• Carregando...
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil durante seu discurso na Reunião Anual de 2019 do Fórum Econômico Mundial em Davos, 22 de janeiro de 2018. Foto: Christian Clavadetscher
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil durante seu discurso na Reunião Anual de 2019 do Fórum Econômico Mundial em Davos, 22 de janeiro de 2018. Foto: Christian Clavadetscher| Foto:

Jair Bolsonaro chegou ao Brasil na última sexta-feira (25) e Davos não é mais o assunto do momento. Ótimo, então pode-se dar uma olhada menos imediata e acalorada sobre sua presença no evento, com o panorama completo. Além disso, considerando a periodicidade dessas colunas, não teria como ser antes. Muito do debate, se é que se pode chamar assim, sobre a presença do presidente brasileiro no evento na Suíça girou em torno da duração do seu discurso. A questão, entretanto, é que foi uma oportunidade perdida, desde o início.

Expectativas altas

E isso tem explicação, existem motivos para essa análise. Das dez maiores economias do mundo, apenas Brasil, Japão, Alemanha e Itália mandaram seu representante executivo máximo. Donald Trump, presidente da maior economia do mundo, estava ausente por conta da paralisação do governo federal. Macron ficou na França pela pressão popular dos coletes amarelos. O canadense Justin Trudeau foi severamente criticado ano passado pelos custos da viagem e não cruzou o Atlântico. Modi enfrentará eleições na Índia em alguns meses e a China mandou o número três do regime, o vice-presidente Wang Qishan.

Dos presentes, o japonês Shinzo Abe é o premiê japonês desde 2012 e Angela Merkel é a chanceler alemã desde 2005, longe de serem novidades ao público do fórum; como pensam, o que querem, como querem, seus projetos, tudo isso é bem conhecido. A novidade seria Giuseppe Conte, o novo premiê italiano, mas que sofre de dois problemas. Primeiro, ele é um inexperiente que assumiu o cargo como uma figura de “meio termo” pouco expressivo na coalizão entre os partidos Cinco Estrelas e o Liga, ex-Liga Nord.

As principais figuras da política italiana hoje são os dois líderes partidários, respectivamente Luigi Di Maio e Matteo Salvini. São eles que rendem manchetes. O segundo problema é que a discussão sobre a economia italiana gira em torno das suas relações com a União Europeia que, por sua vez, aguardam o futuro do Brexit, pendência que explica a última ausência do top 10 em Davos, Theresa May, primeira-ministra britânica. E o Brexit fez sua sombra em todos os líderes da UE presentes, mesmo os mais novos.

Basicamente, as novidades do fórum, no campo de líderes de governo, eram Emmerson Mnangagwa, do Zimbábue; Cyril Ramaphosa, da África do Sul; e Iván Duque, presidente da Colômbia. Os dois primeiros querendo atrair investimentos em mineração e precisando desmentir as suspeitas de que são mera continuidade dos antecessores Mugabe e Zuma. E Duque como um líder de uma Colômbia agora mais pacífica, querendo demonstrar uma estabilidade que seja atrativa aos investidores internacionais.

Uma dose de realidade. Somando as três economias citadas, o PIB brasileiro ainda é mais que o dobro do resultado da soma. Em área, o Brasil tem três vezes o tamanho dos três países juntos. A população brasileira não chega ao dobro das outras populações somadas, mas é maior. Esses são apenas alguns índices objetivos para justificar que não é falta de respeito aos vizinhos colombianos ou aos países africanos citados dizer que o Brasil possui um peso e atratividade econômica muito maior.

Outro fator que contribui é que, nos últimos anos, a comunidade internacional se distanciou do Brasil, por entender que o governo Michel Temer era um governo com data de validade, com pouco respaldo para medidas duradouras. Então, após cerca de dois anos, chega em Davos um recém-eleito presidente de uma das maiores economias do mundo, ainda surfando no prestígio eleitoral e sem grandes concorrentes pela atenção dos presentes. E ainda seria o discurso de abertura do fórum! Bolsonaro tinha a faca e o queijo na mão para ser a grande estrela do evento. Expectativas altas com justificativa.

