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A primeira-ministra de Barbados, Mia Amor Mottley (esq.), ao declarar a cantora Rihanna (centro) heroína nacional, na presença da presidente do país, Sandra Mason (dir.), 30 de novembro
A primeira-ministra de Barbados, Mia Amor Mottley (esq.), ao declarar a cantora Rihanna (centro) heroína nacional, na presença da presidente do país, Sandra Mason (dir.), 30 de novembro| Foto: EFE/Barbados Today

A pequena Barbados oficializou sua transição para uma república na última segunda-feira, numa cerimônia que cruzou a meia noite. O arriar do pavilhão pessoal da rainha Elizabeth II foi o culminar de um processo que começou em 2018. Além de aspectos particulares de Barbados, a transição da ilha de uma monarquia para uma república é parte de um fenômeno maior e que ganhará cada vez mais força nos próximos anos.

Primeiro, uma breve contextualização e conceituação. Barbados se tornou uma posse colonial britânica em 1625 e, em 1966, tornou-se independente como um Reino da Commonwealth. São países independentes, com parlamento próprio, em uma união de coroas com a monarca britânica. No caso, a rainha Elizabeth II. Canadá, Austrália e Nova Zelândia são os mais conhecidos Reinos da Commonwealth.

Hoje são 15 Reinos da Commonwealth e esses países independentes possuem a monarca como Chefe de Estado simbólica. Ela, por sua vez, “acumula coroas”, com seu título variando de acordo com o local. Rainha do Reino Unido, rainha da Austrália, rainha da Jamaica, etc. No cotidiano, entretanto, a chefia de Estado de cada país é exercida pelo Governador Geral, uma pessoa indicada pelo país e aprovada pela monarquia.

No último mês de outubro, por exemplo, Cindy Kiro tornou-se a primeira mulher maori empossada como Governadora Geral da Nova Zelândia. Pode ficar um pouco confuso, já que ela não é exatamente a Chefe de Estado neozelandesa, ela exerce essa função em nome da rainha. Considerando que faz 20 anos desde a última visita real à Nova Zelândia, na prática, é como se a governadora geral fosse a Chefe de Estado.

Commonwealth das Nações

Outra possível fonte de confusão é a Commonwealth das Nações, uma associação política e cultural entre 54 países, quase todos ex-integrantes do império colonial britânico. Dentre esses 54 países estão os 15 em que Elizabeth II é a monarca, países como o Brunei, uma monarquia com outro monarca, o Paquistão, país que teve Elizabeth II como monarca e virou uma república, e a Índia, que tornou-se república antes da atual rainha.

Em suma: existem os Reinos da Commonwealth, em união de coroas com o Reino Unido, mas isso não é sinônimo de Commonwealth das Nações, um grupo maior e mais diverso de países, simbolicamente chefiado pela monarca. Ainda assim, todos os países que integram ambos os grupos são independentes, com Legislativos e forças armadas próprias. O que varia é o grau de cooperação militar e econômica com o Reino Unido, de caso em caso.

Retornando ao caso de Barbados, o país cogitava o republicanismo desde basicamente sua fundação e, em 2018, o Partido Trabalhista local obteve larga vitória nas eleições parlamentares. Habitualmente, os reinos da Commonwealth espelham a política do Reino Unido: um parlamento com dois grandes partidos, um trabalhista, mais à esquerda, e um conservador, mais à direita, embora com nomes podendo variar.

Os trabalhistas barbadianos são republicanos e, com sua vitória eleitoral, promoveram uma emenda constitucional que, após aprovada, transformaria o país numa república. A chefia de Estado seria exercida pelo novo cargo de Presidente da República e as nomenclaturas apropriadas seriam alteradas. Como emenda constitucional, curiosamente, a lei precisou do consentimento real, via a Governadora-geral, Sandra Mason.

A mesma Mason foi eleita, indiretamente, para ser a primeira presidente de Barbados e, nesse cargo, chefiou a cerimônia da última segunda-feira. Hoje com 72 anos, ela foi a primeira mulher admitida na ordem dos advogados de Barbados, em 1975. Além de advogar, ela foi juíza, professora universitária e diplomata, com um currículo notável. Inclusive, foi embaixadora de seu país no Brasil, na década de 1990.

