"Não importa quem vença a eleição, 2019 vai começar com uma boa notícia para os brasileiros: milhões de contribuintes ficarão livres do Imposto de Renda. Ao menos é o que prometem os dois concorrentes que passaram ao segundo turno, Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Não se esqueça de cobrar o vencedor, porque eles gostam tanto da proposta que andam até disputando a autoria."
Assim começava, algo irônico, um texto publicado neste espaço seis anos atrás. Os dois candidatos prometiam isenção de Imposto de Renda para quem ganhasse até R$ 5 mil* ou cinco salários mínimos. O eleitor espera até hoje.
Bolsonaro venceu, mas não cumpriu a promessa. Voltou a ela ao tentar a reeleição em 2022, com um plano de governo que afirmava que, "sem a pandemia e com crescimento econômico", perseguiria o objetivo de estender a isenção a cinco salários mínimos.
Lula prometeu e segue alardeando imposto zero até R$ 5 mil. Haddad, candidato substituto em 2018 e atual ministro da Fazenda, está encarregado das providências.
O valor é alto em comparação à tabela atual do Imposto de Renda. Como qualquer contribuinte sabe, historicamente é quase impossível arrancar do governo – qualquer um – correções muito menores.
Hoje o imposto zero vale apenas para a parcela de até R$ 2.259,20 por mês, menos da metade do valor prometido por Bolsonaro, Lula e Haddad. Quem ganha no máximo dois salários mínimos tem direito a uma espécie de "restituição antecipada", que na prática amplia a isenção para R$ 2.824, ainda muito abaixo do limite proposto há anos.
Rendas maiores pagam alíquotas que variam de 7,5% a 27,5%. A mais alta incide sobre os ganhos que ultrapassem R$ 4.664,68. Subir a parcela livre de imposto para R$ 5 mil, portanto, alcançaria até quem hoje sofre a maior tributação.
Em 2023 e 2024, Lula atualizou somente a faixa isenta do IR, depois de pipocarem notícias mostrando que trabalhadores com renda de dois salários mínimos começariam a pagar imposto.
As demais porções de rendimento, porém, não têm qualquer correção desde 2016. Nesse período, IPCA e INPC subiram perto de 55%.
Trata-se de um (mal) disfarçado aumento de carga tributária, pois a falta de atualização faz com que mesmo contribuintes que só receberam a reposição da inflação em seus salários migrem para alíquotas mais altas de imposto. Aos olhos do Leão, estão enriquecendo.
E estamos falando só do período mais recente. Segundo cálculo divulgado no início do ano pelo Sindifisco, que representa os auditores da Receita, a tabela do Imposto de Renda acumula defasagem média de 150% desde 1996.
Conforme o estudo, a correção integral da faixa isenta livraria do IR todos os rendimentos até R$ 4,9 mil por mês. Quer dizer: alguém com salário equivalente a esse nem sequer pagava imposto há pouco menos de três décadas, e hoje tem parte da renda sujeita à maior alíquota.
A faixa isenta de R$ 5 mil vai resolver todo o problema, então? Não é bem assim.
Toda a conversa até agora gira em torno da tal isenção, e a Fazenda busca uma forma de limitar tanto quanto possível o benefício para rendas maiores. Nenhuma autoridade fala em rever o escalonamento das demais alíquotas (7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%).
Como o Imposto de Renda é cobrado sobre parcelas de rendimento, alguém que ganhe R$ 8 mil teria direito a pagar tributo apenas sobre a porção acima de R$ 5 mil – isto é, apenas R$ 3 mil seriam taxados, sabe-se lá a que alíquota.
Mas nem isso é garantido, pois manter a atual lógica de cobrança por faixas com a nova isenção custaria perto de R$ 50 bilhões, de acordo com estimativas que a equipe econômica vazou para a imprensa. E a ideia da Fazenda, segundo os mesmos relatos, seria limitar esse impacto a uns R$ 35 bilhões. Não estranhe, portanto, se aparecer algum malabarismo, algum "fator" que diminua o benefício de quem ganha mais.
De resto, o governo precisa compensar o impacto de qualquer correção que vier. Como disse o presidente, é preciso "tirar de alguém" para bancar a promessa.
Pelo que veio a público, a ideia é aumentar o imposto de quem ganha mais de R$ 1 milhão por ano. A casa de investimentos Warren calcula que a cobrança de uma alíquota efetiva de 12% de IR desses contribuintes – seriam 252 mil pessoas – geraria arrecadação adicional de R$ 45 bilhões.
Como falamos um tanto de promessas, impostos e inflação, vale citar uma última continha. Desde aquele outubro de 2018, quando Haddad e Bolsonaro se enfrentaram nas urnas, os preços médios subiram cerca de 38% no país, pelas medições do IPCA e do INPC. O que significa que os R$ 5 mil de seis anos atrás correspondem, hoje, a uns R$ 6,9 mil. E cinco salários mínimos agora equivalem a R$ 7.060.
*Os valores citados no texto se referem ao rendimento líquido do contribuinte, já descontada a contribuição à Previdência. É sobre ele que é calculado o IR.
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