A abertura em Davos

Bolsonaro pousou em Zurique na tarde da segunda-feira, dia 21; a distância para Davos compreende uma viagem de cerca de duas horas de carro. Seu primeiro compromisso foi às 15:30, horário local, da terça-feira, dia 22. Aí teve-se a primeira oportunidade desperdiçada, com o solitário e divulgado almoço de Bolsonaro em um bandejão ou algo do tipo. O almoço foi antes da abertura? Foi. Isso não quer dizer que não poderia ser melhor aproveitado, com um almoço de trabalho com dignitários ou empresários presentes.

É importante ter em mente que tais eventos servem muito para os encontros paralelos, à margem das ocasiões oficiais. Na própria Davos se encontraram, no primeiro dia e por fora da agenda, o novo premiê da Armênia e o presidente do Azerbaijão. Por mais de uma hora os históricos rivais discutiram a normalização das relações. E esse é somente um exemplo da importância, talvez até maior que o evento principal, que os encontros privados podem ter.

Após o almoço solitário, Bolsonaro abriu o evento. Dos trinta minutos que ele tinha direito, usou seis; ele pode ser assistido ou lido na íntegra facilmente pelos canais oficiais. E aqui o problema não é a duração em si; o discurso foi objetivo e isso é um método válido de oratória. A questão é que ele foi meramente introdutório! Não por ser confuso e nem por falta de tempo hábil mas, aparentemente, por opção. Diversas ideias ali presentes poderiam ser melhor desenvolvidas, especialmente para o público presente.

O próprio presidente começa dizendo que ali estava “uma grande oportunidade de mostrar para o mundo o momento único em que vivemos em meu país e para apresentar a todos o novo Brasil que estamos construindo”. Isso foi seguido de comentários eleitorais, para o público interno, com um “gozamos de credibilidade para fazer as reformas de que precisamos e que o mundo espera de todos nós.”

E nada da “construção” desse “novo Brasil” foi apresentado; as aspas se dão pois era justo a intenção do presidente. O discurso foi uma grande carta de intenções, que podem ser assinaladas frequentemente com “como?” ou algo equivalente. Faltou substância. Reduziu o turismo à questão da violência. “(…) privatizando e equilibrando as contas públicas”. Privatizar o quê? Equilibrar as contas públicas como?

Outro exemplo de frase vaga, “vamos resgatar nossos valores e abrir nossa economia”. Quais valores? Que abertura? Isso pode funcionar na eleição, mas não para convencer investidores. E, novamente, havia tempo hábil para mais detalhes e aprofundamento em ao menos um dos pontos. Somam-se aos comentários vagos comentários, talvez, até injustos ou soberbos. Por exemplo, ao dizer que “pela primeira vez no Brasil um presidente montou uma equipe de ministros qualificados” ou “os setores que nos criticam têm, na verdade, muito o que aprender conosco”.

Isso sem falar em comentários despropositados, que podem soar como perda de tempo aos executivos presentes. Debater as diferentes perspectivas sobre aborto de gestação possui valor e importância na política? Sem dúvida. Era um tema pertinente ao fórum de Davos? Não. “Vamos defender a família e os verdadeiros direitos humanos”. Em um fórum que prega a defesa da diversidade e o que seriam os “verdadeiros” direitos humanos, além de uma falácia argumentativa? Para fechar, o slogan eleitoral de “Deus acima de tudo”.

Repete-se: o discurso foi objetivo e tinha um cerne argumentativo. Passou a ideia de valorização da democracia e do meio-ambiente, duas das críticas que Bolsonaro sofre e onde suspeitas recaiam na comunidade internacional. No geral, entretanto, parecia mais uma carta de intenções intencionalmente vaga. Uma indefinição por opção, em um momento em que Bolsonaro tinha todos os olhares voltados para si. Como comparação de mera duração, Mike Pompeo, Secretário de Estado dos EUA, falou por videoconferência por 26 minutos. Shinzo Abe por cerca de 25 minutos.

O discurso de Abe é a antítese do de Bolsonaro. Recheado de cifras, dados objetivos, parâmetros comparativos dos seus anos de governo, temas como G20 e parcerias regionais japonesas, novidades como Data Free Flow with Trust (DFFT), porcentagens sobre mudança climática. E Shinzo Abe é um político também conservador, com pautas nacionalistas sensíveis no Japão. A comparação não é ideológica. É de qualidade. A abertura por Bolsonaro foi um discurso vago, breve e fraco, que não seduziu ninguém nem argumentou nada.

