Fernando Schüler

Fernando Schüler
Meu amigo chileno
- [24/10/2019] [00:01]

- [24/10/2019] [00:01]
Logo que estourou a crise chilena, liguei para um velho amigo, professor da Universidade Adolfo Ibáñez, em Santiago. Sujeito prudente, acadêmico de primeira e profundo conhecedor da política chilena. Abatido com a crise, ele sugeriu alguns caminhos, mas reconheceu: “está todo muy convulsionado todavía, falta un tiempo para poder hacer un análisis pausado”.
Horas depois percebi que não precisava me preocupar. A algazarra digital, aqui pelos trópicos, já havia explicado tudo. Pela rapidez das análises, desconfio que tudo já era sabido mesmo antes dos protestos.
À direita, referências difusas ao Foro de São Paulo (sempre ele) ou à inconformidade da esquerda com a última derrota eleitoral; à esquerda, a resposta quase unânime: a desigualdade. A chave que abre qualquer porta, nos dias que correm. Alguns ainda culpavam a previdência chilena. O sujeito tem 18 anos, sente que terá um problema aos 60 e decide saquear o Walmart ou ir à rua com um coquetel molotov, para explodir o metrô de Santiago.
Parece evidente que vivemos uma era de instabilidade, que a internet reduziu brutalmente o custo de organização política
Explicações desse tipo não valem muita coisa. Elas são o feijão com arroz da guerra política de todos os dias. O fato é que não sabemos precisamente o que se passa, e não é a primeira vez. Alguém por acaso sabe o porquê das manifestações de rua de 2013 no Brasil? Especulações há de sobra, e é fácil narrar aqueles episódios todos, mas explicar é algo inteiramente diferente.
Parece claro que estamos diante de um fato novo, nas democracias, ou ao menos em uma escala nova, que é a explosão periódica e caótica de movimentos de rua, sem comando organizado e sem conexão necessária com indicadores sociais ou econômicos. Em 2011, a morte de um jovem negro em Tottenham, em Londres, levou a uma onda de saques na Inglaterra; o movimento dos coletes amarelos, na França, segue a mesma trilha, e a mesma, e inútil, guerra de interpretações.
A desigualdade pode estar na raiz da crise chilena? É possível. O Chile apresenta uma concentração de renda acentuada, ainda que um índice de Gini relativamente baixo na região. É preciso combinar isso com outros aspectos. Estamos cansados de ler sobre os bons indicadores chilenos. Melhor IDH da região, melhor educação básica, economia crescendo. Eles são verdadeiros e nos ajudam a desenhar um cenário, mas no fundo não explicam muito.
No tema da desigualdade, há um problema óbvio: é preciso demonstrar causalidade, não apenas correlação. E alguma regularidade. Algo como: sociedades a partir de um ponto x de concentração de renda (que ponto seria esse?) tendem à revolta. E aí as coisas se complicam. Não digo que não seja possível, mas é preciso mais do que imaginar que essas coisas sejam autoevidentes (elas sempre parecem ser, no mundo da ideologia ou da religião) ou simplesmente dizer um palavrão aos infiéis.
Tempos atrás escrevi um artigo tratando do surgimento de um quinto poder nas democracias. As ondas difusas de opinião que se movem, com alta ou baixa intensidade, no espaço digital. Mas frequentemente emergem nas ruas, ao estilo flash mob, não raro em explosões de violência.
O sociólogo Manuel Castells mapeou mais de 80 países que assistiram a explosões desse novo tipo, em contextos muito distintos. Da Primavera Árabe aos próprios movimentos de estudantes no Chile, em 2006 e 2011, passando pelos Indignados, na Espanha, até o icônico Occupy Wall Street.
São coisas muito diferentes, mas com incômodos traços em comum. Em regra, surgem a partir de um gatilho (os 30 pesos, no caso chileno) e criam um efeito de contágio; são difusos em termos programáticos, reivindicando a um só tempo tudo e muito pouco que possa ser objetivamente negociado. Sua liderança é dispersa (o que leva o sistema frequentemente a não ter o que e com quem negociar) e por fim tudo tende ao efêmero.
Castells tem uma visão algo romântica dos movimentos em rede. Sua violência seria essencialmente reativa e eles seriam fonte de novas formas de democracia. Não é o que se vê nas ruas do Chile, onde a violência está longe de ser reativa. E ela é, por definição, a negação da democracia.
Parece evidente que vivemos uma era de instabilidade, que a internet reduziu brutalmente o custo de organização política, que o indivíduo ganhou poder diante das instituições, que as vias tradicionais de representação envelheceram e ninguém sabe bem como acomodar o quinto poder nos limites da democracia representativa e seus procedimentos.
Daí certo apelo à humildade e à ponderação, de modo que agradeço a meu colega chileno pelo pedido de tempo, por sua sábia e suave não explicação.
Comentários [ 20 ]
Elsa Oliveira
± 0 minutos
Excelente análise! A honestidade não é maniqueísta nem fácil.
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Alexandre Souza
± 2 horas
Secretário da OEA diz que Cuba e Venezuela influenciam protestos na América Latina: “As brisas do regime bolivariano, impulsionadas pelo ‘madurismo’ e pelo regime cubano, trazem violência, saques, destruição e um objetivo político de atacar diretamente o sistema democrático e forçar interrupções nos mandatos constitucionais”.
