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Super-Moro (ou seria Batmoro?) contra a corrupção: o ex-juiz atrás da capa de super-herói
| Foto: Ilustração: Felipe Lima/Thapcom

É assim desde os tempos imemoriais. Os medos e desafios humanos costumam assumir a forma de monstros nos mitos e histórias.

Dragões aparecem em quase todas as culturas de todos os tempos. Originalmente descritos como enormes serpentes aladas, possivelmente eles têm a ver com o temor natural das cobras. Frankenstein é fruto de um medo que começa a surgir no século 19: o de que os cientistas podem criar monstruosidades ao brincar de Deus, tentando criar vida. Godzilla, o réptil marinho que se tornou gigante após ter sido exposto a uma explosão nuclear, é uma criação japonesa de pouco depois da II Guerra, quando o país ainda estava amedrontado com os efeitos da radiação das bombas atômicas lançadas sobre Hiroxima e Nagasáki.

Por outro lado, as esperanças de cada sociedade costumam ser personificadas nos seus heróis – pessoas reais ou fictícias que servem de inspiração nos momentos difíceis.

O guerreiro Aquiles e o navegador Ulisses representam os desafios cruciais para a sobrevivência da antiga Grécia: as guerras e o comércio marítimo. O pequeno Davi diante do gigante Golias simboliza a situação dos hebreus à sua época: um povo pequeno cercado por impérios grandiosos como o egípcio e o babilônico.

Outra característica típica da humanidade é comparar gente de carne e osso com heróis, numa projeção de seus atributos e qualidades no mundo cotidiano. Foi o que ocorreu com o ex-juiz Sergio Moro. No imaginário de uma parcela muito expressiva da população, ele virou o herói da luta contra o monstro da corrupção.

Logo após o início da Lava Jato, um boneco inflável de Moro vestido de Super-Homem virou figurinha carimbada em manifestações de rua. Mais recentemente, em julho, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, comparou o ex-juiz ao Batman.

Boneco inflável de 20 metros de Sergio Moro vestido como Super-Homem.
Boneco inflável de 20 metros de Sergio Moro vestido como Super-Homem.| Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Ainda que de forma inconsciente, a mudança nas comparações – do Superman para o Homem-Morcego – é um retrato fiel de como boa parte da opinião pública via e passou a enxergar Moro. E isso tem a ver com a personalidade tanto do Super-Homem quanto do Batman – o que, por sua vez, se relaciona com as esperanças e medos que estão na gênese dos dois personagens.

Superman é um produto dos Estados Unidos da década de 1930. O país passava pela Grande Depressão, após o crash da Bolsa de Nova York em 1929. O desemprego estava altíssimo e atingia ainda mais duramente os imigrantes que haviam chegado ao país nas décadas anteriores. No entanto, uma parte da elite continuava a enriquecer e a esbanjar seu dinheiro – obtido a partir da exploração dos pobres, na visão de grande parte da população.

Nesse cenário, surge nas páginas dos quadrinhos um super-herói que veio de fora, como os imigrantes – no caso, de bem mais longe, o planeta Krypton. Embora forasteiro, ele cultiva e pratica os valores caros aos americanos, que aprendeu com seus pais adotivos: honestidade, verdade, justiça. E usa seus poderes sobre-humanos para defender o homem comum. Foi um sucesso imediato.

Batman também é fruto da Grande Depressão e das aflições e esperanças dos americanos dos anos 30. Mas, nesse caso, trata-se de outro medo: a violência urbana. Gângsteres e criminosos tiravam a paz dos cidadãos nas grandes cidades. E a polícia não conseguia combatê-los.

O Homem-Morcego foi a resposta ao anseio por segurança. Ainda na infância, após ter seus pais assassinados na sua frente, num assalto, faz um juramento: caçar todos os criminosos para que sua tragédia familiar não se repita com mais ninguém. Então, ele fantasia-se de uma criatura das sombras. E sai à noite para bater em bandidos. Essa história também falou ao íntimo dos americanos. E foi um sucesso de público.

As diferenças entre os dois heróis são evidentes. O Super-Homem não usa máscara. É do dia. Um idealista. O típico bom moço. Para usar um termo da psicanálise, é o alter-ego, a melhor versão de todo ser humano. Por sua vez, Batman esconde seu verdadeiro rosto. É da noite. Está muito mais perto das pessoas comuns, com qualidades mas também defeitos e conflitos interiores. Atormentado pelo seu passado, exibe um lado sombrio. E tem uma visão muito própria de como obter a justiça, nem que seja com as próprias mãos. É o ego.

E aqui entra de novo Sergio Moro. O juiz da Lava Jato foi visto por muito tempo sem mácula alguma por expressiva parcela dos brasileiros. Um exemplo de retidão a ser seguido. Era um Superman. Mas os vazamentos do site Intercept indicaram que Moro pode não ter seguido a lei à risca em sua luta contra a corrupção. Sob essa ótica, ele está mais para Batman. Quem o vê desse modo até admite que seus métodos podem ser questionados, mas destacam que isso é irrelevante para o bem que fez.

A questão é que as leis não estão escritas nos mitos nem no imaginário coletivo. Elas têm efeitos no mundo real. E Moro, com toda a importância e exposição que tem, inevitavelmente terá de assumir o ônus de seus atos. Afinal, grandes poderes trazem grandes responsabilidades – como diria o lema que inspira outro super-herói, o Homem-Aranha.

PS.: para quem tem interesse em entender quais são as origens dos personagens de quadrinhos e filmes, o documentário Super-Heróis Decifrados, do History Channel, é uma ótima dica. São dois episódios.

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