A costureira norte-americana Rosa Parks (1913-2005) era uma introvertida clássica. Tímida. Reservada. De fala mansa. Mas virou um ícone mundial da luta pelos direitos civis. Mudou o rumo da história.
Em 1955, recusou-se a ceder o assento do ônibus a um branco que estava em pé. Outros três negros, como ela, aceitaram se levantar. Rosa não. Apenas agiu. Foi presa. Mas a firme resistência da costureira inspirou uma onda de manifestações que varreu os Estados Unidos e implodiu a política segregacionista do país.
Rosa Parks ajudou a combater a desigualdade com que os negros eram (e ainda são) tratados sem recorrer a grandes discursos, e sim à ação determinada. Contudo, é possível que ela própria tenha sido alvo de outro preconceito, silencioso, que até hoje pouco é falado e enfrentado: a discriminação contra os introvertidos, os reservados, os quietos.
Extroversão e introversão são atributos de personalidade. De um modo simples, pode-se distinguir um de outro por meio da forma como a pessoa “recarrega suas baterias”. Tem gente que precisa de socialização, encontrar-se com mais pessoas. Outros preferem ficar quietos; buscar seu mundo interior, do pensamento. A introversão costuma ser tratada como timidez. Mas esta é algo diferente: trata-se do medo de ser rejeitado pelo que é ou pelo que se faz. Não necessariamente o introvertido é tímido. Tampouco antissocial. Ele só precisa de um tempo sozinho. Que pode ser maior ou menor.
Porém, embora possa ser tão valoroso como o extrovertido, o introvertido rotineiramente é tratado como um cidadão de segunda classe. A escritora norte-americana Susan Cain, no best-seller O Poder dos Quietos, descreve como o mundo ocidental sobrevaloriza a extroversão e subestima a capacidade dos introvertidos – Rosa Parks é o exemplo com que ela abre o livro. Segundo a autora, criou-se um ideal de extroversão que despreza os valores da introversão: a reflexão, a capacidade de ouvir os outros, a sensibilidade interior.
A introversão até mesmo é vista em muitas ocasiões como uma espécie de doença. Quem nunca viu terroristas ou assassinos em série serem descritos no noticiário como “quietos”? Por acaso alguém lembra, alguma vez, de eles terem sido tratados como “expansivos” quando tinham essa característica?
O resultado desse preconceito é que extrovertidos tendem a ocupar mais postos de comando. Nada contra eles. Contudo, os bem-falantes também erram, ainda que por vezes tenham um belo discurso na ponta da língua com que seduzem seus liderados e os conduzem ao fracasso. Isso é especialmente problemático na política contemporânea: o descolamento entre fala e conduta.
Mas como se chegou a isso? Susan Cain tem uma explicação histórica. Até o século 19, o Ocidente ainda era essencialmente rural. As pessoas viviam em comunidades pequenas. Todos se conheciam. Nesse mundo, pouco importava se alguém era introvertido ou extrovertido. A régua social era o caráter – os traços pessoais relativos à maneira de agir: honestidade, empenho no trabalho, honradez.
Quando a sociedade migrou do campo para as cidades, que se transformaram em territórios onde ninguém se conhecia, o caráter perdeu força e emergiu o culto à personalidade – o conjunto de características que distinguem uma pessoa de outra. E, mais especificamente, passou-se a celebrar a personalidade extrovertida. Para se dar bem nas grandes aglomerações urbanas, sobretudo na esfera profissional, era preciso saber “vender”, inclusive a própria imagem. Ou seja, era necessário falar bem.
A distinção entre o culto ao caráter e a celebração da personalidade é que o primeiro dava ênfase ao modo de agir – algo que qualquer um pode mudar. O segundo valoriza um atributo que muitas vezes é inato e nem sempre é passível de alteração. Além disso, no caso da extroversão, o foco acabou ficando muito mais na comunicação do que na conduta.
Isso pode ser um problema. Que, aliás, tem um antídoto que é ensinado pela velha sabedoria dos avós: não importa tanto o que as pessoas dizem; no fundo o que vale é o que elas fazem. Sejam extrovertidas. Ou introvertidas.
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