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O ministro do STF Roberto Barroso.
O ministro do STF Luís Roberto Barroso.| Foto: Carlos Moura / STF

Nesta semana aconteceu em Brasília um evento que traduz bem a confusão política em que nos encontramos. O STF convocou uma audiência para discutir a hipótese das candidaturas independentes nas eleições brasileiras. Discutiu-se de tudo por lá. De um lado, a tese da “ditadura” exercida pelos partidos; de outro, os riscos da “carnavalização” da política, caso quebrarmos seu monopólio eleitoral. No mais, uma criativa discussão sobre as chances de um “caminho” para mudar o sentido da Constituição, sem alterar o seu texto.

O debate é pertinente. A revolução tecnológica mudou a cara da democracia, os indivíduos ganharam poder, explodiram os movimentos em rede, e é bastante lógico que os partidos políticos abram espaço a novos modos de expressão política.

O Brasil pertence a um grupo minoritário de países que vedam integralmente candidaturas avulsas. Emmanuel Macron foi eleito presidente da França sem filiação partidária. Um candidato independente pode concorrer à presidência dos Estados Unidos. Há muita coisa no mundo diferente do que o Brasil decidiu fazer. Imaginem comparar nossa legislação trabalhista com a regra laboral americana, para ficar apenas em um exemplo rápido.

Está lá no artigo 14 da Constituição, com uma clareza constrangedora, que a elegibilidade, no Brasil, exige a filiação partidária

Tudo muito bacana, apenas com um detalhe: este não é um debate a ser feito pelo Supremo, mas pelo Congresso Nacional. Está lá no artigo 14 da Constituição, com uma clareza constrangedora, que a elegibilidade, no Brasil, exige a filiação partidária.

É imensamente sedutora a ideia de que o Supremo possa funcionar como um sábio e generoso atalho da República. É isso que depreendo da concepção “iluminista” do papel de uma suprema corte, nas democracias atuais, na conhecida formulação do ministro Luís Roberto Barroso.

O ministro Barroso, aliás, acerta ao dizer que, quando se lida com questões “na fronteira entre o direito e a política”, as pessoas tendem a aplaudir o ativismo no Supremo quando concordam com as suas decisões. Quando discordam, clamam pela autonomia do Congresso.

É exatamente assim. As pessoas são passionais e é previsível que queiram ver o Supremo funcionando como um atalho para suas ideias. O ponto é que ele não deve agir assim, e quem sabe seja precisamente aí que resida, ou deveria residir, sua virtude.

Isto nos condena ao imobilismo constitucional? De modo algum. O Congresso aprovou mais de 100 emendas à Constituição de 1988. Nos últimos seis anos, foram 28 alterações. Até mesmo para amarrar a execução de emendas coletivas no orçamento nosso Legislativo soube mexer na Constituição. Não há omissão legislativa. Há apenas escolhas, e é disso que é feita a democracia.

Nossa suprema corte tem um histórico bastante problemático com intervenções heterodoxas no mundo político. A mais conhecida foi a derrubada da cláusula de barreira, em 2006, que nos ajudou a alcançar o honroso posto de país com a maior fragmentação partidária do planeta, entre as grandes democracias.

Nossa suprema corte tem um histórico bastante problemático com intervenções heterodoxas no mundo político

Boa parte do desgaste do sistema partidário que o Supremo agora discute vem deste quadro de fragmentação e, direta ou indiretamente, daquela decisão. Curioso que agora o Supremo resolva corrigir tudo com uma nova intervenção, sugerindo tornar letra morta uma frase inscrita no artigo 14 da Constituição.

Isto é um erro. Um gasto indevido de energia e um sinal trocado para a sociedade. Alimenta-se o processo de judicialização da política, e o incentivo vem do próprio STF ao reiterar que é possível, sob certas circunstâncias, dar um jeito na Constituição. O nome disso é incerteza institucional, confusão entre os poderes e descrédito para a própria corte. O melhor que o país poderia fazer é aproveitar o atual ímpeto reformista do Congresso e aprovar de vez uma reforma política, que poderia inclusive incluir as candidaturas avulsas. Mas seguindo a regra do jogo, respeitando-se a ordem constitucional que a duras penas soubemos construir.

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