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O presidente do Conselho de Transição Sudanês, general Abdel Fattah al-Burhan (esq) e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, na cúpula Rússia-África em Sochi, Rússia, 23 de outubro de 2019
O presidente do Conselho de Transição Sudanês, general Abdel Fattah al-Burhan (esq) e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, na cúpula Rússia-África em Sochi, Rússia, 23 de outubro de 2019| Foto: gei CHIRIKOV / AFP

Mais de cinquenta delegações africanas foram recebidas por Vladimir Putin em uma cúpula de dois dias na cidade de Sochi, no Mar Negro. A Riviera do Cáucaso, um dos principais destinos de veraneio na Rússia, pelo seu clima ameno, tornou-se conhecida mundialmente como sede dos Jogos Olímpicos de inverno de 2014. A soma da infraestrutura turística com o aparato de segurança criado pela olimpíada tornou Sochi um local bastante usado pelo governo russo para receber líderes e delegações estrangeiras.

Crescimento africano

No caso do evento dos últimos dias, o propósito é aproximar a Rússia e os países africanos em uma cúpula de tamanho sem precedentes. A África é, no século XXI, o continente onde mais oportunidades econômicas surgem e surgirão, com as demografias que mais cresce no mundo, com milhões de consumidores entrando nas cadeias comerciais todo ano; a necessidade de modernização e expansão de infraestrutura local; a consolidação de agendas geopolíticas dos países africanos, dentre outros exemplos, explicam isso.

Além disso, é em relação aos países africanos que nações como a Rússia e o Brasil conseguem estabelecer uma relação vantajosa em exportações de tecnologia e de serviços. Isso é frequentemente mal-compreendido no Brasil, especialmente quando temas de política externa caem no senso-comum. A aproximação entre Brasil e África nos anos 2000, por exemplo, era tida como uma ação meramente ideológica dos governos do PT, quando a realidade é outra.

As relações Brasil e África independente são históricas, desde a descolonização, passando por quase todos os governos desde então. Economicamente, permitem a exportação em áreas em que o Brasil não é tão competitivo em outras regiões do globo. Por exemplo, armamentos; mais da metade dos compradores do Super Tucano da Embraer são forças africanas. O veículo blindado anfíbio EE-11 Urutu, talvez o mais bem sucedido produto bélico, ainda dos anos 1970, teve na África e no Oriente Médio seus compradores.

O caso russo é similar. Com a crescente perda do mercado armamentista do leste europeu para os países ocidentais, a Rússia busca compensar isso exportando cada vez mais armas para a África, que já era um mercado considerável nos tempos soviéticos. Os países africanos, por sua vez, sabem que armamentos russos serão confiáveis nas condições locais, poderão ser adquiridos via soluções comerciais criativas, fugindo do uso do dólar ou do euro, e não estarão atrelados à conveniências políticas.

Segundo as declarações na cúpula, a Rússia possui contratos no valor total de 14 bilhões de dólares em armas para a África, e quer dobrar esse número para os próximos cinco anos. Os cerca de trinta países com dezenas de contratos de defesa com a Rússia correspondem, hoje, à um terço das exportações bélicas russas. O comércio de armas contribui para dois pilares dessa relação com a África: o geopolítico e o comercial. Esse último que é a maior defasagem russa no continente.

As relações comerciais russas com a África são de pouco mais de vinte bilhões de dólares, um terço do volume dos EUA e uma fração dos maiores parceiros: a China, com mais de 200 bilhões de dólares, e a União Europeia, com mais de 300 bilhões de dólares. A enormidade do número é explicada pelos ainda profundos e vastos laços entre os países africanos e suas antigas metrópoles coloniais europeias. Aqui entra outro pilar dessa relação, onde a Rússia espera ser mais competitiva do que qualquer outro rival.

Cartada russa

Infraestrutura. Por um lado, a China é acusada de explorar um pesado endividamento africano via seus investimentos. Do outro, a Europa é vista com maus olhos por diversos setores africanos, como as antigas potências imperialistas, que não seriam parceiros, mas exploradores da África. A Rússia surge como uma opção para modernização de infraestrutura que sai dessa lógica, adotando outros mecanismos de pagamento e com a retórica de fomentar o desenvolvimento local.

Não se trata de uma Rússia “boazinha”, mas de puramente negócios: Moscou tenta oferecer oportunidades que fujam dos padrões de seus competidores, tentando atrair os governos africanos. O perdão de dívidas bilionárias de tempos soviéticos, financiamento de oleodutos na bacia do Congo, uma nova refinaria no Marrocos, foram alguns dos anúncios da cúpula. A Rússia, como gigante no ramo dos recursos naturais, possui expertise nesse tipo de infraestrutura.

Principalmente, energia nuclear. A Rússia é um dos países que mais usa energia nuclear no mundo, e dos poucos que exporta sem grandes restrições locais. O crescimento africano, econômico e demográfico, demanda energia. Se nos anos 1960 a União Soviética foi a parceira egípcia para a construção da barragem de Assuã, hoje a Rússia quer ser a parceira para energia nuclear. A Rosatom controla dois terços de todo o mercado mundial de usinas nucleares, com parcerias consolidadas com China e Índia, dentre outros.

No ano de 2024 será inaugurada a primeira usina egípcia, com dois reatores. Para 2035, quatro usinas serão construídas na Nigéria. Outros países africanos com negociações ou pré-contratos de energia nuclear com a Rússia são Gana, Argélia e África do Sul, que já possui usinas de tecnologia francesa. O único programa nuclear em curso na África que não conta com presença russa é o do Quênia, que realizou convênio com a Coreia do Sul. No total, especula-se em até trinta bilhões de dólares.

Montante apenas para os contratos de construção das usinas, fora manutenção, treinamento de pessoal, etc. Nada mal para um país que precisa de mais parceiros e contornar os sistemas de pagamentos em dólar, por causa das sanções impostas aos russos desde a anexação da Crimeia, em 2014. A África está, cada vez mais, com importante papel no tabuleiro do poder e da influência mundial, agora com atores internos mais estabilizados. O que não significa a falta de interesse das potências, como a Rússia.

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