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Policiais protestam contra a reforma da Previdência na frente do Congresso queimando caixões: servidores pressionam os políticos quando têm seus interesses ameaçados. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil.
Policiais protestam contra a reforma da Previdência na frente do Congresso queimando caixões: servidores pressionam os políticos quando têm seus interesses ameaçados. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil.| Foto:

Seria possível prever, um século atrás, que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) teriam um supersalário de R$ 39,2 mil? E que isso possivelmente promoveria um efeito cascata sobre muitíssimas outras carreiras de servidores, ao custo de R$ 4 bilhões para o contribuinte?

Bem, um alemão antecipou há mais de 100 anos o que está acontecendo hoje no Brasil. Não exatamente com esse grau de precisão. Mas sim o contexto geral: o avanço da burocracia estatal sobre a sociedade – que no caso brasileiro se caracteriza principalmente pela captura do orçamento público pelo funcionalismo. Em 2017, 22% do orçamento federal foi para o bolso de 2,2 milhões de servidores dos três poderes. Isso num país que tem 207 milhões de habitantes.

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Não, o alemão não é nenhum profeta ou adivinho. Max Weber (1864-1920) é considerado o pai da sociologia. Um de seus principais objetos de estudo foi a burocracia do Estado. Ele descreveu como ela surgiu e funciona. E também como pode ser perigosa se não for controlada.

Burocracia é o centro do poder. E o poder tende a querer mais poder

Tradicionalmente, costuma-se definir a burocracia como o conjunto formado pelo corpo de funcionários públicos e as regras formais de procedimento na administração estatal estabelecido em regulamentos, normas, leis.

Mas Weber vai além. Ele diz que a burocracia é a forma de dominação por excelência do mundo moderno. Os cidadãos de qualquer país têm de se submeter ao Estado. E o aparelho estatal é uma instituição burocrática. O fato é que governantes eleitos vão e vêm. Porém, a burocracia – o centro do poder, segundo Weber – permanece no cotidiano da administração pública.

Max Weber em 1894. Foto: Wikimedia Commons.

O problema é que todo poder tende a querer aumentar seu poder. E a máquina burocrática não escapa dessa lógica. Sofre uma inclinação natural para transformar a si mesma em um fim e não num meio para prestar bons serviços à população. Trata-se de um ímpeto de avançar sobre a sociedade.

A solução está na democracia. Mas numa democracia forte

Weber vê nisso uma ameaça para a democracia. Mas ele diz que as próprias instituições democráticas tem a solução: a sociedade pode controlar a máquina burocrática por meio de seus representantes eleitos. Ou seja, pelos políticos.

O Parlamento, por exemplo, dispõe de instrumentos legais para conter o ímpeto de avanço da burocracia. Pode convocar servidores e autoridades para se explicarem. Pode requisitar documentos. Mas o mais importante deles é a caneta para definir o orçamento. Trocando em miúdos: pode cortar a verba que alimenta os burocratas.

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Contudo, o sociólogo alemão diz que há uma condição imprescindível para que o Parlamento, os governantes, os partidos e a política de um modo geral possam domar a burocracia: eles não podem ser fracos.

Nesse ponto, a teoria weberiana pode ser útil para explicar como o funcionalismo brasileiro capturou o orçamento – ou seja, o dinheiro do contribuinte. Há muito tempo os políticos, por conta própria, caminharam rumo ao descrédito diante da população. A política se diminuiu. E a burocracia cresceu e ocupou esse espaço. Junto, levou um elevado quinhão da riqueza do país.

1% da população (os burocratas) fica com 22% do orçamento

O fato de que apenas 1% da população (os 2,2 milhões de servidores federais) consome 22% do orçamento da União é o exemplo mais acabado do avanço da burocracia sobre a sociedade.

A folha do funcionalismo custou R$ 283 bilhões em 2017 ao contribuinte. É muito mais que o governo gastou com saúde: pouco mais de R$ 100 bilhões (excluindo, obviamente, os salários dos servidores da área). O gasto com os salários dos servidores também deixa o Bolsa Família comendo poeira. O principal programa para tirar brasileiros da miséria consumiu apenas 2,3% das despesas primárias federais em 2017. E também é muito superior ao que foi gasto em obras do Programa de Aceleração do Investimento (PAC): 1,53% da despesa primária.

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Além disso, o avanço da burocracia sobre o orçamento federal se materializa em outros números. De 2011 a 2016, as despesas com pessoal e encargos sociais do governo federal cresceram 42,13%, segundo dados do Ministério do Planejamento.

A distorção brasileira: salários altos e poucos servidores

Normalmente, as entidades que defendem os servidores costumam argumentar, em seu favor, que são eles que prestam os serviços públicos à população. Portanto, seria natural que uma parcela elevada do orçamento seja consumida com a folha de pagamentos.

O problema é que o cidadão, em geral, não se sente bem atendido pelo poder público – ainda que o Brasil gaste com o funcionalismo uma parcela do PIB maior que nações ricas, que costumam ter bons serviços estatais.

Estudo do Banco Mundial divulgado no ano passado mostra que, em 2015, 13,1% do PIB brasileiro destinava-se ao pagamento de servidores públicos em todos os níveis de governo (municípios, estados e União). É quase o mesmo que a França (12,9% do PIB) – nação reconhecida por serviços públicos que funcionam. E muito acima de outros países ricos – Austrália (9,6%) e Estados Unidos (9,2%), por exemplo. Também é bem maior do que nações em desenvolvimento, como o Chile (6,4%).

Por outro lado, o Banco Mundial mostrou que, na média, há poucos funcionários públicos no Brasil: 5,6% da população. Os países integrantes da OCDE (grupo que reúne as nações desenvolvidas) têm na média quase 10% de seus habitantes no serviço público, embora gastem até menos que os brasileiros com o funcionalismo. Ou seja, se seguisse os padrões internacionais de gasto com servidores, o país poderia de ter quase o dobro de pessoas para prestar serviços à população.

Esses números são explicados pelos altos salários pagos a muitas categorias do funcionalismo – o que torna o gasto médio com o servidor da União muito elevado. Pesquisa de 2017 do Centro de Políticas Públicas do Insper revela que o funcionário público federal ganha, dependendo de seu grau de instrução, de 59% a 93% a mais do que um trabalhador da iniciativa privada com formação, experiência e posição no emprego equivalentes. Essa diferença a favor do servidor é muito maior do que em nações como Dinamarca (14% a mais para os funcionários públicos), Alemanha (10%), França (10%) e Reino Unido (0% de diferença entre o setor público e privado).

Outros números explicitam como a burocracia brasileira avançou sobre o cidadão. Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019, o salário médio dos servidores do governo federal é de R$ 9.258 mensais. No Judiciário federal, a remuneração média é de R$ 9.968; enquanto no Ministério Público chega a R$ 11.821. No Congresso, atinge estratosféricos R$ 18.605. Por outro lado, o rendimento médio do trabalhador brasileiro é de cerca de R$ 2,1 mil, de acordo com a pesquisa Pnad Contínua, do IBGE.

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