios mais ricos em petróleo do mundo, mesclou corrupção estatal com narcotráfico internacional e levou à aliança com outros regimes espúrios, alguns dos quais financiadores de organizações terroristas.

É preciso um longo caminho para atingir o grau de desmoralização internacional da Venezuela, mas tudo tem um começo.

E Hugo Chávez começou como? Adotando uma postura de confrontação com o governo republicano dos Estados Unidos, sob a presidência de George W. Bush. Telegramas diplomáticos americanos que vieram à tona em 2007 mostram que nos dois primeiros anos de Chávez no poder (1999 e 2000), quando o presidente americano era o democrata Bill Clinton, as desconfianças mútuas entre os dois países ainda estavam em patamares baixos. Nesse curto período, Chávez e Clinton se encontraram duas vezes.

Foi quando o poder nos Estados Unidos mudou de mãos, de um democrata para um republicano, que as coisas começaram a azedar para valer. Chávez passou a ameaçar com a suspensão de venda de petróleo para os Estados Unidos e, após os atentados de 11 de setembro de 2001, equiparou a invasão do Afeganistão aos ataques terroristas em solo americano. Em 2002, Chávez sofreu uma tentativa de golpe de Estado, que levou ao poder um governo prontamente reconhecido pela diplomacia de Bush — mas que não durou nem um fim de semana.

Em 2006, na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, Chávez fez o famoso discurso chamando Bush de "demônio". "Esse lugar cheira a enxofre", disse o venezuelano, referindo-se à tribuna em que o presidente americano havia discursado antes.

Nesta terça-feira (22), o presidente Jair Bolsonaro discursará na abertura da Assembleia Geral da ONU deste ano — em circunstâncias atípicas, devido à necessidade de distanciamento social em tempos de pandemia. Em sua estreia na ONU, no ano passado, Bolsonaro fez um discurso contra as instituições multilaterais e de alinhamento ideológico com o presidente americano Donald Trump.

Este ano, Bolsonaro falará para uma comunidade diplomática que pressiona o governo brasileiro pela postura negacionista diante da pandemia e da destruição do meio ambiente, justo em um momento em que as queimadas na Amazônia e no Pantanal dominam o noticiário estrangeiro. Bolsonaro adotará a postura de quem considera essas pressões uma afronta à soberania nacional.

Essa abordagem tende a empurrar o Brasil ainda mais para o isolamento no cenário externo. O risco de isso ocorrer se agravará se Bolsonaro voltar a reforçar seu alinhamento com Trump.

A pouco mais de um mês das eleições presidenciais nos Estados Unidos, o melhor e o correto a fazer seria não se meter nas questões domésticas dos americanos — e, muito menos, amarrar o elefante na cerca de um candidato específico (o burro é o símbolo do Partido Democrata).

Mas, que coisa, isso já está sendo feito. Ao dar palanque ao secretário de Estado americano Mike Pompeo para falar grosso contra Maduro em Roraima, na última sexta-feira (18), a diplomacia bolsonarista emprestou o território brasileiro para um ato político que visa a fortalecer Trump junto ao eleitorado latino da Flórida, um dos estados decisivos para a sua tentativa de reeleição.

Não se deve descartar a possibilidade de uma reviravolta nas últimas semanas da campanha que acabe por dar uma vitória a Trump, mas por enquanto o candidato democrata Joe Biden está à frente nas pesquisas.

Por isso, a questão que se coloca é: na hipótese de Biden vencer as eleições, a diplomacia bolsonarista vai se reposicionar, adotando uma postura mais pragmática na relação bilateral com os Estados Unidos, ou vai tratar o novo presidente americano como um adversário ideológico, como fez Chávez com Bush?

Se Bolsonaro escolher a segunda alternativa, o risco é o Brasil se tornar para Biden o que a Venezuela é para Trump: um vizinho incômodo ao sul, um pária nas relações regionais.

E mesmo que consiga conter-se na confrontação com o novo governo em Washington, o Brasil terá de equacionar sua postura com o resto do mundo, pois já não poderá se escorar em Trump para evitar o isolamento completo.

As circunstâncias externas mudam e, com elas, modificam-se também as maneiras de o Brasil se tornar a Venezuela.

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