A teoria dos jogos, um ramo do estudo da lógica matemática, vem sendo usada há algumas décadas para avaliar quais são as melhores e piores decisões quando pessoas competem entre si para melhorar seus ganhos. O foco inicial era a economia. Mas logo a teoria passou a se debruçar sobre estratégias geopolíticas e militares. Hoje, é utilizada nas mais variadas áreas do comportamento humano. E pode ser útil para compreender a democracia, a atual polarização política e as atitudes mais adequadas para o bem da coletividade.
O “dilema do prisioneiro” é um experimento da teoria dos jogos particularmente interessante para analisar regimes democráticos, bem como a radicalização política contemporânea. Embora esse exercício de lógica use dois criminosos como personagens, o dilema se aplica a qualquer cenário em que pessoas têm diante de si a opção de colaborar com os adversários em busca de um resultado que seja aceitável para todos ou de pensar apenas em si para obter um ganho individual maior. Como a política é uma disputa entre grupos de interesse com impactos sobre a sociedade inteira, essa é uma boa ferramenta de análise.
O dilema do prisioneiro consiste no seguinte cenário: a polícia prende dois comparsas de um crime e os encarcera em celas separadas para que não possam se comunicar. Como as provas contra eles são fracas, a alternativa para os policiais obterem uma condenação mais pesada é por meio de uma confissão ou delação.
Então, a polícia oferece aos dois um mesmo acordo. Se confessar o crime e testemunhar contra o outro, poderá ser posto em liberdade ou ter de cumprir cinco anos de prisão, dependendo da atitude que seu parceiro vier a tomar. Ele estará livre se o outro não colaborar com as investigações e ficar quieto. Nesse caso, o criminoso que optou pelo silêncio pega dez anos de prisão. Na outra opção, os dois colaboram entregando o cúmplice e dividem a pena: cinco anos de detenção para cada um. Há uma última possibilidade: se ambos ficarem calados, eles só poderão ser condenados a seis meses de detenção com as provas disponíveis.
Do ponto de vista lógico, a melhor solução para ambos – o grupo – seria nenhum deles abrir a boca (ou seja, eles cooperarem entre si). A punição é relativamente baixa: as penas somadas são de um ano de prisão, contra dez nas demais alternativas. Individualmente, o melhor seria delatar e não ser delatado. Mas o problema é que os dois sabem dessa condição e dificilmente vão apostar que o outro ficará quieto. O resultado é uma tendência a ocorrer uma traição mútua, que levará ao pior cenário para o grupo: o maior número de condenados com a maior punição possível (na soma das duas penas).
Nos anos 1980, o cientista social norte-americano Robert Axelrod usou o dilema do prisioneiro para investigar os efeitos da cooperação e das atitudes mais egoístas e individualistas numa comunidade. Axelrod testou qual seria a melhor estratégia de vitória em jogos desse tipo. Programadores de softwares foram convidados para a disputa. Cada programa jogou contra outros softwares num campeonato com 200 partidas para cada jogador.
O modelo matemático vitorioso bateu softwares extremamente complexos com uma programação simples, de apenas quatro linhas. A tática – batizada de tit for tat (expressão inglesa que significa “olho por olho” ou “na mesma moeda”) – consistia em sempre começar o jogo com uma atitude amigável para depois, nas rodadas seguintes, invariavelmente repetir o lance anterior do adversário.
Se houvesse cooperação e atitude amistosa, isso seria mantido. Mas se o oponente buscasse seu próprio benefício individual, como no caso de uma traição, haveria retaliação na mesma intensidade. Mas, caso o outro se arrependesse e viesse a adotar uma postura cooperativa, ele seria perdoado. E receberia essa mesma atitude de retribuição.
Axelrod analisou os resultados do experimento no livro A Evolução da Cooperação, lançado em 1984. A conclusão não chega a surpreender: a cooperação sempre é mais benéfica para a coletividade do que estratégias não colaborativas, egoístas e individualistas. Uma comunidade saudável, enfim, não pode ser constituída majoritariamente por pessoas que só pensam em si mesmas.
Mas há minúcias menos evidentes. Um detalhe importante é que o software do “olho por olho” não venceu todos os embates; foi o que conseguiu a melhor média de pontuação no campeonato. Ou seja, não existe sistema perfeito. Às vezes, o individualismo, o egoísmo, a trapaça serão mais eficazes – embora a melhor estratégia de longo prazo para obter maiores ganhos individuais seja apostar na cooperação.
A tática vitoriosa tampouco é 100% cooperativa e amistosa, apesar de essa ser sua essência. O modelo “olho por olho” mistura atitudes diferentes. É “justa” (alguns classificam de “vingativa” ou “punitiva”) porque retribui o erro, a traição e o comportamento negativo do adversário com uma punição. Mas também é “generoso” ao perdoar o oponente quando ele reconhece que errou. Por fim, a estratégia de sucesso também é “transparente e previsível”: o outro consegue identificar claramente quais são as regras de conduta com as quais está lidando.
É possível traçar paralelos entre o modelo matemático de sucesso e a democracia. Os regimes democráticos assentam-se numa cooperação social baseada em direitos e deveres e na negociação para resolver problemas. A justiça – punição de quem desrespeita as regras de convivência – é outro de seus pilares. A transparência e a previsibilidade de regras também são características dos países democráticos que deram certo. Não é coincidência que as nações mais desenvolvidas econômica e socialmente na “competição global” sejam democracias, embora em alguns momentos e em casos específicos haja ditaduras vitoriosas.
A estratégia de sucesso no dilema do prisioneiro também serve de alerta para as ameaças da polarização e da radicalização política atuais. Com dois lados sem disposição de colaborar com o oponente, enxergando-o como um inimigo a ser eliminado, corre-se o risco de uma guerra política em que todos serão prejudicados.
-
Meta fiscal mais frouxa do governo Lula piora expectativas e mercado joga juros para cima
-
Moraes é convidado especial de Pacheco em apresentação de proposta de Código Civil
-
Conflito com Moraes e governo lança holofotes sobre os negócios de Elon Musk no Brasil
-
Pontes, blindados e gasoduto: Argentina quer relação pragmática, mas sem elo entre Lula e Milei
Comandante do Exército defende atuação do general Dutra no 8 de janeiro
O mais novo ataque à Lava Jato e a disputa entre Barroso e Salomão no CNJ
Governo de São Paulo propõe parceria com iniciativa privada para construção de 33 escolas
STF pode, enfim, proibir políticos de nomear parentes para cargos de alto escalão
Deixe sua opinião