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virtude
Primeiro-ministro Netanyahu foi o primeiro a tomar a vacinar contra o coronavírus em Israel.| Foto: AMIR COHEN / POOL / AFP

Mais tempo do que o necessário foi gasto discutindo-se se o presidente Jair Bolsonaro iria se vacinar contra covid-19. A imunização de idosos com 66 anos, sua idade, foi iniciada no Distrito Federal na semana passada. Bolsonaro acredita que, por já ter tido covid-19, não corre o risco de se reinfectar e não precisa se vacinar. Mas a cobrança para que se vacinasse, vinda especialmente de uma parte da imprensa, sustentava-se no argumento de que o presidente precisa dar exemplo aos outros cidadãos. Seria, portanto, uma sinalização de virtude: mesmo não acreditando, como indivíduo, ser necessário tomar a injeção, como líder do país ele deveria deixar suas convicções de lado e fazer o gesto simbólico de se vacinar.

Do ponto de vista prático, tal gesto seria, no mínimo, inócuo. A maioria dos brasileiros quer mais é se vacinar o quanto antes para se ver protegida contra esse vírus maldito.

Ainda assim, do ponto de vista ético, Bolsonaro deveria se vacinar? Ou, para não nos restringirmos apenas ao exemplo do presidente: a ética da liderança política exige que as autoridades dêem amostras de virtude em público, ainda que não ajam da mesma forma em privado ou que tais demonstrações não passem de virtude de fachada?

Responder "sim" a essas perguntas significa aceitar que a ética da liderança política é a ética do dever. Ou seja, que pressupõe uma obrigação para com a sociedade e regras a serem obedecidas. Se o "correto" é promover a vacinação ou outras políticas públicas, então é nesse sentido que os governantes devem apontar suas ações individuais.

Na ética de Espinosa (1632-1677), o filósofo da virtude por excelência, por sua vez, o foco está no indivíduo, que deve conhecer a si mesmo para saber como viver de maneira virtuosa. A liberdade, assim, é autodeterminada. A virtude é um meio, não um fim.

O que rege as ações e as escolhas são os desejos individuais. No entanto, para Espinosa, quando os desejos se originam de ideias inadequadas, não passam de paixões. São os desejos oriundos de ideias adequadas, pelo uso da razão, que resultam na verdadeira virtude.

Há quem se irrite profundamente, na pandemia, com o se convencionou chamar de "sinalização de virtude". A expressão é atribuída a James Bartholomew, um escritor britânico conservador. "Sinaliza virtude" aquele que prega determinados valores em público, mas age de maneira diversa em privado.

Na pandemia, o sinalizador de virtude seria aquele que cobra o uso de máscaras e o respeito ao isolamento social, mas faz o contrário quando ninguém está vendo.

Sinalizador de virtude é Cláudio Castro, governador do Rio de Janeiro, quando impõe medidas de restrição de circulação para evitar a propagação do novo coronavírus em seu estado e, dias depois, promove uma festa de aniversário com amigos.

O problema, portanto, não está em defender o que é certo, o que é o melhor para o coletivo com base no conhecimento que se tem do que pode ser feito para evitar as mortes em massa por covid-19. A questão é o que se espera , segundo a ética do dever, que um líder político faça — mesmo que esse não seja o que ele, individualmente, quer ou acredita.

Mas os líderes políticos, se incapazes de seguir a ética do dever, podem seguir a ética da virtude de Espinosa: basta que a virtude não esteja restrita ao que se pratica em público, sujeitando-se em privado às ideias inadequadas.

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