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Leonardo
± 6 horas
Pra mim todas essas ondas de protestos mundiais que a cada dia serão agravados, nascem de um problema comum, o estado... viemos nesses últimos 150 anos dando mais e mais poder ao estado, e ele por vários meios, inclusive o da opinião pública está matando o individualismo. Há uma transformação de todos e tudo em um senso comum, e todos aqueles fora desse censo comum acabam por sofrer desprezo e rótulos horrendos. As redes sociais acabaram por globalizar também o censo comum, e a venda de um mundo utópico aonde todos devem ser vencedores no final. Estamos cada vez mais medíocres e a tendência no mundo é fazer da mediocridade o poder dominante da humanidade
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Alexandre Souza
± 8 horas
Ao longo das últimas décadas, o Chile enriqueceu (ainda mais se comparado aos países vizinhos), houve mobilidade social (muita gente saiu da pobreza e entrou na classe média) e a desigualdade diminuiu. Espero então que não joguem fora a criança junto com a água do banho. O Chile é, claramente, o país que mais evoluiu na América Latina!
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Sérgio Massao Oshiro
± 13 horas
Às vezes, numa tentativa de entender a situação o sujeito se perde com divagações ou aspectos acessórios e difusos e não com o âmago do problema, Parece ser este o caso do Fernando Schuler, cujo texto demonstra insegurança ou demasiada cautela para dizer o que está acontecendo no Chile. Em toda história, de qualquer povo, os protestos e revoltas populares só tem uma causa em comum: a insatisfação da população com a situação e a percepção de que o culpado por essa situação é a política adotada pelo governo vigente. Tendo isso como âmago de todo tipo de revolta, não fica difícil de encontrar os demais aspectos ou causas da insatisfação popular.
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Alexandre Souza
± 8 horas
O Chile é, de longe, quem está melhor no continente. Há muito ressentimento fabricado ali pela esquerda, é minha suspeita.
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Nelson Correa
± 14 horas
Me preocupa minha ignorância insistente em ver brutal diferença entre 2013 e 2016. Em ver diferença entre Hong Kong e Chile, entre Venezuela e Espanha e entre Polonia e França. Os mestres colocam tudo no mesmo ****. Tenho que estudar muito para enntende-los.
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Nelson Correa
± 14 horas
S. A. C, o ganha reticências, Gazeta? Fala sério? Farinha do mesmo ****. :-P
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Cidadão Brasileiro
± 14 horas
O sujeito jovem que sai para protestar com violência por adrenalina está errado, redondamente. Mas será apenas esse o caso? E o pai de 30 anos, trabalhador honesto, que precisa de assistência médica para o filho pequeno e não pode pagar? E o aposentado que precisa de um pacote de remédios mensal que leva 80% da renda abaixo de um salário mínimo? E educação? Colocar as contas do país em ordem às custas da sociedade e ao mesmo tempo exibir casos de corrupção provoca revolta à velocidade das modernas comunicações. Pode-se apostar que há muitos lá que são de famílias que sempre apoiaram os discursos de austeridade, mas se viram traídos. Foro de São Paulo e outras m. inócuas são apenas retórica.
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João Mello
± 23 horas
Hà alguns anos li o livro O Fim do Poder de Moises Naím. Confesso que parei na metade pois me furtaram. É leitura obrigatória para quem quer entender essas conflagrações populares modernas.
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Estevan Borba
± 24 horas
Revoltas surgindo em quase toda América Latina por motivos diversos no mesmo período, é muita coincidência né!!1 Como dizia o mestre "... por isso, lhes falo em parábolas, pois vendo não veem, e ouvindo não ouvem nem compreendem" (Matheus 13;13)
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ENRIQUE ANTONIO VIDAL
± 2 dias
Caro Fernando, como sempre comentários lúcidos! Recomendo que leia a coluna do historiador italiano Loris Zanatta no Clarin (Argentina) de hoje. Penso que aponta o caminho certo, ao desdramatizar os acontecimentos e com certo otimismo destacar as bondades do regime chileno, lembrando que trata-se de pais ainda não maduro.
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Eduardo
± 2 dias
Como no Brasil, um bando de ******* metidos a revolucionário que, no ápice de suas covardias e pseudo bravura, não perdem uma oportunidade para ir pra rua quebrar patrimonio publico, privado e fazer pichaçaozinha de anarquia. Nada que um bom cacetete não resolva. E de ferro, porque o de madeira pode quebrar.
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Eduardo Prestes
± 2 dias
Eu penso o mesmo, violência se combate com repressão, a força é a única linguagem eficiente nesses casos.
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Cidadão Brasileiro
± 2 dias
Extremistas e suas gangues digitais estão com medo de que se desfaça a atmosfera de ódio que é a razão de existirem, sem a qual serão devolvidos pela sociedade às profundezas da insignificância. Não perdoam analistas não alinhados com o fanatismo incondicional, e tentam depreciá-los rotulando-os como “isentões”. Para bem, os métodos de Steve Bannon já foram expostos, e os castelos de areia sobre ele erguidos estão sob ventos fortes. Segue por aqui a CPMI das fake news, cujas luzes nos brindarão um espetacular rat-spotting.
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Eduardo
± 2 dias
Jumento. Explica as pichações de anarquia nas paredes. Típico de esquerdista babaca
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Alexandre Souza
± 2 dias
Pois está longe de ser impossível que aquela confusão toda no Chile tenha sido gerada por “atmosfera de ódio” alimentada por extremistas e suas gangues digitais. De esquerda.
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Josphin
± 2 dias
Acreditas realmente que o que acontece no Chile não tem nesno a ver com a esquerda e com o Foro de São Paulo? cara páida.
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Vitor Chvidchenko
± 2 dias
Esse Castells, muito paparicado nos meios acadêmicos, nunca me enganou. É mais um esquerdinha babaca.
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Johen
± 2 dias
Belo texto. Um pouco de lucidez em tempos de loucura.
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