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Militares do Omã carregam o caixão do sultão Qaboos bin Said al Said, que morreu aos 79 anos na capital Mascate em 10 de janeiro
Militares do Omã carregam o caixão do sultão Qaboos bin Said al Said, que morreu aos 79 anos na capital Mascate em 10 de janeiro| Foto: TV de Omã / AFP

Na última sexta-feira, dia 10 de janeiro, faleceu Qaboos bin Said Al Said, sultão de Omã por 50 anos. Pela idade avançada e pelo fato dele ter lutado contra um câncer nos seus últimos anos não é possível dizer que trata-se de uma surpresa, um evento inimaginável. Ainda assim, não deixa de ser curiosa a coincidência. Ele, que foi um dos negociadores que viabilizaram o acordo nuclear entre as potências mundiais e o Irã, faleceu em meio uma profunda crise entre esses países, um momento em que o próprio acordo nuclear está praticamente desprezado.

O pequeno Omã foi parcialmente tema de uma coluna aqui nesse espaço em outubro de 2018. Na ocasião, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, visitou o sultanato; um dos 19 países da Liga Árabe que não têm relações com Israel. Para a visita, ainda por cima, o premiê israelense sobrevoou território saudita, outro país sem relações oficiais. Foi lembrado na época que o Omã é um dos vinte países com maior produção de petróleo e com maiores reservas; com o diferencial de que as reservas omanis são de fácil acesso. Também foi recordada a estabilidade política do país e a diversidade econômica.

Ascensão e modernização

O papel comercial de Omã, beneficiado por sua posição geográfica, está presente na língua portuguesa. O nome em árabe da capital do Omã, Masqat, mascate em português, torna-se sinônimo de "mercador". Retornando ao sultão Qaboos, ele era bastante querido pela população, já que o país e o monarca praticamente se confundiam um no outro após 50 anos. Seu reinado ficou marcado por três elementos principais. Primeiro, seu início. Foi educado no Reino Unido, a potência colonial que controlava os destinos do Omã; em terras britânicas ele serviu no exército.

Retornou ao seu país natal em 1966. Para enfrentar quatro anos de prisão domiciliar. Seu pai, Said bin Taimur, queria evitar a influência "estrangeira" da educação do filho, adotando uma postura isolacionista e fiando-se no apoio britânico. O país enfrentava conflitos internos, de ordem sectária e de ordem ideológica, com milícias socialistas no contexto da Guerra Fria. Em 1970, cansados do sultão retrógrado, o governo britânico contatou o filho Qaboos e articularam um golpe contra seu próprio pai. Said bin Taimur passou os últimos dois anos de sua vida no exílio, em uma luxuosa suíte de hotel em Londres.

Após o golpe de Estado, vieram as reformas e modernização do país, o segundo elemento mais conhecido do reinado de Qaboos. Quando fala-se de "modernização" é bom colocar em perspectiva. Trata-se de, por exemplo, da abolição da escravidão, um dos últimos países do mundo a fazê-lo. As revoltas internas foram derrotadas com a soma de esforços militares e negociações políticas, incluindo anistias. A infraestrutura do país foi expandida, assim como os serviços básicos, como hospitais e escolas públicas. O país deixou de lado a postura de isolamento e tornou-se membro da ONU, dentre outras organizações.

Finalmente, no campo externo, a mesma posição geográfica do Omã que faz do país um centro comercial, dividindo com o Irã o Estreito de Ormuz, um dos gargalos navais mais importantes do mundo, também coloca o país em potenciais focos de tensões. O falecido sultão adotou uma política de boas relações com a vizinhança, servindo de interlocutor entre diversos atores; a citada recepção de Netanyahu é um exemplo dessa política. A mediação das negociações para o acordo nuclear é outro. Historicamente, foi um dos poucos países árabes que apoiou as negociações entre Egito e Israel.

Nem tudo são flores

Por todas essas mudanças políticas, modernizações econômicas e leituras corretas da posição internacional do seu Estado, Qaboos acabou ganhando bastante relevância internacional. No atual contexto de sua morte certamente será lembrado como um estadista em busca da paz, um dialogador, um bom governante, etc. Ainda assim, no máximo, ele seria um "déspota esclarecido". É importante colocar as coisas em perspectiva, mesmo em momentos como esse. Na verdade, especialmente em momentos como esse, em que a ideia de um panegírico soa tentadora.

O Omã é uma monarquia absolutista. Não existe separação de poderes nem freios e contrapesos. A palavra do sultão é a lei. Mesmo a reduzida constituição do país, de 1996, foi decretada por ele, de cima para baixo. O parlamento, que conduz as políticas mais ordinárias da governança do país, pode ser superado pelo monarca em qualquer tema. O sultão é quem aponta os juízes. As forças armadas respondem pessoalmente ao monarca. A polícia não precisa respeitar liberdades individuais. A imprensa é firmemente controlada e não se pode ser jornalista no país sem aprovação direta do governo.

A tortura é prática comum no país e o uso da pena de morte depende apenas da autoridade do monarca. A homossexualidade é ilegal. Como qualquer país que recentemente aboliu a escravidão, o flagelo ainda é praticado de forma irregular, além de preconceitos sociais e imobilidade em relação à ex-escravizados e tribos consideradas tradicionalmente servis. O único elemento que melhora a imagem do Omã e o distingue de seus vizinhos é a liberdade religiosa, com mais de 10% da população seguidora de outras religiões que não o Islã, especialmente católicos e hindus.

Como em qualquer país desse modelo, o poder é hereditário pela linha masculina. O sultão, entretanto, não deixou herdeiros e não se casou novamente após um divórcio em 1979. Por isso, seu sucessor foi nomeado por ele mesmo, com um nome escrito e guardado dentro de um envelope. O novo sultão será Haitham bin Tariq Al Said, seu primo e anteriormente Ministro da Cultura. Considerado também modernista, ele chefiou o comitê Omã 2040, visando o desenvolvimento do país. Resta saber se, além da modernização econômica, a inserção e abertura política também serão realizadas.

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