Se você decide fazer de carro um trajeto que antes vencia a pé, gastará mais com gasolina. Ou diesel. Das três, uma:
1) você tomou essa decisão porque conseguiu uma promoção no trabalho ou outra renda nova que criou uma folga no orçamento; ou
2) você fez a troca apesar de sua renda continuar a mesma; ou
3) sua renda diminuiu e mesmo assim você achou por bem usar mais o carro.
Nos casos 2 e 3, você terá três alternativas para bancar a gasolina:
a) gastar menos com outra coisa (almoço, celular, balada, tevê a cabo, dentista, consulta médica, mensalidade escolar…); ou
b) manter todos os demais gastos e pegar dinheiro emprestado. Se for no cheque especial, modalidade mais usada pelos brasileiros, uma dívida de R$ 500 vai se transformar em R$ 1.015 em seis meses e R$ 2.059 em um ano; ou
c) fazer um pouco de a e um pouco de b.
A lógica do orçamento público é parecida. Aproveitando o exemplo, o governo brasileiro é um sujeito cuja renda diminuiu (a receita líquida, que era de 18,7% do PIB em 2013, terminou 2017 em 17,6% do PIB) mas mesmo assim está gastando mais (a despesa primária subiu de 17,3% para 19,5% do PIB no mesmo intervalo). E abusando do cheque especial (a dívida do governo federal saltou de 51,5% para 74% do PIB entre 2013 e 2017, chegando a 77% em maio de 2018).
Para ser justo, o governo até que reduziu alguns gastos nos últimos anos.
Não os maiores, obrigatórios, como Previdência (que foi de 6,7% do PIB em 2013 para 8,5% quatro anos depois) e funcionalismo (de 3,8% para 4,3% do PIB). São despesas que, sem mudança na lei, só podem ser contidas se o governo deixar de reajustar aposentadorias e salários.
A tesoura passou foi nos gastos discricionários, não obrigatórios, que já não eram grande coisa. Os investimentos em obras públicas encolheram (o PAC recuou de 0,8% para 0,5% do PIB) e os desembolsos dos ministérios da Saúde, Educação e Assistência Social ficaram estagnados (em 2,5% do PIB, na soma dos três). Quem depende de infraestrutura e serviços públicos essenciais sabe a falta que esse dinheiro está fazendo.
Se a verba é pouca e disputada, é de se perguntar por que o governo continua abrindo mão, todos os anos, do equivalente a 4% do PIB na forma de renúncias fiscais. São impostos que ele deixa de cobrar para beneficiar determinados contribuintes.
Com esse dinheiro, seria possível – por exemplo – triplicar o orçamento federal de Saúde e Educação. Mas, como vimos após a greve dos caminhoneiros, nossos representantes acham melhor subsidiar refrigerantes e combustíveis fósseis (depois, a fatura vai para a saúde pública, que você sabe como está).
O subsídio aos derivados do petróleo não é coisa nova. Um estudo recém-publicado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) estima que, de 2013 a 2017, o governo destinou R$ 342 bilhões – na soma do que gastou com o que deixou de arrecadar – para produtores de petróleo, gás natural e carvão mineral e consumidores de gasolina, diesel e gás de cozinha.
Por que combustíveis fósseis merecem tratamento especial? Qualquer que seja a resposta, o impacto (bom ou ruim) dessas desonerações é desconhecido, pois no Brasil esse tipo de programa não costuma ter meta nem avaliação de resultados.
Na média, o incentivo aos fósseis soma pouco mais de R$ 68 bilhões por ano, pelos cálculos de Alessandra Cardoso e Nathalie Beghin, as autoras do estudo. Para manter o paralelo feito há pouco, é dinheiro suficiente para meio ano de despesas federais em Saúde e Educação. Ou dois anos de Bolsa Família. Curioso, aliás, que tanta gente questione a transferência de renda aos mais pobres mas não se incomode em inteirar o diesel de SUVs de luxo ou ajudar proprietários de minas de carvão.
É tudo questão de escolha. O dinheiro público, o nosso dinheiro, é finito. Se decidimos ajudar uns, temos de prejudicar outros.
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