O restante da agenda

Ainda no dia 22, Bolsonaro esteve presente na Reunião do Conselho Internacional de Negócios e no jantar de abertura oferecido pelo professor Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, e pela Presidência da Suíça. Nesse caso, muitas fotos do jantar circularam com a intenção de “compensar” o almoço solitário de Bolsonaro, como se uma coisa anulasse a outra. Bolsonaro ficou na mesa dos anfitriões, com, dentre outros, Tim Cook, CEO da Apple, e Satya Nadella, CEO da Microsoft. Ao seu lado, o assessor presidencial Filipe Martins.

No dia seguinte, um almoço de trabalho e reuniões bilaterais o italiano Giuseppe Conte, o presidente suíço Ueli Maurer e Shinzo Abe. Também participou da mesa Diálogo Diplomático e jantou com outros Chefes de Estado latino-americanos; no evento o assunto Venezuela certamente foi o cerne das conversas. E destaca-se justo a reunião com Shinzo Abe. As relações nipo-brasileiras são de suma importância. O Japão é uma economia de ponta e os dois países possuem profundos laços culturais devido à imigração.

Além disso, há muito espaço de crescimento nessa relação, que ficou estremecida no governo Dilma Rousseff, com o cancelamento de viagens e o chá de cadeira no príncipe japonês Akishino. O Japão compreende apenas 1,8% das exportações brasileiras, em uma relação ligeiramente deficitária para o Brasil. Já o dia 24 teve, além de um almoço de trabalho, encontros bilaterais com os primeiros-ministros dos Países Baixos, Mark Rutte, e da Chéquia, Andrej Babis, e com os presidentes da Polônia, Andrzej Duda, da Ucrânia, Petro Poroshenko, da África do Sul, Cyril Ramaphosa e da Colômbia, Iván Duque.

Nesse caso, Bolsonaro contradisse um pouco suas palavras no discurso de abertura, quando falou que o Brasil terá uma política externa ”na qual o viés ideológico deixará de existir”. A opção por dois líderes de Visegrado foi por afinidades ideológicas, quando líderes de países com muito mais peso no comércio brasileiro estavam presentes, como Pedro Sanchez da Espanha ou Angela Merkel da Alemanha, país que integra o G4 com o Brasil. Já uma aproximação com a África do Sul é importante pela sociedade de ambos em fóruns internacionais, como o BRICS.

Um episódio, entretanto, simboliza a oportunidade perdida em Davos. A comitiva brasileira cancelou a entrevista coletiva que daria no dia 23. Isso pegou tanto a organização quanto a imprensa de surpresa; importante, a imprensa presente não era somente brasileira. Bolsonaro foi embora de Davos sem dar uma entrevista coletiva para a imprensa. Falou apenas para veículos específicos como a Bloomberg, ou perante zonas mistas e repórteres acotovelados na porta do hotel.

A coletiva seria dada junto com três ministros: Sérgio Moro, Paulo Guedes e Ernesto Araújo. Correu a imagem das cadeiras vazias, com as plaquetas de identificação. Correram também diferentes versões do motivo do cancelamento. Um deles seria a saúde do presidente, o que é algo compreensível, mas não impediria seus ministros de falarem. Inclusive, Guedes foi muito bem recebido em suas falas nos painéis e entrevistas. Além disso, Moro estava presente no local e também foi pego de surpresa pelo cancelamento.

As diferentes versões e suas interpretações não interessam aqui. O ponto é que, quando perguntado sobre o assunto, Bolsonaro falou sobre sua saúde e disse: “eu não tinha novidade para apresentar para a imprensa naquele momento”. Presidente, o senhor é a novidade. Seu governo, seus ministros, tudo isso é novidade. Para outros líderes, para executivos, para investidores, para analistas, para comentaristas, para todos eles. A exposição de ideias, de projetos, de visões, deveria ter sido a máxima possível.

Não compreender que essa era a grande novidade explicita o desperdício de oportunidade que foi. Os holofotes estavam todos direcionados ao Brasil e o país sorriu e acenou apenas. Dificilmente o Brasil terá uma oportunidade similar nos próximos anos, de ser recebido com altas expectativas, como a grande novidade, o novo ator no cenário mundial. Sem grandes concorrentes pela atenção. Na melhor das hipóteses, apenas daqui quatro anos, talvez oito, quiçá não mais. Em um ano que promete turbulência na economia mundial, o começo podia ter sido bem melhor.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]