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Unidade de petróleo da Aramco na região de al-Khurj, ao sul de Riade, capital da Arábia Saudita
Unidade de petróleo da Aramco na região de al-Khurj, ao sul de Riade, capital da Arábia Saudita| Foto: Fayez Nureldine / AFP

“Antes mundo era pequeno/ Porque Terra era grande/ Hoje mundo é muito grande/ Porque Terra é pequena/ Do tamanho da antena parabolicamará”. Com estes versos de 1991, na cadência da capoeira, Gilberto Gil sintetizou a integração dos mundos onde vivemos. Naquele instante, a antena parabólica representava o “tempo que não tem rédeas”, pois “vem nas asas do vento”. Passados 28 anos, extinguiram-se as parabólicas, substituídas pela comunicação instantânea, que fez a Terra ainda menor.

Para o bem e para o mal, a beleza poética do tempo nas asas do vento está estampada no atentado sofrido pela maior instalação de petróleo do mundo, na Arábia Saudita. O que lá aconteceu teve efeitos imediatos aqui. A Terra tornou-se pequena demais, pois o bater das asas do drone no Oriente Médio causou furacões na economia e nos jogos de poder brasileiros. Isso num universo de incessantes e, por isso mesmo, sempre precárias notícias via Twitter.

O preço do petróleo disparou na noite de um domingo. A produção mundial está comprometida. A Petrobras preocupa-se em absorver o impacto – até quando conseguirá, não se sabe. Se existe uma certeza, é a de que alguém haverá de pagar essa conta (governo?, contribuintes?, acionistas privados?, consumidores?, os ianques, com seus tanques?, o garçom da “Ópera do Malandro”? – não se sabe). A estatal persistirá independente do governo central ou voltará a sucumbir às tentações políticas?

A geopolítica do petróleo mundial desempenhará papel decisivo nas próximas eleições brasileiras

Por outro lado, os preços da gasolina (e do etanol!) nas bombas de combustível experimentaram inusitado aumento. Coincidência ou não, a cronologia pode disparar investigações e controles de aumento abusivo pelo Ministério Público, Conselho Administrativo de Defesa da Economia – CADE e órgãos de proteção ao consumidor. Existe aqui um emaranhado de competências fiscalizadoras e repressivas, cujas autoridades foram pegas de surpresa e persistem desarticuladas.

Nesse cenário caótico, a Agência Nacional de Petróleo – ANP está discretamente exultante. A produção na Arábia Saudita era, até poucos dias, uma das mais seguras. Não havia vicissitudes como as da Venezuela (político-econômicas) ou de países da África (violência e instabilidade política). Depois do atentado, surgiram riscos inimagináveis (inclusive, de guerra). Pouco importa a retomada da produção e vendas, nada será como antes, amanhã. Logo, a indústria petrolífera brasileira já experimenta valorização como lugar imune a atentados terroristas. Os lances dos próximos leilões incorporarão o preço de se estar num lugar mais seguro do que o Oriente Médio. Mas, para que isso aconteça, é necessária segurança quanto à definição do preço via mercado (e não pelo governo ou órgãos de controle).

Por fim, quem sabe o mais importante efeito interno esteja no fato de que a geopolítica do petróleo mundial desempenhará papel decisivo nas próximas eleições brasileiras. Onde está escrito petróleo, pode-se ler diesel, gasolina, asfalto e outros derivados. São combustíveis do transporte coletivo urbano e das rodovias (isso sem se falar na tabela do frete). Serviços concedidos, permitidos e autorizados por meio de contratações administrativas com a garantia do equilíbrio econômico-financeiro. Caso haja aumento imprevisível e desproporcional dos custos, as tarifas – ônibus, avião e pedágios de rodovias – serão aumentadas? Isso às vésperas das eleições municipais? Como as agências reguladoras, o poder concedente e os governantes administrarão esse impacto sem desrespeitar os contratos?

Diante desse cenário de modificações contínuas, a pergunta que me faço é se o direito público brasileiro está preparado para tais desafios. Caso persista amarrado a conceitos tradicionais e respectivo modo de usar (ato administrativo, contrato administrativo, regulamento de execução, empresas estatais com amarras públicas, etc.), a resposta será negativa. Tais artefatos são retrospectivos, estáticos e conservadores. Prestam-se a manter o status quo, como se a Terra fosse grande e estável. Não conseguem dar cabo de desafios dinâmicos oriundos instantaneamente da economia globalizada.

O gestor público precisa se conscientizar de que a realidade demanda respostas céleres, precisas e pontuais – que nem sempre são fornecidas pelo sistema jurídico construído no século passado. O que demonstra a necessidade de compreendermos que a segurança jurídica nem sempre está na imutabilidade dos atos e contratos, mas, muitas vezes, na certeza de sua mudança. O jurista precisa sentar-se à mesa com outras ciências sociais e desenvolver soluções prospectivas e sustentáveis.

Quando menos, eventos como os oriundos da Arábia Saudita reforçam a necessidade de prestígio à imparcialidade técnica das agências reguladoras e autonomia de gestão das empresas estatais. Tornam ainda mais importante o estudo da Lei de Introdução – LINDB e suas preocupações quanto às “consequências práticas” das decisões regulatórias e controladoras, lado a lado com soluções consensuais. Essas exigências já fazem parte do nosso cotidiano, como bem o demonstram as repercussões do evento vindo do Oriente Médio.

“De jangada leva uma eternidade/ De saveiro leva uma encarnação/ Pela onda luminosa/ Leva o tempo de um raio/ Tempo que levava Rosa/ Pra aprumar o balaio/ Quando sentia que o balaio ia escorregar”. Foi isso o que Gil nos avisou há décadas. Resta saber se o direito público brasileiro prefere andar de jangada para enfrentar os desafios que vêm com o tempo de um raio.

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