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Educação midiática deve acontecer em qualquer lugar, durante a vida toda
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Muitas vezes identificar uma notícia falsa parece não ser um grande desafio. O mínimo de bom senso nos afasta daquelas informações que, por um viés de confirmação quase imediato, descartamos. Afinal, a possibilidade de acreditar que a terra é plana é ínfima, por menos preparado que a audiência esteja.

Mas também não é incomum nos vermos em encruzilhadas de discursos e versões sobre determinado acontecimento; um prisma de “verdades” sob o qual sentimos dificuldade de encontrar o caminho mais coerente para a compreensão. Versões diferenciadas por detalhes, datas e falta de dados turvam um olhar mais completo, e complexo.  Isso sem contar os mecanismos de algoritmos e tecnologia que minam ainda as possibilidades de confirmação - o ex-presidente norte-americano Barack Obama foi vítima de uma “deep fake”, quando os movimentos de face, fala e voz recriados em um depoimento em video (o próprio demorou a acreditar no que via tamanha a perfeição da artimanha).

O cenário por trás do desenvolvimento de algoritmos sofisticados e “deep fakes” (que usam inteligência artificial como base) explica porque você, em algum momento, independente de sua formação ou convicção, será vítima da desinformação. O ritmo exponencial do desenvolvimento tecnológico (por consequência das plataformas de mídia que distribuem informação) bem como das redes de pessoas alcançadas pelas mensagens contrastam com o crescimento aritmético com o qual os cidadãos estando aptos a se educar e se preparar para enfrentar a desinformação.

Em outras palavras, a guerra contra a desinformação tende naturalmente a ser ganha pelas mídias e tecnologias, e não pela escola. Indo ainda mais fundo: você pode sentir-se preparado a lidar com as consequências das notícias falsas hoje; o mesmo não é certo para amanhã.

Por conta disso, especialistas da UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), por meio da aliança de educação midiática internacional GAPMIL, desenvolveram cinco “leis”, ou pilares, sobre os quais o desenvolvimento de políticas na área de educação midiática devem ser estruturadas privilegiando a eficiência. Bem resumidamente, e adaptadas por este autor, são elas:

1 - Bibliotecas, escolas, mídias e outras tecnologias são de igual importância para a informação dos cidadãos e devem ser usadas para a participação política e social, além do desenvolvimento sustentável das sociedades.

2 - Todos somos receptores, mas também produtores de informação e temos o direito de utilizar as mídias para nos expressarmos.

3 - Informação, conhecimento e mensagem nunca são elementos neutros - estão sempre condicionadas a um viés. Essa questão deve ser transparente e constante para todos os cidadãos em políticas de educação midiática.

4 - O Direito Universal à comunicação e expressão, explícito no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, deve prevalecer e ser explicitado a todos os cidadãos como elemento fundamental da educação midiática.

5 - A educação midiática é um processo constante e contínuo - deve ser adquirido durante a vida toda. É completa quando composta por atitudes e competências e deve abarcar acesso, avaliação, uso, produção e comunicação de conteúdo de informação, midiático e tecnológico.

A primeira e a quinta lei procuram deixar claro que o currículo escolar sozinho não é suficiente. Os veículos de comunicação, os governos e as cidades (por meio de seus aparelhos sociais e conexões entre cidadãos) são atores fundamentais para a garantia das habilidades ligadas à compreensão e comunicação no tempo de desinformação e devem dividir responsabilidades nesse quebra-cabeça. Em outras palavras, a educação não-formal e a informal (cultura) devem engrossar os esforços nesse sentido.

A quinta lei também procura dar conta do fato que o público mais vulnerável à desinformação muitas vezes não está mais na escola - e é o mais carente de formação. Adultos e idosos, os chamados migrantes digitais, não podem ficar de fora desses processos de educação midiática. Para se ter uma ideia da dimensão do problema: os pesquisadores Andrew Guess, da Universidade Princeton, e Jonathan Nagler e Joshua Tucker, da Universidade de Nova York (NYU), publicaram uma pesquisa com usuários do Facebook em relação ao seu comportamento durante a campanha presidencial americana de 2016. Aqueles acima de 65 anos compartilharam sete vezes mais artigos de portais de notícias falsas do que o grupo etário mais jovem (18 a 29 anos).

*Alexandre Le Voci Sayad é jornalista e educador. Atualmente é diretor da consultoria ZeitGeist e membro diretivo da aliança GAPMIL, de educação para a mídia da UNESCO/ Paris. É membro do Conselho Consultivo do Programa Educamídia (Instituto Palavra Aberta e Google) e do Conselho Científico da Revista Comunicar (Universidade de Huelva, Espanha). É autor de livros, dentre eles "Idade Mídia - A Comunicação Reinventada na Escola" (Editora Aleph). Mais informações:  alexandresayad.com. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM, no Blog Educação e Mídia.

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