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Foto produzida pela equipe de Lula, durante a caravana pelo Nordeste: estética religiosa, do "santo" que é tocado pelo povo. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Foto produzida pela equipe de Lula, durante a caravana pelo Nordeste: estética religiosa, do "santo" que é tocado pelo povo. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula| Foto:

O ex-presidente Lula está transformando o PT numa espécie de seita religiosa em que ele é o “deus” a ser venerado. A imersão de Lula no messianismo não é de hoje. Mas se intensificou desde janeiro, quando ele foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) e ficou cada vez mais próximo de ser preso. Desde então, ele vem dizendo que não é mais um ser humano. Que virou uma ideia. Que vai viver nos outros, mesmo morto ou preso.

Ao que tudo indica, trata-se de uma estratégia de comunicação muito bem pensada para estimular em seus seguidores algo que pode mover montanhas: a fé. Além disso, um “deus” não pode ser questionado pela razão; ele é o portador da verdade revelada.

Caravana pelo Nordeste explorou a estética religiosa do “pai” Lula

Em agosto do ano passado, o PT já havia buscado construir uma imagem de Lula associada à santidade durante a caravana do ex-presidente pelo Nordeste. Lula era tratado no material de divulgação do partido como o “pai” dos nordestinos. E a produção das imagens da caravana abusou da estética religiosa. Várias fotos da turnê de Lula mostravam o petista sendo “tocado” pelo povo – tal qual os fiéis buscam tocar na imagem de santos nas procissões.

Um mês depois, em setembro, o ex-ministro Antonio Palocci, preso pela Lava Jato, cantou a bola.  “Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”, questionou Palocci em sua carta de desfiliação do PT.

Lula: “Eu não sou eu. Eu sou a encarnação de um pedacinho de célula de cada um de vocês”

Desde então, o próprio Lula assumiu o discurso messiânico, que tem sido cada vez mais comum nos seus pronunciamentos. Chama a atenção que ele insistentemente tem repetido que é um ser humano diferente. Ou mesmo que não é mais um ser humano, pois agora transcende seu próprio corpo e a mortalidade para viver, mesmo preso ou morto, em cada um de seus “fiéis” – numa comunhão mística com seu povo escolhido.

“Eles [os adversários do PT] estão lidando com um ser humano diferente. Porque eu não sou eu. Eu sou a encarnação de um pedacinho de célula de cada um de vocês”, disse Lula à militância petista num inflamado discurso em Belo Horizonte (MG), em fevereiro.

A “divindade” inevitável: o rio que corre para o mar. E mais: “Não sou mais um ser humano”

Em março, no encerramento de sua caravana pela Região Sul, num discurso em Curitiba (PR), o ex-presidente até reconheceu ser uma pessoa comum. Mas logo depois, se contradisse, e voltou a se colocar na posição de divindade. Uma divindade inevitável: o rio que corre para o mar.

“Eles acham que sou eu o problema desse país. Eles não sabem que o Lula é apenas um ser humano, feito de carne e osso – igual a vocês. O que eles não sabem é que já tem milhões e milhões de mulheres que pensam como o Lula e de homens que pensam como o Lula (…). Nós não somos iguais a um punhado de osso e de água e um pouquinho de carne. Nós somos uma ideia. Eles não conseguirão prender as ideias e não conseguirão prender os sonhos. E quando eles acharem que eu não posso mais andar para fazer política, eu andarei pelas pernas de vocês por esse país. O que eles não sabem é que, quando vão tentar fazer com que as minhas ideias não viajem por esse mundo, eu pensarei pela cabeça de vocês pelo Brasil inteiro. Quando eles acharem que vão me calar, eu falarei pela boca de vocês no mundo inteiro. Então a melhor coisa que pode acontecer é eles deixarem o rio tranquilamente correr para o mar. E o rio correr para o mar é eles aceitarem a derrota que nós vamos impor a eles em outubro deste ano.”

No sábado passado (7), antes de se entregar para a Polícia Federal, Lula voltou ao misticismo em seu discurso em São Bernardo do Campo (SP). “Não adianta achar que tudo vai parar no dia que o Lula tiver um enfarte. É bobagem porque o meu coração baterá pelo coração de vocês e são milhões de corações. Não adianta eles acharem que vão fazer com que eu pare. Eu não pararei. Porque eu não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia. Uma ideia misturada com a ideia de vocês.”

Os dois objetivos do discurso messiânico de Lula

O discurso messiânico de Lula atende ao mesmo tempo a dois objetivos do ex-presidente e do PT. O primeiro é engajar os militantes e apoiadores numa causa maior. O sofrimento de Lula, por meio da “comunhão mística” deles com o ex-presidente, passa a ser a dor de todos. A consequência inevitável de quem aderiu a essa relação é pensar: “Mexeu com ele, mexeu comigo”. Pronto: assim Lula constrói uma legião de fiéis prontos a defendê-lo – muitas vezes com fanatismo. As agressões de petistas a jornalistas que cobriam a prisão de Lula é um exemplo disso.

O segundo objetivo é, ao estimular a fé e a emoção, tirar o foco da razão. Do ponto de vista racional, não há como fechar os olhos para o gigantesco esquema de corrupção que funcionou nos governos do PT descoberto pela Lava Jato. Pode-se discutir (racionalmente) se há provas contra Lula e se ele deveria ter sido condenado. Mas é impossível negar a corrupção e, no mínimo, que ele tem responsabilidade política pelos desvios de recursos que ocorreram na sua administração.

Mas admitir isso não interessa ao PT. O problema é que, com poucas armas racionais à disposição e com uma inabalável postura de negar o inegável, o que restou ao partido e a Lula? O irracional, o místico, o religioso, o emotivo. Afinal, como disse o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855): “A fé começa precisamente onde acaba a razão”.

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