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O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, na sede da Aliança em Bruxelas, em março
O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, na sede da Aliança em Bruxelas, em março| Foto: EFE/EPA/STEPHANIE LECOCQ

Se um dos objetivos da invasão russa da Ucrânia era reagir à expansão da OTAN, ela conseguiu exatamente o oposto. De acordo com o governo de Vladimir Putin, a Ucrânia estaria prestes a se tornar membro da aliança capitaneada pelos EUA e isso colocaria armas estratégicas às portas de Moscou, um risco inaceitável. A guerra de agressão, entretanto, motivou dois vizinhos historicamente neutros a procurarem a OTAN.

Um argumento por vezes utilizado é o de que a OTAN deveria ter deixado de existir ao fim da Guerra Fria. Já abordamos essa argumentação aqui em nosso espaço e é preciso ter em mente que a OTAN é uma aliança criada, primeiro, para atrelar a segurança da Europa à dos EUA e, segundo, não necessariamente para conter a União Soviética, mas conter a Rússia em qualquer encarnação ou forma de organização estatal.

Nessa lógica, países historicamente rivais ou dominados pela Rússia, como a Polônia e os três países Bálticos, foram alguns dos novos integrantes da OTAN no pós-Guerra Fria. Foram três “ondas” de expansão da OTAN após o fim da URSS. A primeira delas, em 1999, incluiu a Tchéquia, a Hungria e a Polônia. Os três países eram antigos integrantes do Pacto de Varsóvia, a aliança militar liderada pela URSS durante a Guerra Fria. Em 2004, esses três países também tornaram-se membros da União Europeia.

Também no ano de 2004 ocorreu a segunda onda de expansão da OTAN, integrando Bulgária, Romênia, Eslováquia, Eslovênia e os três países Bálticos. Além de ex-integrantes do Pacto de Varsóvia, agora a OTAN absorveu três ex-repúblicas soviéticas, a Lituânia, a Letônia e a Estônia. Pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria foi expandida a fronteira de contato direto entre o território contínuo da Rússia e a OTAN. Esse contato direto existia apenas no pequeno trecho de fronteira com a Noruega, mais o enclave de Kaliningrado.

Dos países que entraram na OTAN em 2004, Romênia e Bulgária tornaram-se membros da UE em 2007, enquanto os outros entraram nas duas organizações no mesmo ano. Em 2009, Croácia e Albânia entraram na OTAN, enquanto Montenegro tornou-se membro em 2017 e, finalmente, em 2020, foi a vez da Macedônia do Norte, após normalizar suas relações com a Grécia.

Neutralidade e OTAN 

Ou seja, tanto a OTAN quanto a UE progressivamente se expandiram rumo ao leste, o que foi explicitamente visto como uma ameaça por Moscou. No mínimo desde 2007, quando do famoso discurso de Vladimir Putin na Conferência de Munique. Já os interesses dos novos integrantes são variados, desde rivais históricos da Rússia que temiam por sua segurança, como o caso polonês, até países que buscavam parceiros para modernizar suas pequenas forças armadas, como a Eslováquia.

No mapa da OTAN se destaca um “vácuo” no centro da Europa, com dois países que não são integrantes da organização. Um deles é a Suíça, cuja política de neutralidade já dura dois séculos. Outro é a Áustria, que decidiu emular a neutralidade do país vizinho após a Segunda Guerra Mundial. Essa decisão foi tomada por um motivo muito simples: se a Áustria fosse membro da OTAN, ela seria um ponto de contato direto entre as duas alianças militares da Guerra Fria, e um potencial campo de batalha.

Essa também foi uma das razões para a neutralidade de outros dois países europeus durante a Guerra Fria, a Finlândia e a Suécia. No caso finlândes, o termo “Finlandização” tornou-se sinônimo de país que busca não desagradar um vizinho muito mais poderoso. Buscar integrar a OTAN significaria, para a Finlândia, receber um grande alvo pintado em sua testa naquele momento, com sua extensa fronteira com a Rússia.

No caso sueco, outros dois motivos colaboram para a agenda de neutralidade. Além da proximidade com a Rússia, com quem partilha o Báltico, o governo sueco manteve a neutralidade durante as duas Guerras Mundiais. Isso é visto como uma ferramenta de credibilidade internacional, tentando projetar a Suécia como um mediador neutro de conflitos do que como um ator parcial.

Outra razão é a pujante indústria bélica sueca. Manter-se fora da OTAN é até mesmo uma maneira de “protecionismo”, já que a agenda neutra alimenta também uma política de autossuficiência em armamentos, pois o país não pode depender de aliados. Quaisquer razões históricas para a neutralidade, entretanto, foram por terra, já que Finlândia e Suécia, em conjunto, já estão negociando suas entradas na OTAN.

Invasão e reação 

Se trata de uma consequência direta da invasão da Ucrânia pela Rússia, ainda mais considerando que ambos os países são governados pelos partidos social-democratas, historicamente defensores da neutralidade. Pesquisas de opinião nos dois países mostraram uma guinada na postura popular, com agora a maioria das respostas defendendo a entrada na OTAN por segurança contra o vizinho russo. E deve-se destacar que esse cenário era bastante previsível, comentado ainda em dezembro que uma invasão da Ucrânia causaria essa reação nos países nórdicos.

Nessa semana, a ministra de Relações Exteriores sueca, Ann Linde, esteve em Washington, onde foi recebida por seu homólogo Anthony Blinken. Ela foi discutir “garantias de segurança” para os dois países nórdicos durante o processo de ascensão à OTAN, que pode durar até um ano. Suécia e Finlândia devem formalizar suas solicitações no mês que vem e, segundo a ministra, “terão a garantia dos EUA” durante o processo.

Mês passado, em 13 de abril, as duas primeiras-ministras, Magdalena Andersson e Sanna Marin, se encontraram em Estocolmo, quando discutiram o assunto e, muito provavelmente, foi acordado um processo de ascensão em conjunto. A Rússia, nos últimos meses, repetiu que vê essa possibilidade com “preocupação” e afirmou que poderia colocar armas nucleares no Báltico para garantir a segurança do país.

Na suposta ânsia de impor uma neutralidade à Ucrânia em uma operação militar relâmpago, a invasão russa conseguiu criar uma guerra arrastada, que já dura meses, motivou pesadas sanções econômicas e um enorme custo em destruição e em vidas. Para completar o prejuízo, vai adicionar dois países à OTAN. Um deles uma potência regional e o outro um vizinho, ao lado de bases estratégicas e cidades como São Petersburgo. Um total desastre para os interesses da Rússia.

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