A dívida bruta do setor público brasileiro aumentou R$ 268 bilhões em três meses. E mais de R$ 1,1 trilhão desde o início do atual mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas o presidente da República não quer discussão.
No fim de 2022, pouco antes de Lula tomar posse, o Brasil devia R$ 7,225 trilhões, o equivalente a 71,7% do PIB – ou seja, de todas as riquezas produzidas pelo país. Um ano depois, o saldo já chegava a R$ 8,079 trilhões, ou 74,4% do PIB. E, em março de 2024, alcançou R$ 8,347 trilhões, o que corresponde a 75,7% do PIB, segundo relatório publicado nesta semana pelo Banco Central.
Quer dizer: a relação dívida/PIB aumentou 1,3 ponto percentual apenas neste ano. E 4 pontos desde o início da atual gestão. Também há débitos de estados e municípios aí, mas a maior parte é da União.
Os números vêm a público num momento em que Lula mostra inconformismo com cobranças sobre a situação das contas públicas. Na terça-feira (7), o presidente contou que fica irritado com a discussão – que não se faz "em nenhum país do mundo", segundo ele.
"A dívida pública dos Estados Unidos é 112% do PIB, a do Japão é de 235%, a da Itália é de quase 200%. Ou seja, esse não é o problema. Você tem que saber se está gastando ou está investindo", disse Lula em entrevista a rádios.
"Então é isso que às vezes eu fico irritado quando eu vejo muita notícia. 'Defícit fiscal, déficit fiscal'. É uma discussão inócua para um país sério como um país governado por mim e governado pela Dilma", acrescentou mais adiante.
Uma diferença importante em relação aos países citados por Lula é que os juros da dívida brasileira são bem maiores, o que a faz crescer mais rápido.
Outra desvantagem do Brasil é a moeda. A vida de quem imprime dólar e euro é diferente. Por aqui, imprimimos real. Quando o país enfileira rombos fiscais e os trata com descaso, o real perde valor em relação a moedas fortes, o que realimenta pressões sobre a inflação e os juros locais. Há efeito relevante sobre o dia a dia da população – e não apenas sobre os humores do mercado financeiro, eterno alvo de Lula.
Segundo o Banco Central, a incorporação de juros foi a principal responsável pelo aumento da dívida pública neste ano. Foram R$ 213 bilhões de juros nominais em três meses, a maior parte de títulos indexados à taxa Selic (R$ 112 bilhões) e a índices de preços (R$ 55 bilhões). Em 2023, outros R$ 816 bilhões em juros engordaram a dívida pública.
Ah, mas quem deixa a Selic lá em cima é o Banco Central, presidido por um indicado de Jair Bolsonaro (PL). Sim, mas não existe mágica aí. Os juros vão para cima ou para baixo conforme a inflação e a situação das finanças do governo, principalmente. O BC pode derrubar a Selic na marra, mas aí fica mais difícil convencer alguém a emprestar dinheiro para o país – e é de dinheiro emprestado que vivemos desde 2014.
Até março, o governo federal acumulava déficit primário de R$ 247 bilhões em 12 meses, ou 2,2% do PIB. Em outras palavras, em um ano a gestão Lula gastou R$ 247 bilhões a mais do que arrecadou – e essa conta nem inclui os juros. De onde veio esse dinheiro a mais? De endividamento. Dinheiro emprestado por bancos, fundos de investimento e previdência (inclusive de estatais), estrangeiros, seguradoras, pessoas que investem no Tesouro Direto, aplicações do FGTS e quem mais quisermos chamar de mercado.
Rejeitada pelo presidente, a discussão sobre o déficit faz parte do dia a dia do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que conduz com dificuldade um plano de ajuste fiscal baseado essencialmente em aumento de arrecadação. A fragilidade das contas do governo foi o principal argumento dele para tentar convencer o Congresso a aceitar a reoneração da folha de pagamento já em 2024 – sem sucesso.
Enquanto isso, medidas de corte de gasto, como as propostas nesta semana pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, foram afastadas por Haddad. Ela defende desvincular do salário mínimo a aposentadoria e outros benefícios, mas o ministro argumenta que proposta bem menos ousada da Fazenda foi barrada por Lula no ano passado.
Vale notar que essa desvinculação foi descrita como "elemento crucial" para conter despesas em um artigo que o próprio Haddad recomendou dias atrás. No texto, o economista Bráulio Borges, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, apontou que as novas metas fiscais não indicam esforço relevante para estabilizar a relação dívida/PIB ao longo do tempo.
Pelas contas de Borges, o país precisaria buscar superávit primário de 1% a 1,5% do PIB para conter a escalada do endividamento. O economista lembra que, no anúncio original do arcabouço fiscal de Haddad, isso ocorreria em 2026. Com o recente rebaixamento das metas, ficou para 2028.
"Com efeito, boa parte do ajuste adicional necessário foi 'empurrado' para o próximo governo. Com o resultado primário permanecendo mais tempo abaixo do nível mínimo necessário, a dívida/PIB crescerá por mais tempo, partindo de um nível já bastante desconfortável", conclui Borges.
Mesmo com metas mais frouxas, gente que acompanha as contas públicas tem dúvidas sobre a capacidade do governo de cumprir o que promete.
O compromisso agora é de resultado primário zero – ou seja, nem déficit nem superávit – em 2024 e 2025. Como dissemos há pouco, no momento o saldo ainda está negativo em quase R$ 250 bilhões. Existe aí um passivo herdado do governo anterior, como precatórios e compensações a estados; mesmo tirando isso da conta, porém, ainda falta muito para fechar o rombo.
Não queira discutir isso com o presidente.
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