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O Rio Belém, em Curitiba,  recebe uma concentração enorme de dejetos e esgoto.
O Rio Belém, em Curitiba, recebe uma concentração enorme de dejetos e esgoto.| Foto: Pedro Serapio/Arquivo/Gazeta do Povo

Semana passada escrevi defendendo a ideia de que o Brasil deveria avançar na direção de uma reforma do Estado, e não apenas em um ajuste nas carreiras do setor público (que é obviamente importante). Na visão que apresentei, o governo precisa assumir sua função de inteligência e garantias de direitos, delegando a gestão da prestação dos serviços, sob contratos, para quem sabe fazer melhor, seja na sociedade ou no mercado.

O tema incomoda e muita gente me perguntou se havia evidências na direção do meu argumento. Elas existem, mesmo considerando o óbvio: evidências não podem provar, em definitivo, uma tese em um terreno complexo como a gestão pública. Mas elas podem sinalizar um caminho.

Talvez o mais consistente experimento de contratualização feito no Brasil seja o dos hospitais geridos por organizações sociais no estado de São Paulo. Estudos feitos pelo Banco Mundial mostram uma clara superioridade do modelo, tanto nos indicadores de qualidade como de custo. É o mesmo que aponta a Secretaria de Estado da Saúde: hospitais sob gestão das OSs conseguem ser até 52% mais produtivos e custam 32% menos do que os da administração direta.

Na área prisional, chama a atenção a experiência de gestão público-privada de prisões no Paraná, no início dos anos 2000. Estudo publicado pelos professores Sandro Cabral e Sérgio Lazzarini demonstrou a superioridade do modelo não apenas no tocante à racionalidade de custos, mas também aos aspectos de segurança, saúde e ressocialização dos apenados.

O desafio é vencer a inércia e o pensamento corporativo, algo não propriamente simples, diga-se de passagem

No terreno da infraestrutura, há uma crescente percepção que o setor privado, sob boa regulação, é mais eficiente na gestão direta de serviços. Segundo ranking elaborado pela CNT, as 20 melhores estradas brasileiras são todas concessões gerenciadas pelo setor privado.

A grande maioria está em São Paulo, e alguém poderia sugerir que se trata de uma questão política, visto que o estado anda sob o comando tucano há mais de duas décadas. Não é. O Governo da Bahia, sob a gestão do PT, tem a experiência da concessão do metrô de Salvador, e está longe de ser o único exemplo.

Arriscaria dizer que a mais ousada e bem-sucedida experiência de parceria público-privada brasileira veio da esquerda, do governo Lula, e foi na educação: o ProUni, que já formou perto de meio milhão de jovens brasileiros de baixa renda, a baixo custo e sem burocracia, na última década e meia.

É evidente que dados precisam ser analisados com a devida reserva. Modelos de parceria com o setor privado funcionam se houver bons contratos e acompanhamento.

O que se pode dizer, com razoável dose de certeza, é que o Estado brasileiro falhou, estruturalmente, na prestação de serviços, e a conta está sendo paga pelos mais pobres. Criamos regras institucionais que amarraram o setor público e o tornaram presa fácil dos políticos e corporações.

Esta é, no fundo, a grande evidência empírica. Estamos sentados sobre uma montanha de dados, mostrando o óbvio. Agora mesmo, no debate sobre o saneamento básico, nos damos conta que perto de 100 milhões de brasileiros não dispõem de esgoto tratado. Quase metade de um país em que 94% do saneamento é tocado pelo setor público. Gostamos de procrastinar, fazer de conta que não enxergamos nada, mas a realidade está aí, batendo na nossa cara.

Alguns fantasmas precisam ser afastados desse debate. O primeiro é que, ao contratualizar a prestação de serviços, o Estado "perde o controle" ou abre mão de suas responsabilidades. Ao contrário: o Estado retoma o controle. Converso com prefeitos, Brasil afora, e o que escuto é: temos apenas a ilusão de controlar alguma coisa em nosso sistema de educação. Em regra, não avaliamos resultados, e se avaliamos não temos instrumentos para corrigir rumos e fazer o que precisa ser feito. Ter controle é exatamente o oposto do que existe hoje: é poder fixar meta, cobrar e descontratar, se for necessário.

Outro mito é a ideia de que parcerias com o setor privado só servem para estradas, portos e áreas de infraestrutura. Isso não passa de um vezo elitista. Nos irritamos quando um aeroporto funciona mal e queremos que os Correios sejam como a Amazon, mas parecemos não dar bola quando a escola pública produz péssimos resultados. Afinal de contas, não é lá que estudam os filhos de quem decide essas coisas, certo? O desafio é vencer a inércia e o pensamento corporativo, algo não propriamente simples, diga-se de passagem, neste país que se acostumou a conviver com o absurdo.

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