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O primeiro-ministro da Eslovênia, Janez Jansa, chega para a Cúpula do Conselho Europeu em Bruxelas, Bélgica, 24 de março de 2022
O primeiro-ministro da Eslovênia, Janez Jansa, chega para a Cúpula do Conselho Europeu em Bruxelas, Bélgica, 24 de março de 2022| Foto: EFE/EPA/JULIEN WARNAND

O noticiário internacional de quase o mundo todo esteve de olho nas últimas eleições francesas. Claro que por motivos compreensíveis, dado o peso, econômico e político, do país e o que o embate entre Macron e Le Pen poderia significar para a União Europeia. Após a vitória de Macron, podemos olhar para outros pleitos europeus, como as recentes eleições eslovenas.

No último dia 24, os eslovenos foram às urnas eleger o parlamento nacional. A Eslovênia é um país que antigamente fazia parte da Iugoslávia cujo sistema político é o parlamentarismo, que muitas vezes proporciona eleições emocionantes e crises políticas infinitas, com partidos “vencendo sem levar” o pleito e a necessidade de coalizões. Nos últimos meses, aqui no Brasil, o país se tornou mais conhecido por causa de uma participante de um reality show.

O premiê Janez Jansa, no cargo desde março de 2020 em sua terceira passagem, é uma figura de curiosa biografia, com uma trajetória similar a do húngaro Viktor Orbán, seu aliado político com quem compartilha algumas visões de mundo. Nos anos 1980, Jansa era um ativista liberal por maior representação política dentro da federação iugoslava e, principalmente, por reformas econômicas liberais e abertura de mercado.

Como um defensor da independência eslovena, ele foi o primeiro Ministro da Defesa do país, entre 1990 e 1994, período que inclui a breve guerra de independência eslovena, também chamada de Guerra dos Dez Dias. Na Eslovênia independente ele se tornou um político pró-integração europeia e um social-democrata. Continuava defendendo a abertura de mercado, mas também a preservação do papel social do Estado herdado da Iugoslávia.

Depois de ter sido derrotado eleitoralmente em 2008, Jansa e seu partido, o Partido Democrático Esloveno, conhecido pela sigla SDS, deram uma guinada para a direita populista. O país já estava na UE e também foi admitido na OTAN, e os efeitos da crise de 2008 foram impactantes para o resultado eleitoral. Adotaram bandeiras conservadoras e também anti-imigração, colocando seu governo, por vezes, em colisão com a UE.

Ele se tornou internacionalmente mais conhecido por suas declarações de que Donald Trump teria sido o legítimo vencedor das últimas eleições nos EUA, inclusive compartilhando teorias conspiratórias de gosto bastante duvidoso em redes sociais. Apesar desse caráter de “meme”, é um erro reduzir Jansa a isso. Ele é um político popular em seu país, com uma fiel legião de apoiadores, tal qual Trump.

As pesquisas colocavam uma disputa acirrada entre o premiê e seu SDS e Robert Golob, líder do Movimento Liberdade (GS), uma reforma e ampliação do Partido Ação Verde. Golob é um engenheiro que fundou uma das maiores empresas de energia do país, além de ter feito parte de gabinetes de coalizões de esquerda e de centro-esquerda. Além de bandeiras ambientais, o partido defende pautas socialmente progressivas e pró-União Europeia.

É difícil analisar todas as pautas do partido, já que ele, em sua atual encarnação, foi fundado em janeiro último, justamente para disputar as recentes eleições. Essa análise, entretanto, poderá ser feita na prática. Contrariando as pesquisas com disputas acirradas, o GS teve uma clara vitória, com 34,5% dos votos, conquistando 41 das 90 cadeiras do parlamento.

Jansa e o SDS ficaram em segundo, com 23,5% dos votos e conquistando 27 cadeiras. O Partido Cristão-Democrata teve 6,8% dos votos e oito cadeiras, enquanto o Partido Social-Democrata recebeu 6,6% dos votos e conquistou sete cadeiras. Fecha o parlamento o Levica, com 4,3% dos votos e cinco cadeiras. Levica significa “A Esquerda”, sendo o partido de esquerda radical do país.

O limiar eleitoral de 4% barrou cinco partidos que estavam presentes no parlamento, incluindo o Partido Nacional Esloveno. Em 2018 o partido havia conseguido 4,1% dos votos e elegeu quatro parlamentares. Dessa vez, recebeu apenas 1,49%. O partido é conhecido por seu revisionismo histórico que busca reabilitar a imagem dos colaboracionistas fascistas eslovenos do período da Segunda Guerra Mundial.

Olhar para a eleição anterior é essencial para compreender a eleição de 2022. Muito se focou na derrota do “Trump esloveno” ou algo do tipo, novamente com foco apenas nos memes e demais chamarizes. A questão é que Jansa venceu as eleições de 2018 ao receber 222.042 votos. Em 2022, 277.094 eslovenos votaram nele, e seu partido inclusive aumentou sua bancada em dois assentos.

Como um candidato recebe 50 mil votos a mais e é derrotado? Claro, o número absoluto parece pequeno, não lota alguns dos maiores estádios de futebol, mas a população eslovena é de apenas cerca de dois milhões de habitantes, com menos de 1,7 milhão de eleitores. Sua derrota é explicada por dois fatores. Primeiro, um comparecimento eleitoral recorde da breve História do país, na casa dos 70% dos eleitores presentes.

Segundo, uma aglutinação do voto de oposição no GS de Golob. Os dois partidos de esquerda diminuíram entre uma eleição e outra, com parte de seu eleitorado migrando seu voto para Golob, seja por simpatizar com suas bandeiras ambientais, seja por adotar um “voto útil” contra Jansa. Partidos de centro e de lideranças políticas ditas “tradicionais” também perderam eleitores para o GS.

O leitor atento deve ter reparado que o vencedor conquistou 41 das 90 cadeiras do parlamento, ou seja, cinco a menos para a maioria da casa. Muito provavelmente será formada uma coalizão de governo com os social-democratas, liderados pela eurodeputada Tanja Fajon. Ela é defensora da chamada Iugosfera, uma maior integração econômica e política entre as ex-repúblicas iugoslavas.

Feitas as contas, é superficial acreditar que o agora ex-premiê aliado de Orbán sofreu algo como uma derrota acachapante, sendo que ele recebeu ainda mais votos do que antes. No próximo mês, o vencedor Golob terá os desafios de formar sua coalizão e também seu gabinete, provavelmente relativamente inexperiente, em um processo de renovação política em um dos mais estáveis novos Estados europeus.

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