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Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
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Não importa quem vença a eleição, 2019 vai começar com uma boa notícia para os brasileiros: milhões de contribuintes ficarão livres do Imposto de Renda. Ao menos é o que prometem os dois concorrentes que passaram ao segundo turno, Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Não se esqueça de cobrar o vencedor, porque eles gostam tanto da proposta que andam até disputando a autoria.

Para as devastadas contas públicas, a notícia é péssima. Mas quem se importa com elas, não é? Deixemos esse detalhe para daqui a pouco.

O programa oficial de governo do PT propõe – desde os tempos em que Lula era o candidato – a isenção de IR para quem ganha até cinco salários mínimos, o equivalente a R$ 4.770 hoje e a R$ 5.030 caso o governo fixe o salário mínimo em R$ 1.006 no ano que vem, conforme prevê o Orçamento. Defendida desde o fim de 2017, a proposta está no documento entregue pelo partido ao Tribunal Superior Eleitoral no registro de candidatura, em agosto. Alvaro Dias (Podemos), que ficou pelo caminho, propunha basicamente o mesmo – uma isenção para quem ganha até R$ 5 mil – no programa que registrou no TSE.

Ao contrário do que fizeram o PT e Alvaro, Bolsonaro não escreveu nada desse tipo no plano oficial que entregou ao TSE. Mas dias atrás passou a defender a ideia – e a dizer que o PT quer roubá-la – em meio a uma disputa de versões mentirosas nas redes sociais*.

Na campanha bolsonarista, a tal isenção foi citada pela primeira vez em setembro, pelo economista Paulo Guedes, Posto Ipiranga do candidato do PSL, no mesmo dia em que veio a público sua ideia de recriar um imposto sobre movimentações financeiras à la CPMF. A fala sobre o tributo maldito foi prontamente rechaçada pelo deputado, mas, como se vê, a “parte boa” do discurso de Guedes ele resolveu aproveitar. O economista falou em cinco salários mínimos, Bolsonaro falou em R$ 5 mil. Dá quase na mesma.

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Hoje é isento de IR quem ganha até R$ 1.904 por mês, cerca de dois salários mínimos. Quem ganha acima disso recolhe um tributo que sobe conforme a renda, com alíquotas variando de 7,5% a 27,5%. Atualmente, um rendimento de cinco salários mínimos está sujeito a essa última alíquota, a mais alta. (Absurdo? Talvez. Mas, apenas a título de ilustração, uma renda mensal de R$ 5 mil já basta para que alguém esteja entre os 5% mais ricos do país.)

Se a faixa de isenção subir para cinco salários mínimos, 11,2 milhões de contribuintes deixarão de recolher IR, segundo cálculos do economista Sérgio Gobetti, um especialista no assunto que trabalha no Ipea, divulgados pelo “Estadão”. Esses seriam, portanto, os primeiros beneficiados pela ampliação da faixa livre de imposto. Mas não os únicos.

A promessa de estender a isenção tem um requinte raramente citado pelos candidatos: ela também facilitaria a vida de 6,1 milhões de declarantes que ganham mais que cinco salários mínimos. Como o IR é cobrado por faixas, um cidadão com renda mensal de R$ 10 mil, por exemplo, deixará de pagar imposto sobre os primeiros R$ 5 mil, aproximadamente. Só recolherá sobre o valor que ultrapassar esse patamar. É daí, aliás, que vem o maior impacto sobre as contas do governo.

Agora começa a parte ruim.

Segundo Gobetti, a ampliação da isenção vai tirar R$ 38,7 bilhões dos cofres públicos. O impacto da proposta de Paulo Guedes seria ainda maior, quase o dobro disso, porque, além de ampliar a isenção, o guru de Bolsonaro também propõe fixar a alíquota máxima em patamar mais baixo, de 15% ou 20% – não há como saber exatamente o que ele fará, porque a cada entrevista deu uma versão diferente.

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Você deve estar se perguntando: mas o governo não está quebrado? Está, sim. Pensando nisso, o economista do capitão reformado propõe resgatar a tributação de lucros e dividendos, extinta em 1995. O PT também, e adicionalmente planeja criar alíquotas mais altas – acima da máxima atual, de 27,5% – para quem ganha mais.

Mas, para Gobetti e técnicos da Receita, essas compensações podem não ser suficientes para recuperar a arrecadação perdida. Não há nem como saber se serão aprovadas pelo Congresso. Embora os parlamentares possam concordar com uma faixa de isenção mais ampla, é difícil imaginá-los dispostos a, em troca, tributar mais os mais ricos**.

Se as compensações não funcionarem, o buraco das contas do governo só vai aumentar, assim como a dívida pública. Como o Estado vai melhorar os serviços que presta à população? Como vai reverter a queda brutal dos investimentos em infraestrutura?

Muita conta não fecha nas contas dos candidatos do PSL e do PT.

*No começo desta semana, Bolsonaro reclamou que Haddad propôs um compromisso contra mentiras na internet ao mesmo tempo em que espalhava que o deputado federal vai aumentar o IR dos pobres. “É um canalha! Desde o início propomos isenção a quem ganha até R$ 5.000. O PT quer roubar até essa proposta”, escreveu Bolsonaro no Twitter, combatendo uma mentira com outra.

**A tributação de lucros e dividendos é praticada por quase todos os países desenvolvidos e adeptos do livre mercado filiados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas é o tipo de ideia que, por algum motivo, não costuma prosperar no Brasil. Por aqui, preferimos copiar os países mais pobres e tributar mais o consumo do que a renda e o patrimônio.

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