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Slavi Trifonov
TV transmite declaração especial do apresentador de TV búlgaro Slavi Trifonov| Foto: VASSIL DONEV/Agência EFE/Gazeta do Povo

Diversos nomes considerados “outsiders” da política foram eleitos em vários países nos últimos anos. A comparação, via de regra, era sempre feita com Donald Trump, um homem do mundo dos negócios e extremamente midiático que, como um meteoro, se tornou presidente do país mais rico e militarmente mais poderoso do mundo. Algumas vezes a comparação não tinha muito sentido, em outras vezes tinha mais relação com método. No caso da Bulgária e seu provável novo primeiro-ministro, a comparação é bastante cabível.

Slavi Trifonov tem 54 anos de idade e nasceu na histórica cidade de Pleven. No norte do país, a cidade foi local de uma importante batalha entre russos e otomanos em 1877. A vitória russa influenciou tanto a independência da Bulgária quanto da vizinha Romênia. Nos anos 1980, Trifonov estudou música e se graduou na Academia Nacional, em Sófia, o principal conservatório de música do país. Seus estudos, e parte de sua carreira como músico, são voltados para o folclore búlgaro, mas foi no pop-rock que ele se encontrou.

Celebridade

Nos últimos trinta anos, Trifonov é figura carimbada das rádios e da televisão búlgara. Sua banda, Ku-Ku, foi bastante popular na virada dos anos 1990 para os anos 2000, e ele participou de diversos realities shows com temática musical, alguns das mesmas franquias que passam na televisão brasileira. Em 27 de novembro de 2000 estreou o Slavi's Show, no formato habitual de talk show, com entrevistas, quadros musicais, piadas e monólogos. O programa durou dezenove anos e mais de quatro mil exibições diferentes no horário nobre.

É claro que as coisas devem ser colocadas em perspectiva. Donald Trump é uma figura midiática mundial, mas, em seu país, Trifonov reinou supremo. Ao estudar sobre sua figura, descobre-se que ele detém o recorde de audiência na televisão búlgara fora do jornalismo ao vivo ou do futebol. Quase três milhões de pessoas assistiram um de seus programas. O número parece pequeno, até lembrarmos que a população búlgara vai pouco além dos sete milhões de habitantes. Algo como metade da população adulta do país estava sintonizada.

E seu talk show não acabou depois de dezenove anos, apenas “aumentou”. Em 2019, Trifonov criou sua própria emissora, a 7/8 TV, e produz alguns dos programas mais populares da Bulgária. No mesmo ano, e talvez não seja coincidência, ele fundou seu partido político, que tem na emissora uma voz oficial. Chamado de “Existe esse povo”, é referenciado pela sigla ITN. O nome do partido, inclusive, é o nome de um dos álbuns de sua carreira musical. O peso pesado da mídia e da cultura pop agora entrava na política.

O partido é marcado pela ideia de “contra tudo isso que está aí”, como muitos dos chamados outsiders, mas não é amorfo como outros fenômenos similares. Possui pautas objetivas e registradas em estatuto. Mudança do atual sistema de representação proporcional para um sistema distrital nas eleições nacionais; redução pela metade da Assembleia Nacional; início de implementação de e-government, com votos remotos e diretos para alguns cargos; obrigatoriedade do voto; maior integração à União Europeia; finalmente, expandir o aparato de segurança social do Estado.

Nas eleições de abril, que não resultaram na formação de um governo, Trifonov e o ITN levaram 17,3% dos votos e 51 das 240 cadeiras no parlamento. Nas eleições do último domingo, dia 11 de junho, cresceram para 23,7% dos votos e agora possuem 65 cadeiras. Mais que isso, o ITN tornou-se o maior partido do parlamento, e Trifonov recebeu o direito de formar um governo primeiro. E agora será hora do figurão da mídia mostrar se consegue sobreviver e nadar em meio aos tubarões.

Formação de governo

Mesmo tendo sido o mais votado, o ITN passa longe da maioria. E também não ficou tão na frente do segundo colocado, o Gerb, o maior partido da direita búlgara. Formado como sucessor do partido de Simeão Saxe-Coburg-Gotha, que foi czar quando menino e primeiro-ministro de 2001 a 2005, o partido é controlado por Boyko Borisov. Ele é o principal nome da política búlgara no século XXI. Foi prefeito de Sofia de 2005 a 2009, quando tornou-se o primeiro-ministro, cargo que ocupa até hoje de maneira quase ininterrupta, salvo alguns meses de eleições e formação de governo.

Borisov é acusado de estender sua influência sobre todas as esferas da vida búlgara. A corrupção seria o que o mantém no poder, incluindo laços com organizações mafiosas que agiriam como “milícias eleitorais”. Em julho de 2020, o então presidente Rumen Radev, em um discurso cheio de indiretas, chegou a conclamar pela expulsão da máfia de dentro do governo. Isso se tornou um partido, traduzido algo como “Levante-se! Fora, máfia!”, formado no contexto dos protestos daquele ano. O partido agora conquistou treze cadeiras.

O Gerb e Borisov ficaram com 63 cadeiras, a segunda bancada. Perderam doze, mas, ainda assim, ele possui grande influência política no país. E Trifonov, na sua política de “regenerar a política”, já recusou coalizões com os partidos tradicionais. Além do Gerb, os socialistas, na esquerda, ficaram com 36 cadeiras, e o centro-liberal ficou com 29 cadeiras. Sobram como possibilidades o “Fora, máfia” e a coalizão partidária Bulgária Democrática, formada por verdes e movimentos europeístas. Mesmo assim, ele não teria maioria.

Sabendo disso, Trifonov anunciou que permite tomar posse com um governo de minoria. Ele não vai nem se juntar aos partidos tradicionais e nem fazer uma coalizão com os partidos de bandeira anticorrupção. Uma solução frágil, podendo ser derrubada em um simples voto de desconfiança articulado pelos outros partidos. E pode ser essa a aposta que Trifonov queira fazer com um governo de minoria. Ser derrubado pelo "establishment", posar como um honesto perseguido e expandir seu eleitorado.

Não faltariam novos eleitores para ele, inclusive, já que apenas 40% do eleitorado compareceu nas urnas. O sonho de Trifonov seria conseguir o que Nayib Bukele conseguiu em El Salvador, uma ampla maioria governista no legislativo. Para ele conseguir esse objetivo, dependerá primeiro dele conseguir sobreviver em meio aos tubarões. Se não será devorado, se mostrar um incompetente ou, ainda, não vai se tornar mais um do cardume de peixões que só querem a sua mordida.

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