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Ilustração: Felipe Lima
Ilustração: Felipe Lima| Foto:

Quando um não quer, dois não brigam – diz o ditado. O que implica que, se a dupla quer peleja, inevitavelmente ela sai. Com as democracias, é mais ou menos assim. O lado “menos” desse mais ou menos: o autoritarismo sempre é imposto a quem não o deseja. Agora, o lado “mais”: se ninguém quer um regime democrático, ele não resiste.

O alerta é necessário porque o país entrou numa espiral de radicalismo, tanto à direita quanto à esquerda, que levou esta eleição presidencial a ser, no imaginário popular, uma escolha sobre o modelo de autoritarismo que o eleitor deseja: uma ditadura militar ou bolivariana. O radicalismo de um lado alimentou o do outro. E agora o Brasil está numa encruzilhada em que precisa quebrar esse círculo vicioso para que não veja a profecia se autorrealizar.

A última vez em que o país mergulhou no autoritarismo, em 1964, foi assim. Direita e esquerda brincaram com a democracia. Todo mundo desconfiava de todo mundo. Deu no que deu.

Relembrar 1964 é importante não apenas porque Jair Bolsonaro é um defensor do regime militar. Mas também porque o PT, em grande medida, lembra a esquerda brasileira daquele período. E porque muitas condições que produziram o golpe se assemelham ao que o país tem hoje.

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Aos antecedentes: em 1961, o então presidente Jânio Quadros renunciou. Era uma tentativa de “autogolpe” (curiosamente, esse termo reapareceu no vocabulário político nesta eleição pela boca do vice de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão). O plano de Jânio seria usar a renúncia para exigir superpoderes do Congresso – que iria preferir isso a ver o vice esquerdista João Goulart, o Jango, assumir o Planalto.

Só que não. O Congresso aceitou a renúncia. Mas deu um “jeitinho” legal para driblar o “risco Jango”: instituiu o parlamentarismo no Brasil. Aliás, para muita gente, o impeachment de Dilma, com base nas pedaladas fiscais, foi apenas um “jeitinho” constitucional para tirá-la da Presidência por causa da crise econômica e da Lava Jato.

Voltando aos anos 60. O parlamentarismo não resolveu os problemas do país (tal como o governo Temer nos dias atuais). E, em 1963, o presidencialismo foi restabelecido por meio de um plebiscito.

Jango começou seu governo de fato com medidas de esquerda, como a limitação das remessas de lucros das multinacionais ao exterior. Achou ainda que poderia aprovar suas reformas de base, que arrepiavam a direita. Mas não podia. O Congresso e grande parte da sociedade eram contra.

Não dava para fazer. Mas Jango quis impô-las. E se radicalizou. Recorreu às massas e a grupos esquerdistas que defendiam as reformas “na lei ou na marra”. Também fez acenos aos praças militares – colocando a cúpula das Forças Armadas em alerta pelo risco de insubordinação.

Aliados de Jango jogavam mais lenha na fogueira. O líder comunista Luiz Carlos Prestes passou a defender a reeleição de Goulart – o que era proibido pela Constituição. Cunhado de Jango, o governador gaúcho Leonel Brizola usava a rádio para conclamar a população a emparedar os parlamentares pela aprovação das reformas. E, pior, articulava a criação do Exército Popular de Libertação para promover uma “guerra revolucionária”. A tudo isso se somava a existência das Ligas Camponesas, que passaram a receber dinheiro e treinamento de guerrilha sob o patrocínio do ditador cubano Fidel Castro.

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A direita brasileira tinha convicção de que Jango preparava um golpe comunista no país. O general Amaury Kruel, amigo do presidente, aconselhou-o a romper publicamente com o movimento sindical e a fazer uma declaração contra o comunismo para pacificar o país. Goulart se recusou. “General, eu não abandono meus amigos. Se fizer isso, demonstro medo. E, com medo, não se governa o país. E tu sabes muito bem que eu não sou comunista!”, disse.

Jango não cedeu. E selou seu destino. As Forças Armadas deram o golpe com apoio de grande parte da população – que havia dado demonstrações disso em grandes manifestações contra o governo de Goulart.

Após o impeachment de Dilma, o PT também se radicalizou como Jango havia feito cinco décadas antes. Atacou sem dó qualquer instituição que tenha contrariado seus interesses: imprensa, Ministério Público, Justiça, Polícia Federal. Convocou os movimentos sociais a defender a sigla nas ruas. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, reavivou a desconfiança sobre as intenções autoritárias dos petistas ao elogiar a revolução comunista da Rússia e os regimes ditatoriais de Cuba e da Venezuela.

Tudo só piorou quando o PT incluiu no plano de governo de Lula (posteriormente, de Fernando Haddad) as propostas de promover o controle social da mídia (rotineiramente visto como uma tentativa de cercear a imprensa livre) e de uma nova Constituição (uma suposta cópia do roteiro bolivariano de implantação da uma ditadura). Nesse ponto, da Constituinte, pelo menos Haddad disse ter revisto sua posição.

Ainda assim, tal como Jango em 1964, o PT não cedeu na essência de seu projeto de poder. Quis ter candidato próprio a presidente. Não está disposto a admitir publicamente o grande esquema de corrupção que promoveu. E tampouco se dispõe a abandonar o “amigo” Lula.

Bolsonaro e seu extremismo não seriam tão grandes se não fosse o PT. O medo de um radicalismo alimentou o outro.

Mas o país ainda é uma democracia. Seja o que acontecer daqui para a frente, a sociedade ainda pode pressionar os dois polos a abandonarem suas ideias extremistas. Mais radicalismo, afinal, só vai gerar mais radicalismo. De ambos os lados.

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