Curiosamente, Barbados inicia sua trajetória republicana com uma “dobradinha” feminina no poder, já que a primeira-ministra é Mia Mottley. Ainda assim, quem mais recebeu holofotes na cerimônia foi a embaixadora honorária e agora heroína nacional Rihanna, talvez a cidadã barbadiana mais conhecida no mundo. Além de sua carreira musical, ela é empresária e filantropa, com um patrimônio de mais de um US$ 1,5 bilhão.

Movimentos mundiais

A rainha foi representada pelo seu filho mais velho e herdeiro da coroa, Charles, e a cerimônia também contou com uma mensagem em vídeo do primeiro-ministro Boris Johnson, em que ele falou do "vínculo especial da Commonwealth". Na maioria das vezes, a proclamação da república de Barbados foi tratada como algo anedótico, uma curiosidade, com mais ênfase em Rihanna. Esse movimento, entretanto, é bem importante.

A mudança em Barbados está relacionada a dois movimentos maiores. O primeiro é a aproximação política e econômica cada vez maior entre países em desenvolvimento e a China. Sim, parece óbvio dizer isso, mas Barbados ilustra bem isso por ser um caso gritante. A História barbadiana é marcada pela escravização de africanos, levados para a ilha pelos britânicos para a exploração de cana de açúcar.

Essas feridas históricas fazem com que, politicamente, a retórica desenvolvimentista e anti-imperialista do governo chinês agrade bastante aos ouvidos de diversas lideranças locais. Na economia, Barbados foi um dos primeiros países americanos a ser parte do programa da Nova Rota da Seda. Os dois países possuem diversos acordos de investimentos, especialmente em infraestrutura.

Por exemplo, a gigante estatal chinesa da construção civil possui uma subsidiária local, a China Construction Barbados. Os números ilustram bem essa relação. Em 2005, Barbados exportava US$ 200 mil para a China e importava um total de US$ 19 milhões. Hoje esses números são 20 e 142  milhões de dólares, respectivamente. E como a China se relaciona ao republicanismo em Barbados?

Parte da argumentação republicana era a de que encerrar o laço monárquico com Londres daria mais autonomia ao país em sua política externa, incluindo em uma aproximação estratégica com Pequim. O segundo movimento maior é o do republicanismo nos Reinos da Commonwealth em geral, com a diferença de que a aproximação com a China “apressou” Barbados, ao contrário de outros países.

A rainha Elizabeth II é uma figura querida pela maior parte das populações dos reinos. Uma espécie de “avó coletiva”, que reina desde a década de 1950 e cujas funções públicas remontam à Segunda Guerra Mundial. Ainda assim, ela, como todos nós, cumprirá um curso natural em sua vida. E, hoje, seria sucedida pelo seu filho que é quase seu antônimo, uma figura sem muito prestígio e com o carisma de um tubérculo.

Austrália e Nova Zelândia

Em países como Austrália e Nova Zelândia, a monarquia é vista como algo distante, uma instituição obsoleta e redundante com os cargos de Governador Geral. Em maio, quando Cindy Kiro foi nomeada para o cargo, a premiê neozelandesa Jacinda Ardern disse acreditar que o país será uma república em breve. Pesquisas colocam uma espécie de “empate” sobre o tema na opinião popular.

Um tema, entretanto, é menos divisivo: a ampla maioria defende a adoção de uma nova bandeira nacional, sem a Union Jack britânica e sem o uso do desenho colonial. Na Austrália, onde o movimento republicano remonta ao início do século XX, o apoio ao republicanismo é mais amplo nas pesquisas de opinião. No Canadá, por outro lado, a imagem da monarquia é muito forte.

Curiosamente, se o raciocínio for o de escolher entre uma maior parceria com Londres ou com Pequim, isso pode manter os laços dos países da Oceania com o Reino Unido, dado o crescente antagonismo entre esses países e a China. Por outro lado, a mera mudança da forma de governo não anularia outros acordos, como a já mencionada Commonwealth das Nações e a cooperação de inteligência dos Cinco Olhos.

No que concerne Austrália e Nova Zelândia, somente o futuro dirá, é claro. Por enquanto, o assunto se resume ao caso de Barbados. A transição do país, aparentemente suave, pode inclusive influenciar o debate político em outros países, seja sobre a China, seja no tema da “ruptura” com Londres. Rihanna, entretanto, permanecerá uma característica única das notícias sobre Barbados.

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