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Funk, rap e algoritmos: padrões culturais são fundamentais para repensar a educação
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"É a flauta envolvente, que mexe com a mente... de quem está presente. As novinha saliente fica loucona e se joga pra gente"

Para quem não conhece, esse é o verso inicial de “Bum Bum Tam Tam”, música de MC Fioti. Em setembro de 2018, o funk foi o 1º clipe brasileiro a alcançar 1 bilhão de visualizações no Youtube. O número expressivo coloca “Bum Bum Tam Tam” entre um dos hits mais reproduzidos na história da internet.

Para que esse fenômeno fosse possível, sobretudo entre os jovens — público que se interessa majoritariamente por MCs, rappers e funkeiros —, as redes sociais tiveram papel decisivo, contando com um recurso que, nos dias atuais, interfere diretamente sobre aquilo que vemos, ouvimos e mesmo sentimos na internet: os algoritmos.

É simples de entender: as informações que circulam na sua timeline, seja no Facebook, no Instagram, ou mesmo de uma pesquisa feita no Google, são influenciadas por “critérios” vinculados ao seu histórico de navegação. A mesma lógica vale para Youtube, Deezer e Spotify, ou seja, as playlists que esses aplicativos oferecem são inspiradas em um cruzamento de informações que leva em consideração gostos e preferências.

No ritmo dos algoritmos, “Bum Bum Tam Tam” se tornou viral a partir de critérios de exibição e aparição nas redes sociais. Agora a questão que se apresenta é: por que algoritmos e os padrões culturais resultantes em “Bum Bum Tam Tam”, “Vai Malandra”, “Vai Sentar” e outros singles são importantes para educadores e educadoras? Vejamos:

Mais de 90% dos estudantes ouvem música todos os dias, por pelo menos duas horas, e 70,9% admitem acessar suas playlists favoritas na escola, inclusive, em sala de aula. Os dados levantados a partir da tese “Rap, funk, pop internacional: percepções dos professores sobre as referências musicais dos alunos” indicam que canções e artistas são presenças marcantes na vida dos jovens. Apesar disso, os docentes desconhecem elementos mais específicos do gosto, sobre os ritmos e os hits que mais circulam e atraem as turmas para as quais eles dão aula.

Os educadores são até capazes de distinguir que os gêneros favoritos são o rap (69,3%) e o funk (68,3%). Mas submetidos a um teste durante a pesquisa de campo, eles reconheceram menos de 8% dos títulos das 20 obras mais citadas e igual percentual quando apresentados às fotos das celebridades de maior prestígio entre os educandos.

Os dados confirmam o distanciamento entre as culturas dos alunos e dos professores; eles também indicam uma tendência para a manutenção ou aumento da falta de sintonia entre ambas as realidades. Diversos pesquisadores tratam esse fenômeno de distanciamento cultural como “bolhas” - criadas pela lógica dos algoritmos.


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A partir da combinação de dados, que determina uma probabilidade estatística da garota de 15 anos, por exemplo, ter interesse em ouvir “Evoluiu”, de Mc Kevinho, aplicativos disponíveis em dispositivos móveis podem exibi-la em listas customizadas e atualizadas semanalmente que o jovem mantém em suas plataformas.

A canção, que está na terceira posição na lista Top Brasil do Spotify de junho de 2019 pode simplesmente passar em branco ao professor, que encontra este mesmo jovem, não raro, diariamente, em sala de aula. Mesmo que os dois públicos utilizem o mesmo aplicativo, ao contrário do que experimentávamos no mundo analógico, os canais são individualizados. As playlists recheadas de referência à MPB contemporânea, aos clássicos do rock ou a pérolas do samba dos anos 50, entre outros, que, por ventura, o docente deixa tocar enquanto prepara uma aula ou tenta relaxar depois de um dia cansativo garantem a desconexão entre valores, experiências, vivências, etc de ambos os cotidianos.

O algoritmo é a ferramenta que calcula e estipula parâmetros sobre notícias, fotos, músicas, vídeos, memes etc, hierarquizando e determinando o que será disponibilizado a partir dos perfis dos usuários.

Claro que essa é uma explicação sintética e não dá conta da complexidade dos algoritmos no mundo contemporâneo. No entanto, o fundamental para o nosso artigo é: cada vez mais estamos condicionando a cultura, a nossa experiência e a própria apreensão de realidade pelas métricas e resultados dos algoritmos. Essa nova realidade tem graves desdobramentos na rotina escolar, pois estudantes, docentes e toda a comunidade estão fadados a conviver cada vez mais com os padrões culturais estabelecidos por métodos de customização de sistemas informatizados cada vez mais precisos e sofisticados.

Num mundo moldado aos gostos e aos interesses individuais, tudo feito sob medida, seja em uma playlist ou nas informações que chegam no Facebook, Instagram etc, lidar com o contraditório se tornou ao mesmo tempo um problema e um desafio. Há cada vez menos paciência para ouvir o diferente e conhecer novos horizontes culturais. Para a escola, tal fato representa um ponto de inflexão: como se aproximar dos padrões culturais do jovens a fim de criar métodos mais atrativos e interessantes aos estudantes? Eis a questão posta.


*Texto escrito por: Douglas Calixto, jornalista, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. A dissertação “Memes na Internet – entrelaçamentos entre Educomunicação, cibercultura e “zoeira” de estudantes nas redes sociais” rendeu o prêmio de melhor mestrado da ECA-USP em 2017 e o prêmio de melhor mestrado do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom) em 2018. É atualmente supervisor de Comunicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e pesquisador do MECOM (Grupo de Pesquisa Mediações Educomunicativas).

Rogério Pelizzari, Doutor e mestre em Ciências da Comunicação, especialista em Gestão de Processos Comunicacionais pela ECA-USP. Jornalista e publicitário, atua há 20 anos com comunicação pública e desde 2010 é professor universitário. Pesquisador pelo Grupo de Mediações Educomunicativas (MECOM), desenvolve trabalhos voltados à cultura juvenil e, em especial, ao papel da música no processo de formação de estudantes da educação básica.
O MECOM colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no Blog Educação e Mídia.

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