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Três formas filosóficas de viver a pandemia
Ilustração: Felipe Lima| Foto:

A postura que as pessoas adotam em relação à pandemia do coronavírus diz muito sobre quem elas são. Revela sua filosofia de vida. E isso não é modo de dizer. Trata-se de filosofia mesmo. Milênios atrás, os antigos pensadores gregos (sempre eles!) sistematizaram formas de encarar o mundo que se encaixam como uma luva no comportamento que assumimos diante dessa imensa crise sanitária que vivemos, ainda que nem passe por nossas cabeças discutir filosofia no momento atual.

Há escolas filosóficas para todos os gostos e atitudes frente à pandemia de Covid-19. Cada um de nós tem muito de pelo menos uma delas. E então? A qual escola filosófica você se filia? São três principais opções:

Hedonismo: “Dane-se! Vou sair!”

Sim, a busca do prazer como finalidade última da existência humana é uma escola filosófica nascida na antiga Grécia. O hedonismo (palavra derivada do grego hedonê: "prazer", "vontade”) foi fundado por Aristipo de Cirene (435-356 a.C.), discípulo de ninguém menos do que Sócrates.

Aristipo e seus seguidores argumentavam que a única coisa que existe de real é o momento presente. O passado já não existe mais. E, no futuro, nada se vive. Então, a felicidade só pode ser alcançada pela fruição do agora. E isso se dá pela diminuição da dor e pela busca do prazer – qualquer prazer.

Nos dias de hoje, o hedonista típico é aquele que, podendo ficar em casa e apesar do risco de contrair coronavírus, grita alto e em bom som: “Dane-se! Vou viver a minha vida”. E sai por aí como se não houvesse amanhã. Conter-se não é com os hedonistas. O isolamento, afinal, é uma forma pesadíssima de moderação dos desejos; ninguém quer ficar “preso” em casa.

Epicurismo: “Beba com moderação”

Fundado por Epicuro de Samos (341-271 ou 270 a.C.), o epicurismo é uma escola filosófica também conhecida como “O Jardim” (porque seus adeptos se reuniam num jardim de Atenas). É uma espécie de hedonismo light, um hedonismo domado.

Tal qual os hedonistas, os epicuristas também afirmavam que a dor é o mal maior da vida; e o prazer, o bem supremo. Então, a chave da felicidade seria a ausência de sofrimento e a vivência dos prazeres.

Mas não todos os prazeres. E sim aqueles “simples” e “sábios”, que levam tranquilidade para a mente e o corpo, pois há prazeres cuja busca tende a criar sofrimento e angústia (casos da riqueza, status, beleza física). São exemplos de prazeres simples: ter uma conversa com um amigo; ler um bom livro; alimentar-se quando se tem fome; beber quando se está com sede. Tudo sempre com comedimento. O epicurismo, aliás, se parece com os comerciais de cerveja: “Beba com moderação”.

Um ponto muito importante para os seguidores dessa escola filosófica é o cuidado com a saúde. A doença traz dor – algo do qual eles fogem como o diabo da cruz. Mas, para o epicurismo, esse zelo com a saúde não deve ser motivado pelo medo da morte. Porque o próprio medo é um sofrimento. E, segundo os epicuristas, a morte é o fim da vida, o nada. E não se deve preocupar com o nada. Uma máxima epicurista diz: “Quando nós existimos, a morte não existe. E quando a morte existe, nós não existimos” (sim, essa escola filosófica é materialista).

Um bom epicurista contemporâneo, portanto, é alguém que, enquanto a vida não volta ao normal, tenta “driblar” as dificuldades da pandemia apreciando as pequenas coisas boas que estão a seu lado. É um sujeito que se cuida para não pegar o coronavírus – embora (porque ninguém é de ferro!) até possa sair de casa de vez em quando, com todas as precauções, para dar uma espairecida. E – talvez o mais difícil – é alguém que tenta não se estressar pensando no risco de contrair e morrer de Covid-19.

Estoicismo: “Aceita que dói menos”

O estoicismo é uma palavra que deriva do termo grego stoa, que significa “pórtico”. Era num local assim de Atenas que seus primeiros adeptos se reuniam. A escola, fundada por Zenão de Cítio (333-263 a.C.), foi muito popular no mundo mediterrâneo por séculos. Teve inclusive um imperador romano como um de seus principais seguidores: Marco Aurélio (121-180 d.C.).

Os estoicos dizem que temos de viver de acordo com a ordem natural e nos adaptar ao ambiente que nos cerca – aceitando tanto o que vem de bom como o aquilo que é ruim. Para os estoicos, de modo radicalmente oposto aos hedonistas e epicuristas, a felicidade não depende de coisas externas que nos dão prazer ou nos afastam da dor. Simplesmente porque não se pode controlar aquilo que nos é externo, que não está ao nosso alcance. Essa busca de ter o controle de algo além de nossos pensamentos e atitudes é causa de mais dor, ansiedade, expectativas frustradas.

Ou seja, por mais paradoxal que possa parecer, para os estoicos felicidade reside na aceitação da dor e das agruras que inevitavelmente vão nos atingir. É o famoso “Aceita que dói menos”. Muitos veem nessa postura um fatalismo, conformismo. O verdadeiro estoico dirá que é resiliência diante das dificuldades.

Mas o estoicismo não fica apenas na aceitação das contingências externas. E sim principalmente na atitude interna que cada um tem diante dos problemas.

Por exemplo: para um estoico, é melhor aceitar a existência da pandemia e das limitações que ela nos causou do que negá-las ou criar a falsa expectativa de que muito rapidamente tudo vai voltar a ser como antes. Ele também tenta se manter calmo nessa situação e age de acordo com o que o momento pede: mantém o isolamento e distanciamento social, sai de casa só quando é estritamente necessário, coloca a máscara, lava as mãos, usa álcool em gel. E não tenta “driblar” ou fugir das limitações que a pandemia de Covid-19 nos impôs. Pelo contrário, busca fazer disso uma oportunidade de aprender algo novo e ser uma pessoa melhor.

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